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domingo, 6 de janeiro de 2008

A música que pude ouvir - melhores de 2007

Eu não ia postar lista nenhuma de "discos do ano" aqui no blog, mas aí compilei uma internamente, só de brincadeira, e constatei que nada menos que metade dela não consta de nenhuma outra lista que eu tenha visto por aí. Portanto, nem que seja só pelo inusitado de metade das escolhas, achei que alguns leitores apreciariam um vislumbre desta que é uma pequena janela aberta para a música que pude ouvir em 2007. E, já que me decidi a elaborar uma lista - por que não fazer dela um ranking, tão descabido quanto divertido? O conceito de "melhor" parece beirar o politicamente incorreto para algumas pessoas; deixemos pelo menos uma vez, pois, toda a correção de lado na feitura desta lista que, se absolutamente desprovida de autoridade, é ao menos dotada de 50% de originalidade. E em ordem reversa, é claro, para ficar mais emocionante.



10. Joshua Redman - Back East

Este entrou na lista pela pura qualidade da improvisação ali presente, e também pelo feito de não deixar o ouvinte sentir falta de um instrumento harmônico (a formação é sax tenor, baixo e bateria). Destaque para a canção que abre o disco, com todos aqueles "micro-interlúdios" de bateria. A resenha do show baseado neste disco está aqui.





9. Keith Jarrett - My Foolish Heart: Live at Montreux

Gravado em 2001, o principal motivo para a inclusão deste disco na lista dos melhores está no título. Já imagino alguns leitores contra-argumentando: tudo bem, legal o cara ter a cara-de-pau de gravar My Foolish Heart em piano trio, mas quem é que precