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quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

LOST e a psicose

Esta semana voltei a viver aqueles fenômenos psicóticos tão caros a quem quer que assista a LOST: deparei-me com Jin ao sair do supermercado e peguei-me quase tão ansiosa e preocupada com o trabalho de parto da Kate quanto estou me sentindo com relação ao da Cintia. E eu que nem sei se ela (Ms Austen, não Mrs Tatini) está grávida mesmo! E se você sabe, por favor não me conte, que parei de acessar o Lost in Lost desde que li sobre os Oceanic 6 e fiquei com aquela sensação incômoda de too much information. Cortei todos os açúcares e carboidratos e gorduras hidrogenadas da minha dieta, não vi nenhum trailer e não faço idéia do que se passa com o Sam do Lost Experience e sua noiva que mais parece uma prima da Juliet e da Sarah (ah, você não sabia que Juliet e Sarah eram primas? Bom, na verdade eu também não sei, mas não seria fantástico se elas fossem? Como será que Jack reagiria? Acho que ele não teria mais dúvidas de que tudo o que acontece na ilha é fruto da manipulação de Jacob, logo se afundaria cada vez mais nas drogas no futuro, logo viria se tratar comigo, que demais!!! E eis que a psicose retorna).

Então eu não sei se minhas visões e fantasias aconteceram meramente em função da expectativa com relação à volta (ontem nos EUA, provavelmente HOJE!!! aqui em casa), ou se constituíram uma manifestação legítima do princípio de prazer. Toscamente falando, eis o exemplo paradigmático do princípio de prazer em ação: se o bebê não tem acesso ao leite na hora em que o deseja, ele alucina o leite e isso o sacia, num primeiro momento. Mas esta saciedade, embora não possa ser chamada de falsa, pois o bebê realmente se tranqüiliza com o leite alucinado, é apenas temporária; mais hora menos hora, ele vai precisar do leite material - e, se este vier de um seio amoroso, melhor ainda. (Analistas deste blog, falei bobagem? Estou com preguiça de voltar ao texto...)

Talvez eu esteja alucinando coisas enquanto leite-LOST não vem. Eu até podia saciar parcialmente a minha fome com o Lost Experience, que é tipo o leite ninho de LOST; preferi, porém, recorrer ao meu próprio leite-LOST intrapsíquico e não me contentar com nada menos que o leite oriundo do seio bom Darlton.

Ou talvez eu esteja apenas mais antenada do que o normal para o que está por vir (se vi Jin saindo do supermercado, será que isso quer dizer que o veremos fazendo de tudo para prover e cuidar de seu filho? Hmm....).

Mas talvez sejam as duas coisas, e o mais provável de tudo é que não seja nenhuma delas - é bom já ir me reacostumando com a reversão de expectativas a que LOST invariavelmente me submete. E, principalmente, é ótimo entrar em contato com a saudade imensa que venho sentindo há meses. Afinal, reencontrarei velhos amigos entre hoje e amanhã.

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quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Dez autores, vinte livros

Elaborar listas é uma experiência deliciosa, assim que você faz as pazes com sua angústia da ignorância qualitativa e se resigna diante do fato de que uma lista-é-uma-lista-é-uma-lista que necessariamente terá um ponto final. Pois ontem superei essas duas dificuldades e me diverti muito montando uma lista inédita em minha vida: a de livros e autores preferidos. Gostei tanto da experiência que decidi publicar o resultado aqui no blog, embora ele não seja nem de longe tão interessante quanto o processo por que passei para chegar a esses dez escritores e suas obras. Menciono um ou dois livros de cada, com comentários de no máximo três linhas sobre as circunstâncias em que os li, as sensações que me despertaram e, muito raramente, sobre algo de seu conteúdo. Para arredondar, fui acrescentando à lista outros dos meus livros fundamentais até que totalizassem vinte - afinal, o melhor das listas é a possibilidade de brincar com seus parâmetros e critérios.

Sobre estes últimos, uma ressalva. Não vou fingir que não senti uma leve pontada de vergonha ao constatar que minha lista não inclui Clarice ou Guimarães Rosa (embora eu tenha lido muita ou pouca coisa de ambos, e gostado bastante) e conta, por outro lado, com a presença de um psicanalista norte-americano praticamente desconhecido até nos cursos de graduação em Psicologia, e com uma autora de livros infanto-juvenis. Mas a vergonha não foi maior do que o desejo de ser honesta para com a minha própria experiência: afinal, meu único critério para elaborar esta lista foi selecionar os livros que me emocionaram mais. E como estou cada vez mais cansada de me envergonhar das minhas próprias emoções, segue a lista em toda sua obviedade e idiossincrasia:

Freud. A Interpretação dos Sonhos e textos como O Estranho, Luto e Melancolia e Além do Princípio do Prazer, tanto quanto a (pouca) experiência analítica que acumulei como analisanda, analista em formação e supervisionanda, definitivamente salvaram a minha vida.

Dostoiévski. O Idiota - quando o li, ele era a única coisa no mundo que conseguia me fazer esquecer por uns breves instantes uma paixão muito sofrida. Quando descobri que o homem amado também amava O Idiota, é claro que me apaixonei mais ainda. Crime e Castigo - ainda consigo sentir o gosto amargo que Raskólnik produzia em minha boca. A experiência sinestésica paradigmática da minha vida.

Vargas Llosa. Tia Julia e o Escrevinhador - que outra história teve um desfecho tão minuciosamente bem construído e tão maravilhosamente engraçado?

García Márquez. O Amor nos Tempos do Cólera (a história mais comovente de todos os tempos), Cem Anos de Solidão (dã).

Calvino - Os Nossos Antepassados, embora eu ache que eles sejam nossos contemporâneos também.

Monteiro Lobato - para citar apenas o meu preferido, Os Doze Trabalhos de Hércules, que me levaram a montar um altar para Palas Atena no meu quarto.

Lygia Bojunga Nunes - outra autora fundamental da minha infância. A Bolsa Amarela e A Casa da Madrinha deviam ser leitura obrigatória para o vestibular. A Casa, em especial, é um dos relatos mais tocantes sobre as relações entre fantasia e realidade com que já tive a sorte de me deparar.

Vale entrar autor de quem li livro só? Bom, a lista é minha, então vale:

Proust. No Caminho de Swann ensinou-me que os limites do representável são muito mais elásticos do que eu tolamente acreditava.

Amós Oz - De Amor e Trevas valeu por uma segunda análise.

J.M. Coetzee - Desonra foi a leitura mais compulsiva dos últimos anos.

Outros livros altamente estimados: Crônica da Casa Assassinada, de Lúcio Cardoso; Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Barthes; Para Viver um Grande Amor, de Vinícius; Subjects of Analysis, de Ogden; Carta ao Pai, de Kafka; Ficções, de Borges; Na Praia, de Ian McEwan e As Palavras, de Sartre.

EDITADO PARA ACRESCENTAR: Eu juro que tentei me comportar como uma blogueira antenada e multimídia, que usa e abusa dos mais diversos recursos gráficos em seus posts para prender a atenção do enfastiado leitor. (Os diversos recursos gráficos, no caso, não passam das fotinhos dos livros acima mencionados, mas ninguém precisaria ficar sabendo disso.) Se você chegou até aqui, caríssimo leitor, é sinal de que não está tão enfastiado assim; se você, além disso, souber o que se há de fazer para que o editor de textos do blogger publique aquilo que diagramei nele, damn it!, é favor compartilhar seus conhecimentos secretos comigo e com o restante da humanidade no espaço para comentários aí de baixo. Obrigada.

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segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Pérola da publicidade

O fim de semana presenteou-me com um outdoor tão impressionante que não tive como não postar seus dizeres aqui no blog. Eram eles:

CALÇAS KOTHOS

Como não é todo mundo que teve um tio com uma deficiência física, impera recorrer ao Houaiss:

"Coto

Acepções
substantivo masculino
1 parte restante de membro do corpo humano amputado, esp. braço ou perna"

A partir daí, foi só imaginar os slogans que eu venderia para o dono da empresa. Meus preferidos foram estes:

"Calças Kothos: com elas, quem precisa de pernas?"

"Calças Kothos: reduzem seu manequim pela metade!"

Naturalmente, acompanhados do seguinte aviso em letras minúsculas num cantinho do outdoor:

"Não podem ser vendidas separadamente dos Óculos Ceghus e das Camisinhas Broshas."

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sábado, 26 de janeiro de 2008

Minha vida amorosa

Dia desses uma amiga que andava afastada me liga e pergunta:

- E aí, Cá, como anda a vida amorosa?

Pausa à la Matrix. Atentem bem para o vocabulário utilizado: minha amiga não perguntou se eu estava saindo com alguém, ou se tinha conhecido uma pessoa nova. Não indagou se eu estava apaixonada ou desiludida. Não quis saber se eu tinha voltado com meu ex-namorado, ou mandado-o às favas. Tampouco se interessou em saber se virei lésbica, libertina ou freira. Nada disso: minha amiga perguntou de minha vida amorosa.

Bom, uma pessoa minimamente racional pode interromper a leitura por aqui, pois é óbvio que qualquer um é capaz de entender o que minha amiga quis dizer: ela perguntou tão-somente se estou dando para alguém nos dias que correm. Mas, por algum motivo, não consegui me ater ao significado pretendido. Tanto que forneci a resposta mais idiota que alguém poderia conceber nesta situação:

- A vida amorosa... vai indo.

Felizmente, porém, a resposta não soou nem de longe tão idiota quanto efetivamente se revela agora por escrito, pois a verdade é que minha amiga estava muito menos interessada em saber como andava minha vida amorosa do que em informar-me sobre a dela.

Mas o objeto deste texto é a pergunta, não a resposta - e, principalmente, seu extraordinário efeito de fazer com que, de repente, eu sentisse que não estava mais conversando com minha querida amiga, e sim com a última edição de Nova. Pois que outra pessoa utiliza a expressão "vida amorosa" além da editora-chefe de Nova?

Afinal, em Nova, bem como em suas publicações-irmãs, fala-se muito das seguintes áreas da vida: saúde, trabalho, família, e vida amorosa. Tá certo, muitas vezes vida amorosa é substituída por vida sexual, ou mesmo por amor. Mas meu ponto aqui é que nunca encontramos um teste que avalie sua vida higiênica, vida trabalhista, vida familiar e amor. Donde se conclui que: 1) o cuidado com a saúde, o trabalho e a família não constituem propriamente aspectos da vida, reduzindo-se a meras distrações com que nos ocupamos enquanto não vivemos a vida verdadeira, a amorosa; 2) as vidas higiênica, familiar e trabalhista de uma pessoa são obrigações que nada têm a ver com o amor. (O leitor atento perceberá que 1 e 2 são duas faces da mesma moeda, e o leitor desatento atentará para a repetição desnecessária do termo "vida" nos períodos anteriores. Já o leitor chato será o primeiro a lembrar que eu mesma utilizo a expressão "vida amorosa" no meu perfil do blogger.)

Não sei quanto aos leitores atentos e desatentos, mas com relação à minha própria vida - a única, aliás, sobre a qual posso falar com alguma autoridade - não houve até hoje uma relação amorosa sequer que não me tenha demandado um trabalho desgraçado. E, por outro lado, minhas quiçá fúteis tentativas de ser feliz ainda nesta vida implicam fazer dela uma experiência amorosa em sua totalidade. Porque, goste eu disso ou não, apenas o amor é capaz de me mover. O amor e os prazos, claro. Mas talvez eu esteja usando amor, aqui, em oposição a medo. Já vi gente trabalhar que nem louca por medo da reação do chefe, do orientador, do supervisor - enquanto que eu, ao sentir medo de qualquer espécie de retaliação por parte de quem quer que seja, viro uma songa-monga legítima.

Mnha vida amorosa aproxima-se daquilo que Freud chamava de vida sexual - e que, no meu caso, inclui as minhas amigas, os pais delas, este blog e os discos do quarteto americano do Keith Jarrett. E do europeu também, lógico.

Minha vida amorosa às vezes melhora muito quando estou dando para alguém. Outras vezes piora.

Minha vida amorosa pode até caber num post, mas certamente não cabe como resposta a uma pergunta que serve prioritariamente como trampolim para uma afirmação do interlocutor.

E, pensando assim, minha resposta até que foi bem espirituosa:

- Minha vida amorosa... vai indo.

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sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Flowerville e a aguda, dolorosa e excitante contemporaneidade

Há tempos venho querendo escrever aqui sobre Flowerville e Nova Esplanada, Peçonha e Neumani e, principalmente, Nora. Os tempos passaram e justamente agora, quando eu não poderia estar mais ocupada, encontrei tempo para escrever sobre esses condomínios tão parecidos, que imagino estarem situados em algum ponto da Dutra entre São Paulo e Rio.

Logo de início somos apresentados aos dois personagens que considero centrais à trama: o emprendedor multibiliardário e o matemático pobretão. Nossa reação reflexa-condicionada é simpatizar com o pobre bonzinho e indignar-se com o rico malvado. E uma das maiores riquezas do livro está justamente na desconstrução desse reflexo tão burro quanto automático. Detesto recorrer ao argumento genérico "pesquisas mostram", mas não vejo como fugir dele aqui. Recordo que, em algum momento da novela do mensalão, algum veículo de comunicação fez uma pesquisa perguntando às pessoas o que elas fariam se estivessem no lugar dos deputados. Muito mais do que a metade respondeu que a mesmíssima coisa, o que vem a comprovar minha tese de que o principal problema do Brasil não é a má distribuição de renda, e sim a má distribuição de educação e, principalmente, de um senso mínimo de civilidade.

Neumani faz parte da maioria que só não recebe o mensalão porque não pode. Pois a verdade é que ele é um escroto. Arrogante a não poder mais, está convencido de ser o próprio gênio injustiçado a quem não foi dada a chance de mostrar ao mundo todo o seu potencial. Mas no começo do livro isso está para mudar, pois ele acaba de ser contratado para desenvolver a fórmula da sociedade ideal por ninguém menos que o principal responsável pela miséria do condomínio onde Neumani vive. Ou seja, olha-o-mensalão-aí-gente.

Peçanha, por outro lado, é igualmente escroto. Só que, como minha avó gosta de dizer a respeito dos ricos, "ele está bem, muito bem". E para falar deste mar de bondade em que Peçanha vive, permitam-me citar o trecho que descreve o projeto arquitetônico proposto para o condomínio por ele presidido. Trata-se de passagem rápida que pode muito bem passar despercebida, mas que constituiu uma das principais chaves de interpretação da obra cá para esta leitora:

"... umas intervenções jocosas em forma de monumentos, um 'monstrous cock estilizado' (...), umas bundas femininas muito redondas em pedra-sabão, anjinhos de galalite abóbora no centro de uma fonte de epóxi preto em forma de vitória-régia. Com essas extravagâncias conseguia quebrar a frieza do conjunto, tornando sua versão de Flowerville um cenário de aguda, quase dolorosa, mas sempre excitante contemporaneidade" (p. 39).

A arquitetura pretendida para Flowerville, além de definir fisicamente o condomínio, define também a personalidade de seu presidente. Pois estes são um mundo e uma pessoa transbordantes de excitação - uma excitação sem limites, sem contornos, que encontra vazão numa violência exacerbada (o garçom cujo rosto é retalhado, a grávida que... não vou contar para não revelar dados demais sobre a trama) ou numa sexualidade que está para o amor assim como uma cebola está para um sorvete. "Encontra vazão", eu disse - mas a vazão de que é capaz um chafariz, pois a excitação sempre retorna para a fonte de onde saiu: toda a violência e todo o sexo não são suficientes para elaborá-la numa vivência mais palatável. Repetição, aqui, é a palavra de ordem: qualquer possibilidade de elaboração está muito distante do que o livro nos apresenta. Não é à toa que o exército de blow-job girls profissionais arregimentado por Peçanha jamais dê conta do recado, pois objetos sexuais - mulheres atraentes - de forma alguma despertam o seu interesse; não, as mulheres são mero escoadouro-chafariz da excitação que seu próprio poder lhe suscita.

Mas Flowerville não é o único empreendimento de Peçanha. Ele é também o fundador de Nova Esplanada, condomínio que não chega exatamente a possuir uma arquitetura definida. Vejamos:

"Composição do solo de Nova Esplanada: caquinhos de tijolo e vidro e telha formando uma areia cascalhuda e suja, farofa crivada de pedras, pedrinhas, pedrouços, pedregulhos, papéis de bala e argolas de latinha de cerveja, moedas de níquel vagabundo que falam de ordens monetárias extintas e solas de sapato carcomidas grudadas em presilhas de sutiã que são pura ferrugem e êmbolas de seringa com estrias de sangue seco. E ainda ossos, ossinhos, fragmentos de cartilagem, todos os formatos e tamanhos, tudo mal reconhecível como se estivesse moído ou não passasse de um ajuntamento de trecos, troços, trastes, breguetes, porrinhas que um dia fizeram sentido como parte de coisas inteiras mas agora são tão inúteis quanto o ar depois que o expelimos dos pulmões" (p. 51).

De minha parte, não tenho nenhuma dúvida de que, sob os monstrous cocks e bundas redondas de Flowerville, repousa este mesmo solo, amálgama de objetos parciais desconjuntados sobre o qual é impossível o nascimento de qualquer coisa viva.

Peçanha e Neumani são, portanto, tônica e sétima maior: as notas que definem a sonoridade de um acorde. Entre elas, ou para além delas, uma nota insistentemente dissonante: a décima terceira menor, que atende pelo nome de Nora.

Nora é casada com Neumani, embora há muito viva completamente alheia a este. É a louquinha da história, sobre a qual as drogas psiquiátricas não parecem surtir nenhum efeito. Os remédios não nos curam de nós mesmos, já dizia Roudinesco; sobretudo, os remédios não curam ninguém de Flowerville e Nova Esplanada. Nora adoece dos caquinhos e pedrinhas do solo que habita; e escreve.

A escrita de Nora constitui a única tentativa de elaboração genuína vista ao longo de todo o livro. Não está em jogo o valor literário do que escreve - que vai do tocantemente singelo ao francamente cafona -, e sim sua tentativa de fazer algum sentido do mundo em que vive. Não se trata também de romantizar a patologia: Nora está em sua melhor forma quando se despe do agasalho anti-sexo e se auto-impõe uma extreme make-over que inclui batom e vestidinho faceiro. Trata-se tão-somente de olhar com honestidade o mundo que a cerca, coisa que seu marido não pode fazer. Uma das melhores passagens do livro (que não consegui encontrar para reproduzir aqui - um Kindle nessas horas ia bem) é aquela em que Neumani encontra o diário da mulher e se espanta diante de sua "prosa caprichada", ficando sem saber se ela já deu ou se pretende dar para um determinado senhor. Não pude deixar de me lembrar dos homens que jamais poderão compreender por que uma mulher se dá ao trabalho de chorar ouvindo Joni Mitchell. Com a diferença de que Neumani é muito pior do que esses homens.

Não por acaso, Nora será peça fundamental de uma reviravolta na trama, que novamente refreio-me de revelar aqui.

Além dessas três notas, há várias outras, claro. A maioria, confesso, pareceu-me bastante dispensável, como a quinta de um acorde maior. Para que serve, afinal, a quinta num acorde maior? Freqüentemente para nada, e assim também a história à la "último dia de um condenado" do garoto que é assassinado por acidente, e a do torturador que se apaixona pela mocinha torturada e a ajuda a fugir, passando então o resto da vida em seu encalço. (Se bem que, até aí, a mesmíssima história me comoveu até as lágrimas em LOST, talvez pelo fato de Sayid ter sido seu protagonista. Mas, Sayid à parte, creio que o problema não está na história ou no personagem em si, mas na posição que ocupam em relação aos demais personagens ou subtramas da história. Em LOST, funciona; aqui, bem menos.)

A despeito desta pequena crítica, As Sementes de Flowerville é um daqueles livros que, mais do que simplesmente considerar "bom", você tem vontade de que todo mundo leia. O mínimo que eu podia fazer era compartilhar essa vontade aqui.

***

P.S.: Sentiu-se tomado pela AI modo qualitativo? Tem outros cinco livros na pilha para ler antes deste? Seus problemas diminuíram: corre lá no Todoprosa, lê o miniconto publicado anteontem e depois me diz se você vai ter a coragem de não ler as sementes.

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terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Apontamentos para uma Fenomenologia da Burrice

Trataremos aqui exclusivamente da burrice intelectual; a burrice em que se incorre ao ligar para aquele cara trinta segundos após havermos desligado na cara dele jurando que nunca mais!!! caracteriza-se como burrice emocional, fugindo portanto ao escopo do presente trabalho.

Fazemos além disso a ressalva de que a presente fenomenologia refere-se ao sentimento de burrice, e não à burrice em si. Isto que se poderia presumir uma filigrana semântica ganha corpo e sentido ao nos lembrarmos de que a pior burrice é aquela que não se sabe estúpida - estando, portanto, anterior a qualquer possibilidade de sentimento. Assim, os diferentes sentimentos de burrice descritos abaixo possuem em comum o fato de necessariamente sucederem um estado de burrice bruta, não-pensada. Qualquer apontamento para uma Fenomenologia da Burrice, portanto, constitui um exercício de otimismo e de fé na cognição, pois implica você já ter superado o estágio da burrice sem-noção e adentrado o estágio da burrice que pode ser nomeada, descrita e pensada. Ou seja, uma burrice com um pouquinho mais de dignidade.

Uma vez expostas estas considerações iniciais, deixemos os sentimentos falarem por si próprios.

Angústia da ignorância, modo quantitativo. Você entra numa biblioteca ou na Livraria Cultura, detém-se diante da banquinha da FFLCH ou da gôndola de livros da Casa do Pão de Queijo, e pronto: advém a fria constatação de que você leu, no máximo, 1% de tudo o que está ali.

Angústia da ignorância, modo qualitativo. Versão ligeiramente sofisticada da AI modo quantitativo, este sentimento lhe acomete toda vez que você lê uma lista de melhores livros do ano, do Brasil, do mundo ou de todos os tempos, e se dá conta de que não leu a Bíblia, nem Ulisses, nem Grande Sertão nem o Philip Roth novo. A dura realidade é que você leu o Evangelho Segundo o Espiritismo aos 15 anos, ouviu falar em Ulisses no inevitável curso de teoria crítica pelo qual passou feito um foguete na graduação, fingiu entender os contos de Guimarães Rosa pro vestibular e só comprou um livro de literatura norte-americana recentemente porque a Oprah recomendou, e mesmo assim você ainda não se decidiu a lê-lo.

Perda total e momentânea das capacidades cognitivas. Esta modalidade do sentimento de burrice tangencia, como nenhuma outra, a burrice emocional. Acontece após momentos de extremo prazer - tipo a degustação da feijoada da minha avó -, de extrema tristeza - tipo a reiteração diária de que o ex-amor da sua vida, talvez menos ex do que você gostaria que fosse, nem lembra que você existe -, ou de extrema perturbação dos sentidos - tipo o contato com um paciente em sofrimento profundo. Toda a sua capacidade intelecutal e todo o seu corpo voltam-se para o processamento dessas experiências emocionalmente intensas, que consomem até a gasolina exigida no processamento dos cálculos matemáticos mais básicos. E, quando a gasolina do cérebro entra na reserva, este curioso órgão recorre às respostas que menos combustível demandam e portanto mais rápido nos acometem: os clichês. Vai daí - para não sairmos do campo da matemática - que, quando tomados pela perda total e momentânea das capacidades cognitivas, somos incapazes de somar 2 e 3 - mas, para calcular 2 +2, lembramos imediatamente de Caetano e não duvidamos de que a resposta seja cinco.

Burrice extra-umbigo ou Burrice retrospectiva. Recebe o primeiro nome por se tratar do sentimento de burrice advindo da dificílima constatação de que o mundo extrapola o espaço demarcado pelos lados do meu umbigo; o segundo, porque a experiência de a posteriori que aqui se vive é mais marcante do que nos outros casos. Cabe um exemplo pessoal. Lendo Desonra, romance que se passa na África do Sul cujo personagem principal é professor de literatura na Universidade do Cabo, surpreendi-me questionando a mera existência de professores e alunos naquele país - com que então existe na África do Sul algo diferente de AIDS, macacos e Nelson Mandela? A grande vantagem deste sentimento de burrice é que, de tão constrangedor, ele propicia uma fome de conhecimentos ampla e imediata: preciso largar mão de ser besta e saber mais sobre a África do Sul pra semana passada, eu que na semana passada era burra e não sabia. E ainda por cima você desenvolve um mínimo de empatia pelos estado-unidenses que acreditam não haver nada no Brasil além de AIDS, macacos e Pelé.

Burrice que não era pra ser. Essa é a pior de todas. Ao contrário da anterior, na qual você se descobre ignorante num assunto que não pertence ao seu campo de especialidades, aqui você se percebe pouco mais do que uma débil mental em algo que, até um minuto atrás, tudo em seu universo lhe indicava tratar-se de um assunto firmemente assentado sobre o seu umbigo. No meu caso, os assuntos são falar inglês e pensar com alguma lógica. Afinal, a Sandy não tinha elogiado meu inglês ontem? (Não é a Sandy que você está pensando, ô rapá, vá ler o post ali de baixo.) E tudo bem que eu ache o Seinfeld sexy - mas, quando se trata de julgamento intelectual, consigo diferenciar Paulo Coelho de Paulo Freire, né? Ou será que não? A verdade é que, ao estudar para o Graduate Record Examination e não conseguir solucionar problemas básicos de analogia, já não sei de mais nada.

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segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Serendipity

Esta tarde tive um rendez-vous desses que os evangélicos gostam de chamar "encontro com Jesus". No caso, Jesus atendia pelo nome de Sandy - vinte e poucos anos, estudante de medicina em Harvard num estágio em parceria com a Pinheiros, recém-chegada de Minas, o rosto familiar da minha dentista. Em nossa igreja - a Starbucks -, falou de sua vida e perguntou da minha. Me acalmou e me incentivou. Elogiou meu inglês e disse que a vida era assim. E foi embora, e nunca mais a verei.

Poucos leitores dispõem dos elementos necessários para entender qual foi a graça deste que, na ausência de tais elementos, poderia ser legitimamente considerado um encontro insosso.

Um blog também é feito de alguns mistérios.

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sábado, 19 de janeiro de 2008

O objeto infernal do analista

Certa vez, uma professora de filosofia política contou a seus alunos, eu incluída, um causo que, de tão absurdo, só pode ser verdadeiro. Rousseau (não a Danielle, o Jean-Jacques mesmo) cunhou um conceito, segundo essa professora, de difícil tradução: volonté générale, que em inglês sagrou-se como general will.

Pois numa tradução do inglês para o português, o tradutor resolveu esse problema de séculos lançando mão da seguinte expressão: (dou-lhe uma, dou-lhe duas...) General Will. Sim, general mesmo, de quepe e medalhinha no peito.

(É de se louvar, aliás, a fidelidade da tradução ao texto-base: outros tradutores, mais dados a liberdades interpretativas, teriam batizado o General de William.)

E assim, com esse feito, o tradutor livrou a cara de todos os demais tradutores de todas as épocas e de todas as línguas da história da humanidade, que desde então passaram a contar com esse precedente histórico sempre que justamente criticados em seu trabalho: "mas pelo menos eu não traduzi general will por General Will!".

De uma engenhosidade assim delicada, nenhum outro tradutor jamais será capaz. Mas alguns bem que tentam. E, quando não é o tradutor a tentar, vem algum funcionário do Dedalus e colabora com o Febeatrá (Festival de Besteiras que Assola as Traduções). Senão, vejamos:

O título da minha dissertação de mestrado é o seguinte: "A teoria como objeto interno do analista e seus destinos na clínica: luto e melancolia como metáfora".

A tradução no Dedalus ficou assim: "Theory as the analyst's infernal object and its vicissitudes in the clinical situation: mourning and melancholia as metaphor".

Se bem que, nesse caso, alguns poderiam argumentar que o título traduzido saiu melhor que o original. Afinal, luto e melancolia, em qualquer idioma que se apresentem, são sempre um inferno.

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sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Endorfinas e outras surpresas

Respondendo a parte dos comentários do post abaixo e reconhecendo oficialmente a presença do "elefante na sala" - sim, agora sei o que é endorfina. Acho que fiquei com medo de usar esta palavra antes por medo de que a sensação se desfizesse caso eu viesse a nomeá-la com todas as letras. Mas, a interação humana é uma coisa fantástica: a reação de vocês ao meu mais bem-sucedido relacionamento até hoje fez-me pensar que, até bem pouco tempo, a endorfina estava para mim assim como o orgasmo estava para a Geena Davis em Thelma & Louise (não, não adianta que não sei qual das duas ela é; o máximo de diferenciação a que consegui chegar foi chamá-las de "a moça feia" e "a moça bonita"). Pois bem - como todo mundo se lembra, a moça bonita tem seu primeiro orgasmo na vida com o Brad Pitt (aqui entraria a piada sexy pronta, tipo "também, com ele até eu", mas a verdade é que não acho o Brad Pitt interessante). O que importa reassaltar é que, após esta experiência inédita, a moça bonita fala para a moça feia: "mas então, é por isso que as pessoas falam tanto de sexo!". O que quer dizer que, até aquele momento, ela não acreditava em orgasmos - ou, de forma mais ampla, não acreditava que o sexo podia ser uma experiência prazerosa. Ela não tinha fé no sexo.

Assim era eu com a liberação de endorfinas. No fundo, acho que nunca tive fé em que nadar, correr, pular ou sacolejar pudessem constituir experiências prazerosas. Não desse jeito.

De uns tempos para cá, perdi a vergonha de sambar em público, venho cozinhando macarrões cada vez mais apetitosos e, por fim, vi-me obrigada a admitir que endorfinas existem - todas elas realizações que vão contra traços supostamente fundamentais da minha personalidade. (Felizmente, nunca deixei de inserir a palavra "supostamente" antes de "fundamentais".) Portanto, era de se esperar que após a desconstrução destes três paradigmas (atenção para o advérbio) supostamente fundamentais da minha identidade - não sei sambar, não sei cozinhar e não gosto de me exercitar - nada mais me surpreendesse.

Então preparem-se para se maravilhar com os descaminhos que pode sofrer o desejo humano.

Desde um certo episódio da oitava temporada...

Comecei a gostar do Seinfeld.

Não o gostar do dicionário, mas o gostar da sexta série. O gostar da cosquinha na barriga que a gente torce para que vire borboletas no estômago, mas nem liga quando a transformação não acontece (ontem a Bel me dizia que, quando criança, nem sempre acertava a bolinha com a raquete, por mais que tentasse; mas e daí, era divertido do mesmo jeito).

Mais uma vez, não sou ninguém para explicar como e por que isso aconteceu. Mas posso dizer e descrever o quando.

Foi num episódio que parte da premissa de que "o meio faz o homem". Seinfeld e Kramer trocam de apartamento por alguns dias, e assumem a personalidade um do outro.

Vejam bem, Seinfeld e Kramer sempre me interessaram tanto quanto Brad Pitt, isto é, nada.

Mas há alguma coisa nesse Seinfeld kramerizado que imediatamente me comoveu e me alucinou.

Abaixo, a promo da oitava temporada para vocês verem (não se preocupem em entender, sei que isso é pedir demais) do que estou falando. O hot Seinfeld aparece aos 46 segundos.

E agora vocês me dão licença, que daqui a pouco tenho natação...

Bom fim de semana a todos!


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quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Enfim apaixonada


De início, nosso relacionamento foi conturbado. Eu só conseguia olhar para a natação de forma desconfiada; no fundo, achava que ela não passava de uma prima distante da depilação - vejam, os nomes até rimam, só podia ser um sinal -, cujas intenções maléficas eram apenas parcamente disfarçadas pela ladainha do faz-bem-pra-saúde. Se, na depilação das pernas, as duas primeiras puxadas são as que com mais veemência elicitam um rastro de suor frio a escorrer pelas costas - sendo as demais cinqüenta puxadas 1% menos doloridas, em média - na natação eu acreditava haver encontrado dinâmica semelhante: as duas primeiras chegadas são as piores, sendo as próximas muito ruins.

Na minha primeira aula de natação, fui capaz de nadar dez metros de crawl - e não fui capaz de subir as escadinhas da piscina na primeira tentativa, pois a sensação era de que meus joelhos me haviam sido surrupiados pelo Gênio Maligno (um dia apresento vocês a esta essencial figura da história da filosofia, filho de Descartes e tetravô de Murphy).

Mas não desisti. Aprendi que não se entra na piscina de rímel e fiz amizade com diversas senhorinhas da hidroginástica. Passei incontáveis horas pós-natação prostrada diante de algum visor luminoso, numa atitude não muito diferente da exibida por Elaine neste vídeo.

Até que, é difícil precisar quando, de repente eu não necessitava mais visualizar fixamente o devil's cake com frozen do America para sobreviver a uma aula.

E, de três aulas para cá...

É difícil encontrar uma única causa razoável para o que aconteceu. Talvez seja porque eu não nade mais 10, e sim 1000 metros por aula, e o meu condicionamento físico melhorou. Talvez sejam o orgulho e o incentivo do meu pai e da Bel. Talvez seja o meu professor ultra-maxi gracinha e, confesso, ligeiramente xavequeiro, com quem, novamente confesso, venho flertando sutilmente desde o ano passado (eu havia esquecido como é gostoso flertar sem o menor compromisso e nenhuma perspectiva). Talvez seja o meu plano de ficar bonita e gostosa (yay, Nathi!) este ano, cuja estratégia principal consiste em manter distância das gôndolas de toddynho e chocooky no supermercado. Ou talvez não seja nada disso e seja algo que me escape inteiramente, feito obra do maior inimigo do Gênio Maligno (um doce para quem adivinhar de quem se trata).

Na primeira destas três últimas aulas, eu achava que havia sido pura sorte. Como um primeiro encontro em que corre tudo bem, mas no fundo você sabe que não tem nada a ver com aquele moço tão fortinho e tão simpático.

Mas aí a experiência se repetiu e se repetiu de novo, nas aulas seguintes. E a experiência foi que, após as duas primeiras chegadas/puxadas, eu não queria mais parar de nadar. Fiquei triste quando a aula chegou ao fim. Não via a hora de voltar para a piscina. Longe de estar cansada, saí da academia com vontade de nadar mais uma hora, assistir a um longo filme, escrever um breve texto.

Como o que escrevo agora.

E agora não dá mais para negar: eu gosto de nadar. E talvez - só talvez -, eu goste de moços fortinhos e simpáticos, afinal.

(Mais sobre paixões surpreendentes amanhã.)

~~~

* Pois a da virilha possui toda uma outra lógica de funcionamento, na qual a dor se espalha para muito além das áreas diretamente atingidas pela cera.

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segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Pequeno tratado sobre a consolação: considerações sobre o "não era pra ser" e o "podia ser pior"

De uma unha quebrada à morte de uma pessoa, da perda de um guarda-chuva à perda de um passaporte, parece-me que os enunciados "não era pra ser" e "podia ser pior" dividem a humanidade em dois grandes estilos de consolação. Diga-se logo de cara que, na morte, sobrevém uma terceira corrente consolatória: a dos que dizem que o morto "descansou". Mas, como até para descansar é preciso estar vivo, descartaremos qualquer análise mais profunda desta terceira via, por consistir ela na escolha preferencial daqueles que não têm a mais remota idéia do que dizer nas situações em que nada há a ser dito - saindo-se, então, com afirmações rigorosamente desprovidas de qualquer sentido. "O morto descansou" é afirmação de logicidade comparável a "o morto foi à praia e tomou um sorvete". Felizmente, as pessoas não se lembram de dizer que unhas, guarda-chuvas ou passaportes descansam. Ainda há esperança para a humanidade.

Voltemos então às duas correntes que constituem o objeto de estudo deste tratado. "Não era pra ser", a primeira delas, é versão ligeiramente modificada de "Deus sabe o que faz". Perdeu o guarda-chuva? Não era pra ser. Afinal, você não merece andar por aí com um guarda-chuva de 1,99 - mesmo que, para manter a classe, você precise levar um temporal na cabeça antes de comprar um novo guarda-chuva por 4,99. Sua unha quebrou? Deus sabe o que faz: com as unhas perfeitas, você se sentiria mais confiante e sexy do que o recomendável no seu primeiro vinho & filme com aquele sujeito; a unha quebrada lhe fará lembrar que você não é tão poderosa quanto pensa (afinal, se não consegue manter nem as unhas no lugar, que dirá a cabeça), refreando-a de dar logo no primeiro encontro e protegendo-a assim de dissabores futuros.

Mas só por este parágrafo, quem me conhece saberá que não sou exatamente fã do "não era pra ser", pois acredito em guarda-chuvas de 1,99 e em dar no primeiro encontro - embora, naturalmente, sinta uma inveja contida de quem só transita na chuva sob guarda-chuvas italianos e está tão acima dos prazeres sensoriais que é capaz de subordiná-los às regras da Revista Claudia. Mas digressiono.

A verdade é que não sou grande apreciadora do "Deus sabe o que faz" pelo fato de esta consolação possuir apenas 33,33% de probabilidade de estar correta. E isso não tem necessariamente a ver com a minha religiosidade, ou falta dela. Pois mesmo supondo que eu fosse uma pessoa religiosa, daquelas que acredita que Deus sempre sabe o que faz, isso não seria suficiente para me convencer de que eu e as pessoas em geral sempre sabemos o que fazemos. Portanto, a perda do guarda-chuva ou o quebramento da unha até podem ter sido obra divina – mas, e se não foram? E se Deus fez tudo certo, e eu ou algum infeliz é que fez tudo errado? E se todo mundo (incluindo Deus) fez tudo certo, e essa força misteriosa chamada acaso (alguns chamam-na demônio) interveio*? O fato é que se trata de possibilidades – a ação de Deus, do homem ou do acaso – igualmente prováveis, e jamais conheceremos a resposta correta para cada caso.

Por isso, este não é um argumento que propriamente me convença. O que não quer dizer que eu não me sinta profundamente comovida quando alguma pessoa querida o apresente a mim – desde que eu sinta que a pessoa em questão está firmemente convicta de que os 33,33% de Deus são os que valem. Do contrário, se o argumento é dito só por dizer, fica com o mesmo peso de “o morto foi à piscina”. Intenção é tudo.

Ou quase. Pois nem a mais bela intenção, pescada das profundezas mais recônditas do inferno, ajuda a quem quer que seja quando o argumento é “podia ser pior”. Porque vejam – eu podia estar roubando, eu podia estar matando, mas estou aqui, escrevendo este post. E pergunto – por acaso o fato de vocês saberem que eu podia estar roubando e matando torna este post uma vírgula melhor ou mais louvável?

O grande problema do argumento “podia ser pior” é que, apesar de irrefutável, seu oposto simétrico também o é. Perdeu o passaporte? Podia ser pior: podia ter morrido alguém. Mas também podia ser melhor: a gente podia ter conseguido um upgrade para a primeira-classe. Mas ninguém pensa nisso – ninguém pensa no quanto as coisas poderiam ser melhores do que se esperava que fossem – quando algo pior do que o esperado acontece. E por quê? Porque, se pensassem nisso, ficariam deprimidos. Assim como ficam eufóricos quando se dão conta de que, eba, o importante é que não morreram! Mas depressão e euforia, aqui, são estados de espírito que os argumentos de “podia ser assim ou assado” manipulam a seu bel prazer, dependendo da natureza do assim e do assado. O “podia ser pior” é o antidepressivo receitado inconseqüentemente pelo clínico geral; a pílula da felicidade tão efetiva quanto falsa.

Por tudo isso, prefiro a consolação que advém dos fatos. E o fato é que perder o passaporte e ter uma viagem cancelada no dia da partida é ruim e jamais será bom – se fosse, eu desejaria essa experiência para as pessoas de que gosto, mas por mais que eu tente, só consigo desejá-la para aquelas que feriram o meu orgulho ou afrontaram a minha inteligência. Assim como é fato que perder os shows a que eu já estava preparada para assistir – principalmente a Maria Schneider regendo Sky Blue – também é incrivelmente decepcionante.

Mas também é fato que – e aproveitando para responder à pergunta do Lima com relação à programação musical de NY: “é sempre assim, ou você deu uma mega-sorte?” – sim, tio, é sempre assim, não foi sorte. E, frente a esse fato inquestionável – “sempre haverá lindas coisas a ouvir em NY” – é certeza que em março a programação musical estará, no mínimo, tão acachapante quanto a que vocês viram alguns posts abaixo.

Outro fato é que não mais patinaremos no Wollman Rink – assim como é fato que andaremos de bicicleta pelo parque. É fato que em março teremos a possibilidade (pequena, mas ainda assim uma possibilidade) de conhecer o bebê dos Tatini. É fato que não será desta vez que verei nevar (lembram-se da caipirice anteriormente referida?), e é fato também que, graças a isso, não precisaremos comprar botas e casacos. É fato que passaremos os nossos aniversários lá – e é fato que passar o aniversário em NY é o melhor presente de aniversário que eu poderia pedir (tirando os metafísicos, tipo muita saúde, muita felicidade e muito sexo). É fato que economizaremos mil mangos (lembrando, mais uma vez, que um mango nos E.U.A. vale um dólar), o que significa mais vestidos para embasbacar o Sayid e menos dívidas no cartão de crédito.

Sim – ao fim e ao cabo, não tenho dúvidas de que a viagem em março tem tudo para ser até bem melhor do que a que havíamos planejado para janeiro. Mas eu só preciso dos fatos para chegar a essa conclusão – dos fatos e da solidariedade dos que me querem bem, independentemente dos argumentos que venham a me apresentar.

* Sobre as condições de possibilidade que permitem a articulação das idéias de Deus e acaso num mesmo sistema de pensamento, ver Santo Agostinho. Ou algum outro filósofo que ninguém lê, para que ninguém se atreva a refutar a tese apresentada neste post.

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sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Por que a travessia do Édipo e a elaboração da posição depressiva são uma só e a mesma coisa?

Resposta: porque "atravessar o Édipo" significa, em algum momento, odiar a pessoa que você mais ama no mundo. E "elaborar a posição depressiva" nada mais é do que abrir mão do maniqueísmo e se dar conta da complexidade do mundo e das coisas - por exemplo, que posso muito bem odiar a mãe que tanto amo.

Tudo isso para dizer que o mais difícil de tudo no dia de ontem passou longe de ser a frustração com a viagem em si.

O mais difícil foi reviver o Édipo ao perceber-me odiando a pessoa que mais amo no mundo (e calma lá que não se trata de fazer um ranking das pessoas mais amadas, mas apenas de reconhecer um fato, assim como é fato que minha tia é a pessoa que mais amo no mundo - a complexidade do mundo e das coisas, lembram-se?).

E, para o que há de mais difícil na vida, conto sempre com a Bel. Assim como contava com a minha mãe. Só que minha mãe morreu. E de repente fiquei com medo de que a Bel fosse morrer também, num dos piores pesadelos dos últimos tempos.

Só que não matei a minha mãe, embora nem sempre eu acredite nisso. E nem matei a Bel, por mais odiosos que tenham sido os meus pensamentos.

O bom - o fantástico - o absurdo - é que, desta vez, não só eu não matei a Bel, como também nenhum carro vindo na contramão a matou.

Ela está aqui e estará em Nova York. Comigo.

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Os fatos

Primeiramente, vamos aos fatos, que senão ninguém entende mais nada nesta bagunça que é este blog.

Ontem embarcaríamos, às 23h45min.

***

11h50min - estou no cabeleireiro tomando um banho de sol nos cabelos (qualquer dúvida, perguntem para o meu cabeleireiro) quando Bel me liga com uma voz cujo timbre imediatemente amoleceu meus joelhos. "Cami, não estou achando o meu passaporte..."

11h51min - momento de retardo súbito: "Bel, sem o passaporte não dá pra viajar, né?". Abstenho-me de fornecer a resposta dela. Segue-se o diálogo padrão. Mas o que aconteceu? Você já procurou? Já viu nas malas, bolsas, gavetas? Sim para tudo, agora a Lu está ligando na Polícia Federal. Ok, qualquer coisa me liga. ("Qualquer" coisa? Não, não estávamos interessadas em "qualquer" coisa; a partir dali e pelo resto do dia, só uma coisa ocuparia nossos pensamentos.)

12h05min - acaba o banho de sol e começa a hidratação. Penso na fantástica história que teremos para contar quando voltarmos da viagem: por um momento achamos que não iríamos mais porque a Bel não achou o passaporte e entrou em pânico, mas logo depois percebeu que ele estava no lugar de sempre e ela é que não tinha olhado direito. Então penso também na fantástica história que eu iria contar quando minha mãe saísse do hospital de gesso no braço depois do acidente, e penso enfim que nunca pude assinar o inexistente gesso do braço de minha mãe.

12h06min - começa a dor no estômago.

13h - chego ao outro salão para fazer a unha (sim, os profissionais da minha beleza espalham-se pelos salões da zona norte) e minha manicure, após elogiar meu cabelo (ficou um arraso mesmo, não é por nada não), pergunta o que eu tenho. Explico que eu ia (vou?) viajar etc. etc. Ela diz que tem tempo suficiente para encontrar o passaporte.

13h20min - clientes e manicures comentam que o Big Brother deste ano terá muita baixaria.

13h25min - clientes e manicures debatem a sexualidade de determinada participante. As manicures tendem a achar que se trata de uma mulher; as clientes, de um travesti.

13h26min - começa a ânsia de vômito.

13h30min - meu celular começa a morrer e subitamente encontro a solução para todos os meus problemas: preciso chegar em casa o mais rápido possível e botar o celular para carregar. A relação entre carregar o celular e encontrar o passaporte assume proporções lógicas que o próprio Descartes não se atreveria a questionar.

14h10min - chego em casa e coloco o celular para carregar.

14h11min - a relação lógica desmorona.

14h12min - ligo para a Ju e deixo recado dizendo que não irei à supervisão, porque... Começo a chorar.

14h45min - Ju retorna a ligação. Paro de chorar para falar com ela. Ela pergunta se já olharam atrás das gavetas. Respondo que sim, ué, é claro que eles já pensaram nisso. Ela diz que, "no nervoso", ninguém consegue achar nada, é assim mesmo.

14h50min - ligo para o meu pai e retomo o choro.

15h00min - sinto raiva da Bel. É a primeira vez que identifico esse sentimento por ela com tamanha clareza em mim. Como é que ela não foi ver isso antes, aquela tonta? Como assim, ela deixou para ver o passaporte na última hora? Pois ela não ouviu que sonhei repetidas vezes que eu esquecia o passaporte em casa no dia da viagem?

15h30min - começo, lentamente, a me lembrar de algumas coisas. 1) A Bel não é caipira que nem eu, que acha até a comida do avião o máximo (ok, ela se diverte com a comida do avião tanto quanto eu, mas isso não faz dela uma caipira). O passaporte, para ela, é mais ou menos como o RG para mim: não carrego na bolsa porque uso a carteira de motorista, mas sei que ele está lá, na gaveta dele, com aquela foto horrenda a olhar para mim toda vez que olho para ela. A Bel costuma viajar para o exterior todos os anos, às vezes mais de uma vez por ano. E o passaporte dela sempre esteve lá, naquela mesma gaveta, olhando para ela com uma foto provavelmente um pouco menos horrenda do que a exibida no meu RG. 2) A Bel é a pessoa mais obsessivamente organizada que conheço. Se fosse comigo, que só neste mês perdi uma calcinha, um batom e quase que perco também um cartão de crédito (no fim, estava com a minha avó, louvado seja o Senhor), perder o passaporte seria absolutamente esperado. Mas a Bel??!? Vejam bem, a Bel é aquela pessoa que, nas aulas ruins a que assistíamos juntas, anotava no caderno todos os slides que o professor projetava, mesmo sabendo que o conteúdo deles estaria disponível no xerox depois. Ou seja: ela não deixa passar nada. Foi com ela, aliás, que aprendi a "fazer um caderno" - mas isso já é assunto para outro post.

16h - interrompo definitivamente o choro e dou início a um processo vegetativo. Ligo a televisão e está passando o homem que quebrou o recorde mundial de velocidade de quebramento de ovos. Não mudo de canal.

16h30min - passada a raiva porém restando a tristeza, ligo para a casa da Bel, falo com ela e o Marco. Os diálogos que se seguem podem ser sintetizados em uma palavra e um sinal de pontuação: poxa...

17h - chego a outro salão (são quatro ao todo em minha vida) para fazer limpeza de pele. Não tenho coragem de contar para a esteticista, amiga da família, o que está acontecendo. Ela não percebe e põe-se a relatar animadamente a história da vida de seus três filhos. Fico grata por isso.

18h30min - chego à padaria para tomar um suco (até então, o dia fora passado à base de duas torradas integrais). Ligo para a Bel de novo. Estamos com a voz um pouco melhor.

20h30min - leio um e-mail fofo da Mari e começo pensar nessa história toda em termos de adiamento e não mais cancelamento, o que me permite sentir um pouco de fome.

21h - vou com meu pai ao America e peço um Minuano seguido de um Frozen Tiramisù. Mas não consigo comer nenhum dos dois até o fim.

22h30min - cogito uma recaída. Formulo o e-mail mentalmente. Também mentalmente, praguejo um xingamento contra minha idéia fraca e vou dormir.

23h - já na cama, meu corpo entende que passei o dia inteiro na academia. Dóem os braços, as pernas, as costas e o canto de uma unha, cuja cutícula destruí.

23h-9h30min - acordo e durmo diversas vezes. Tenho um pesadelo no qual fui viajar com a família da Bel, eles estão no quarto ao lado do meu e quando vou ver eles não estão mais lá: no lugar deles, um fantasma horrível. Acordo gritando pela Bel. Durmo de novo e acordo com uma coceira desesperada nas pernas. Tento escrever no blog e não consigo. Acabo lendo sobre as primárias do partido democrata. Começo enfim a ler A Falta Que Você Me Faz, de Joyce Carol Oates. Me envolvo e me acalmo. Consigo voltar a dormir.

9h30min - quando eu mais tinha certeza de que o passaporte da Bel já estava nas mãos de Jive Miguel, ela me liga dizendo que Super Marco o havia encontrado.

***

A partir daí, só precisamos: 1) remarcar a viagem para 13/03, o que implica passarmos nossos (3) aniversários lá, vermos o Central Park na primavera e economizarmos U$1000 na passagem; 2) passar a tarde toda na piscina e o começo da noite vendo Seinfeld.

Mais reflexões sobre o final feliz amanhã.

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Primeira teoria explicativa do porquê de a viagem ter dado errado

Eu estava levando na carteira U$666, 666666666666666666666.

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quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Didn't roll

Não deu. Não fomos - não rolou.

É um noivado que chega ao fim.

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terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Vestidos para o casamento, sugestão da Cintia

E a liqüidação da Macy's promete! Cintia acaba de me mandar um e-mail com uma vasta seleção de vestidos. Fiquei com vontade de postar aqui estes dois longos da Calvin Klein, perfeitos para o casamento; só não sei se tenho corpo para usá-los. O primeiro, inclusive, me lembra bastante um vestido que a Charlotte usou quando foi madrinha de casamento, numa das temporadas iniciais de Sex & The City. A história é que ela estava cheia de ser a madrinha-apagada-para-valorizar-a-noiva, dando um basta nesta regra implícita dos casamentos com um V-neck bem no estilo desse CK, embora provavelmente alguns milhares de dólares mais caro. Já o segundo acho capaz de dar mais certo em mim, em função do decote.

Vejam o que vocês acham:

CK V-Neck Long Dress, U$156



CK Long Cross-Back Silk Dress, U$119

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Minoria de novo

Como se não bastasse ter votado no Cristóvão Buarque para presidente, recentemente descobri que meu democrata preferido também não tem a menor chance de ser eleito: Dennis Kucinich. Vê se não é nele que você votaria se lhe fosse dada a chance:

- o cara é pela adesão dos E.U.A. ao Tratado de Kyoto (demorou) e pela instituição de multa a empresas emissoras de altas taxas de carbono na atmosfera;

- é pela saída imediata das tropas americanas do Iraque;

- nunca apoiou a invasão ao Iraque e nunca acreditou na lenda das weapons of mass destruction;

- com relação ao problema da imigração ilegal, propõe sanções aos empregadores que contratam imigrantes ilegais, e não aos empregados;

- apóia a união civil e o casamento de pessoas do mesmo sexo, argumentando que a Constituição prevê direitos iguais para todos os cidadãos (demorou, também);

- propõe a criação de um SUS nos EUA, o que seria de grande serventia para Cintia, Mauro e bebê;

- é pela redução dos impostos para a classe média (idem);

- defende um controle mais rigoroso na concessão de portes para armas de fogo.

Aí vocês podem dizer: muito bem, o cara é bom de promessa, mas e daí? Bem, daí que três coisas. Em primeiro lugar, não são promessas e sim propostas. Não se trata de exigir, por exemplo, "o fim imediato do desemprego", como já ouvi, aliás, o partido do próprio Cristóvão Buarque proclamar na TV. Em segundo lugar - entre as propostas dele e as de, er, gente como Chuck Norris e seu amiguinho, fico com as do Kucinich. Em terceiro lugar, dizem que foi um bom prefeito. E nada mais tenho a acrescentar, pois obviamente não possuo a mais remota condição de julgar a viabilidade das propostas dele para o sistema de saúde e o sistema de impostos norte-americanos, e muito menos ainda de compará-las às propostas de Hillary ou Obama. Mas uma coisa é certa: do chão não passa. Pior não fica. É difícil conceber uma administração mais nociva para os E.U.A. e o mundo que a do Bush, a não ser que Chuck Norris ganhe (se bem que, mesmo assim...). De qualquer forma, é um alívio saber que em 2009, quando eu voltar para NY (otimismo, pra que te quero), Bush será apenas um tiozinho podre de rico numa fazenda do Texas. É como diz o meu pai: jamais confie num americano de chapéu e bota, a menos que esse americano seja o Clint Eastwood.

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Josh Holloway, o homem mais bonito de nosso tempo

Eis a prova mais cabal disso:



Esta foto é particularmente impressionante porque, sem fazer cara de bonito, Josh Holloway não poderia estar mais bonito.

Esse homem é tão ridiculamente bonito que, perto dele, todos os outros lindos homens de LOST - até mesmo, sendo bem realista, Sayid e Desmond - ficam comuns em comparação. O Rodrigo Santoro, coitado, estava o próprio franguinho na terceira temporada.

Com mulher bonita é diferente. Por exemplo, a Kate, uma mulher indiscutivelmente linda de arrepiar. Só que em dez segundos sou capaz de pensar em dez mulheres tão ou mais bonitas do que ela.

Mas, quando se trata de homens bonitos... Desafio o leitor ou a leitora a encontrar um homem com P.O. (Potencial de Ofuscamento) igual ao do Josh. Aliás, o principal problema da beleza dele, para mim, está justamente nisso: existe alguma coisa na perfeição que simplesmente não combina com sexo. Não me sinto um pingo atraída por ele. Nem tem cabimento. Ele é objeto de uma fruição estética análoga à que sinto pelos já mencionados girassóis do Van Gogh.

Ainda assim, não pude deixar de sentir um certo alívio e pensar que nem tudo está perdido ao constatar que a mulher dele não só não é a Kate, como é gente-como-a-gente - e gente que aparentemente gosta de passear por aí vestindo um avental:

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I've got the apple of temptation and a diamond snake around my arm

Ontem Bel e eu demo-nos conta, histéricas, de que iríamos patinar no gelo. Ou melhor - ela vai patinar, e eu vou me esforçar muito para não cair (mais um evento para a série dos "não fui": além do Hopi Hari, também nunca fui ao Holiday on Ice). E eis que nos deparamos, no site do Central Park, com os dois rinks de patinação disponíveis, um dos quais é nada menos que o Wollman Rink.

Foi um desses momentos que chamo de Joni-revelation. O último a acontecer antes de ontem deu-se muitos anos atrás, quando em uma estrada qualquer da Califórnia (ou da Flórida, já não lembro mais), passamos pelo supermercado Winn-Dixie, que até então eu não fazia a menor idéia do que era. Imediatamente soltei um grito:

- Winn-Dixie cold-cuts and highway hand me downs!

Meu acompanhante na ocasião abriu um sorriso maior do que o rosto e calmamente retrucou:

- Joni Mitchell, right?

Sim, porque homem que é homem presta atenção nas letras da Joni Mitchell, por mais que diga o contrário.

Reação semelhante à da California/Flórida eu tive ontem, em São Paulo mesmo. A Bel é testemunha:

- Wollman rink! Joni Mitchell! Joni Mitchell! Now there are 29 skaters on Wollman Rink circling in singles and in pairs!

É curiosa esta sensação de perceber no mundo compartilhado a existência de algo que se julgava só seu - um lugar que só existia naquele universo Joni-Sharon-Golden Reggie, e que obviamente é próprio dali, mas encontra um correspondente neste nosso mundo de carne, osso e concreto, tantas vezes tão menos concreto do que os mundos que a Joni cria.

Com isso lembrei-me de que, salvo engano meu, esta é a música da Joni cuja letra mais faz referências a NY. Resolvi então colocá-la aqui - é só apertar o play ali em cima - para que o blog também fique um pouco em NY enquanto eu estiver ausente.

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Música em NY - agora é definitivo

O calendário inicial sofreu algumas alterações. A mais importante foi minha desistência do Pat Martino para incluir no calendário o Paul Motian, de quem, a bem da verdade, gosto muitíssimo mais (toda a série On Broadway, com Joe Lovano & Bill Frisell, além do disco-da-minha-vida Reincarnation of a Love Bird, com a Electric Bebop Band. E reparem que nem cheguei a falar no Bill Evans). Os dias foram passando e fui me dando conta de que ir ao Pat Martino teria muito mais a ver com aquele lance de contar pros netos depois (e também pro André Geraissati, que morreria de inveja) do que com o que de fato quero fazer. E sem dúvida não quero perder a oportunidade de ouvir o Paul Motian com o Chris Potter, que tá tocando muuuuuito - e nem é só no disco vice-campeão de 2007; tem também um ao vivo no Village recente dele que só não entrou na lista pra dar uma chance pros demais.

Mas o mais legal é que arranjei as coisas de tal forma que, no fim, ainda tenho chances de ouvir o Pat Martino, se eu estiver muito animada no dia (provavelmente estarei). E o meu calendário ficou assim:


Dia 11, sexta - Kenny Garrett no Iridium às 20h30min (ingresso já comprado) - e, se eu me animar muito, posso pegar ainda o Pat Martino no Birdland às 23h30min.

Dia 12, sábado - Paul Motian no VV às 23h (ingresso já comprado; esse vai ser um bom dia para sair pra jantar, em vista do horário do show) - e, se eu me animar, posso ficar para o terceiro set, das 12h30min.

Dia 13, domingo - Anat Cohen & The Waverly 7 às 19h30min no Iridium -e, se etc. etc., Joel Harrison (com Dave Binney! eu não tinha reparado até ontem!) no 55 às 22h.

Dia 14, segunda - MARIA SCHNEIDER ORCHESTRA NO JAZZ STANDARD ÀS 21h30min E ÀS 23h30min!!! A idéia inicial era comprarmos ingressos pro set das 19h30min e depois sairmos para jantar. Só que eles acabaram; então, comprei ingressos para todas nós para o set das 21h30min e - bem, já que dificilmente rolará um jantar-jantar às onze da noite, decidi ficar por lá mesmo e assistir ao set das 23h30min, como não?

Dia 15, terça - nada. Excelente dia para sair para jantar. Talvez uma passada no Smalls mais tarde, para ver o Ehud, amigo que toca lá.

Dia 16, quarta - Mark Soskin às 19h30min no Jazz Standard (ingresso já comprado), com a possibilidade de ver Miguel Zenón, Lionel Loueke e Jeff Ballard no Jazz Gallery às 22h30min, também dependendo do que estará mais forte no dia: minha animação musical ou minha fome.

Dia 17, quinta - Donny McCaslin às 22h no 55! U-hu!!!

Dia 18, sexta - Adam Rogers às 21h no Jazz Gallery (ingrsso comprado), e se der tempo (porque animada eu estarei, ainda mais no último e provavelmente já nostálgico dia), Aaron Goldberg no Jazz Standard às 23h30min.


Estou EXTREMAMENTE feliz com esse arranjo. Vocês não imaginam o quanto. Não poderia ser melhor. Quero ver tempo para escrever sobre tudo isso depois...

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segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Bolsas para andar em NY

Se os vestidos visam descaradamente ao Desmond e ao Sayid, pelo menos as bolsas nada têm que ver com eles. Principalmente as de couro para se usar no inverno, que combinam com jeans e bota. Atualmente, tenho duas destas, uma preta e uma vermelha. A vermelha, mochilinha, comprei cinco anos atrás, num restaurante na Serra que tinha umas lojinhas que vendiam umas bugigangas (tô escrevendo no tempo passado porque faz tempo que não vou lá, mas tudo ainda deve existir) - e, após uma reforminha (a bolsa, não o restaurante nem as lojinhas), continua razoavelmente firme e forte e é a que me acompanhará no avião. A preta é bem mais recente e, ao contrário da vermelha velhinha, pouquíssimo recomendável para uma viagem, por ser meio abertinha dos lados (aliás, se fôssemos absolutamente racionais, seríamos obrigados a reconhecer que tal bolsa é muito menos recomendável ainda para São Paulo - mas que se pode fazer, o homem não é racional e a mulher menos ainda, quando se trata de acessórios). Marrom não há, e a cor de nada (creme? gelo? neve?) que comprei há pouco descosturou inteira em duas semanas. Atualmente aguarda conserto na fábrica.

Reparem que estou falando apenas em cores "tradicionais" - com exceção da vermelha, adquirida muito antes da moda-cheguei atual e que suscitou em meu namorado na época desejos de afogá-la num balde de tinta preta - porque, se teve uma moda a que decididamente não aderi, foi a das maxi-bolsas de cores berrantes. Talvez porque beire o impossível combiná-las com minhas roupas já costumeiramente maxi-coloridas (a bolsa cor de nada tá me fazendo uma falta que vocês não têm idéia), ou talvez porque a leitura de A Bolsa Amarela na infância tenha sido por demais marcante para me permitir levar a sério qualquer bolsa colorida com mais de 1/3 da altura da portadora. O ponto principal, aqui, é o "levar a sério": couro, para mim, é coisa séria, por mais que eu seja totalmente a favor do engajamento em atividades divertidas envolvendo este material. E bolsa colorida, para mim, é coisa divertida: possuo e possuí diversas, de lona, ráfia, zíper, fuxico, algodão. O problema, então, está em juntar cor, couro e tamanho GGG. Existe alguma coisa nas imensas bolsas de couro rosa-choque e verde-limão que se vê por aí que, simplesmente, não parece certo. Parece que a bolsa é que está levando a mulher a tiracolo, e não o contrário.

Tudo isso para dizer que eu estava sapeando algumas bolsas online, e odiando todas (as que eu não odiava custavam mais de mil dólares). Até que cheguei ao site da Macy's e encontrei estas quatro amigas:

Etienne Aigner Luxor Hobo Bag

Etienne Aigner Luxor Satchel

Fossil "Claudia" Satchel

Kenneth Cole Reaction "Square Boot" Bucket Bag

Decidi postá-las aqui como referência futura, caso algum dia um leitor qualquer - ou melhor, "qualquer" não: um leitor muito especial - acorde com uma ânsia incontrolável de me dar uma bolsa de presente. Neste dia, o especialíssimo leitor poderá aplacar a sua ânsia com toda a tranqüilidade, já sabendo de minhas preferências. Para vocês verem que, mesmo quando penso em mim, estou sempre pensando antes em ajudar o próximo...

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Mais vestidos para arrebatar o Sayid, versão baratinha

Vejam o que vocês acham destes da Banana Republic. O segundo foi sugestão - prontamente aceita - da Cintia. Mulheres deste blog, manifestai-vos! E, aos homens, fica o convite para se colocarem no lugar do Sayid e se manifestarem também.


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domingo, 6 de janeiro de 2008

A música que pude ouvir - melhores de 2007

Eu não ia postar lista nenhuma de "discos do ano" aqui no blog, mas aí compilei uma internamente, só de brincadeira, e constatei que nada menos que metade dela não consta de nenhuma outra lista que eu tenha visto por aí. Portanto, nem que seja só pelo inusitado de metade das escolhas, achei que alguns leitores apreciariam um vislumbre desta que é uma pequena janela aberta para a música que pude ouvir em 2007. E, já que me decidi a elaborar uma lista - por que não fazer dela um ranking, tão descabido quanto divertido? O conceito de "melhor" parece beirar o politicamente incorreto para algumas pessoas; deixemos pelo menos uma vez, pois, toda a correção de lado na feitura desta lista que, se absolutamente desprovida de autoridade, é ao menos dotada de 50% de originalidade. E em ordem reversa, é claro, para ficar mais emocionante.



10. Joshua Redman - Back East

Este entrou na lista pela pura qualidade da improvisação ali presente, e também pelo feito de não deixar o ouvinte sentir falta de um instrumento harmônico (a formação é sax tenor, baixo e bateria). Destaque para a canção que abre o disco, com todos aqueles "micro-interlúdios" de bateria. A resenha do show baseado neste disco está aqui.





9. Keith Jarrett - My Foolish Heart: Live at Montreux

Gravado em 2001, o principal motivo para a inclusão deste disco na lista dos melhores está no título. Já imagino alguns leitores contra-argumentando: tudo bem, legal o cara ter a cara-de-pau de gravar My Foolish Heart em piano trio, mas quem é que precisa de mais um disco de trio do KJ? Respondo que a cara-de-pau resultou num excelente exemplo daquilo que constitui a criatividade mais valiosa para mim - a que não se restringe à sintetização de novos timbres no teclado -: com uma introdução de piano solo que só de longe remete ao tolinho coração, a seção rítmica entra com KJ já improvisando; a exposição do tema acontece bem depois, e faz lembrar o Bill Evans pela diferença, e não pela semelhança. O segredo? Esta é uma versão up-tempo de My Foolish Heart; com o Bill Evans, sem perceber, comecei a acreditar que os brushes do Paul Motian eram parte integrante da música. E não é que não são? Evitando isso, Jack DeJohnette contribui para uma das mais belas desconstruções do instituído ouvidas recentemente. Destaque também para What's New, que remete ao Coltrane pela semelhança, em que pese a diferença timbrística.


8. John Scofield - This Meets That

Comecemos este parágrafo por uma afirmação tão bombástica quanto precisa: trata-se do melhor disco da carreira do Scofield. O título, que me lembra aquele episódio de Seinfeld em que Jerry e Elaine embrenham-se na missão impossível de unir a amizade ao sexo, tenta dar conta de outra missão igualmente impossível: mesclar jazz e funk. Este problema, que pairava no ar sem uma solução convincente (exceção feita, vá lá, ao Underground do Chris Potter) desde a morte do Jaco, finalmente ganha uma resposta à altura da sua complexidade. Esta mescla (que simplificarei toscamente aqui em prol da clareza) consiste no seguinte: o trio de guitarra fica com o jazz, e a horn section com o funk. Ouçam, por exemplo, Strangeness in the Night (não há ninguém como o Scofield para títulos de música), em que a tal horn section, que conta também com flauta e até clarinete baixo, respinga a Liberty City - com a diferença de que o Steve Swallow é por demais genial para precisar imitar o Jaco. Audição obrigatória para fãs de guitarra em geral e do Scofield em particular.

7. Sérgio Santos - Iô Sô

Depois do revolucionário Áfrico, Sérgio gravou um disco tradicional, constituído por choros, sambas e canções. Agora, com Iô Sô, esses dois mundos se juntam: Sérgio volta a fazer música-que-não-existe, como a ouvida em Áfrico, misturada com canções mais convencionais como a bela valsa Falange, cuja melodia é daquelas que parece não possuir autoria (isso é um elogio), de tão singela. A tal da música-que-não-existe é inteira baseada em ritmos afro-brasileiros, com letras também permeadas de termos e expressões provenientes de dialetos africanos. Fora que o Sérgio é o melhor cantor do Brasil, embora ninguém tenha percebido isso ainda. E fora também que os discos dele são a grande chance que a humanidade possui de ouvir André Mehmari e Tutty Moreno tocando juntos. Já ouvi repetidas vezes que o piano do André é uma orquestra inteira, mas nunca ouvi ninguém comentar que, além de orquestra, o piano dele também constitui uma bateria completa, com múltiplos pratos. Pois os pratos do Tutty combinam-se com os pratos do André - notinhas na região aguda do instrumento - para preencher os espaços vazios da música como pinceladas que compõem o fundo de uma tela. E nunca isso foi tão bonito quanto em Iô Sô, a canção. Um disco para mudar os conceitos de quem não acredita na existência de música brasileira nova e interessante.

6. Guinga - Casa de Villa

Não é todo dia que se ouve um disco cujo repertório a gente sabe que ainda estará ouvindo daqui a cinqüenta ou cem anos. Enquanto produção, Casa de Villa só não é melhor do que Noturno Copacabana, embora possua sobre este a grande vantagem de mostrar o Guinga - revelação das revelações - cantando bem. Como sempre, a grande qualidade dos discos do Guinga está na força das composições. As letras - principalmente a de Tudo Fora de Lugar, e incluindo a primeira do próprio Guinga - estão melhores do que nunca, tirando a da Simone Guimarães, que cansa um pouco a minha beleza. Paula Santoro é a escolha ideal para dividir com Guinga os vocais de Via Crúcis, num canto preciso e desprovido de vibratos que tanta falta faz às nossas supostas divas. De resto, temos aquela profusão de maravilhosos arranjos de sopros com que os discos dele nos "estragam", deixando-nos mal-acostumados com tamanha riqueza harmônica; melodias que, mesmo dentro da familiaridade possível que adquirimos com o que vem do Guinga, nunca deixam de ser incrivelmente estranhas (ouvir, por exemplo, Maviosa); e, last but not least, o violão que põe qualquer guitarrista de jazz doido. Mais um disco para quem não está disposto a abrir mão da busca por música brasileira nova e interessante.

5. Michael Brecker - Pilgrimage

Eu não sei o que é que as composições do Brecker têm, que elas têm o dom de suscitar alguns dos melhores solos dos músicos que nelas tocam - especialmente o Pat. E vice-versa, se considerarmos que um dos mais lindos solos do Brecker está num disco do Pat, o 80/81. Outro dos mais lindos solos do Brecker é o de Don't Let Me Be Lonely Tonight, do James Taylor... E, a bem da verdade, o fato é que é impossível não embarcar numa viagem nostálgica ao ouvir este disco póstumo, gravado em circunstâncias tão excepcionais, e resultando em música mais excepcional ainda. É um disco extremamente busy e sofisticado, repleto de solos complexos, da bateria do DeJohnette, dos acordes do Herbie Hancock - mas, no final, o que realmente ficou para mim foram as melodias que o Pat dobra com o Brecker, nunca em uníssono, sempre a alguns intervalos de distância. É por essas melodias, fundamentalmente, que este disco continuará a ocupar a minha alma daqui a cem ou duzentos anos.

4. David Binney & Edward Simon - Océanos

Atenção: música complicada à vista. Mas, se o ouvinte não se deixar intimidar pela complicação, será recompensado com o som absolutamente peculiar que caracteriza todos os discos do Dave Binney, de melodias em uníssono tocadas por instrumentos de timbres aparentados. Não é exatamente este o caso aqui, pois o sax alto dele naturalmente soa bastante distinto da voz da Luciana Souza e da guitarra do Adam Rogers, mas os três, ora juntos ora dialogando (e às vezes o piano também entra nessa conversa melódica), criam um timbre único e nada menos que deslumbrante. As melodias cerebrais do Binney ganham um contraponto harmônico e rítmico ideal no piano do Ed Simon, o principal responsável por fazer do disco um empreendimento não apenas criativo e risk-taking como também, er, bonito. Scott Colley e Brian Blade fazem a mágica de sempre ao fundo e à frente. Um disco para quem não tem medo de melodias difíceis de cantar e deliciosas de aprender.

3. Joni Mitchell - Shine

E a Joni afinal chegou àquele momento da vida em que não mais nos interessamos em find another lover e preferimos put some time into ecology. E eu, que temia a chegada desse momento, de repente me vi na companhia do mais belo manifesto ecológico musical (e político) desde o lançamento de Passarim. Estranhamente hipnótico, o disco não te larga: quando menos espera, você se vê acompanhado de fragmentos da letra que são impossíveis de dissociar da música. O timbre muitas vezes meio brega do teclado não incomoda em nada, porque é a cara da Joni. O clamor aos fazendeiros para que abandonem o DDT, na versão nova de Big Yellow Taxi, é verdadeiramente comovente. Uma nova personagem surge: Hana, belo contraponto à Sharon de tantos anos atrás. Brian Blade ressurge como o baterista ideal que já havia demonstrado ser em Painting with Words & Music. E, sobretudo, Joni mostra que, por mais tributos que se gravem em sua homenagem, ela sempre será a grande intérprete de sua própria obra. Mais ou menos como Chico Buarque.

2. Chris Potter 10 - Songs for Anyone

Este foi o disco que, para mim, constituiu a maior e mais grata surpresa do ano. É claro que eu já sabia de todo o talento do Chris Potter como solista e improvisador, tanto nos discos dele próprio quanto em participações por discos do Steely Dan, Kenny Werner, Luciana Souza e outros que devo estar esquecendo. Mas eu não sabia que o cara era um gênio. Esse disco me mostrou que ele é. Escrevendo excepcionalmente bem para um grupo de câmara de instrumentação bastante peculiar - ao trio de cordas (violino, viola e cello) contrapõe-se o trio jazzístico (violão, baixo e bateria) -, só a introdução orquestral da primeira música já vale pelo disco inteiro. As composições e os arranjos se sobressaem, na melhor tradição da Maria Schneider - e o melhor dos arranjos é o imbricamento das partes escritas com os espaços reservados à improvisação. Um disco para quem não tem medo de música despudoradamente bela.

1. Maria Schneider Orchestra - Sky Blue

Para algumas coisas, como os girassóis do Van Gogh e o kra-thon-thon do Mestiço, as palavras faltam. É este o caso aqui. Não consigo pensar em uma frase sequer que faça jus a este que, de todos os discos ouvidos este ano, foi o único a entrar imediata e irrevogavelmente para a categoria de "disco da minha vida", conceito que um dia explico em detalhe para vocês. Segue, então, o único conselho que lhes posso dar: ouçam Sky Blue do começo ao fim com fones de ouvido e de olhos fechados. Sua vida irá mudar. A minha, com certeza, mudou.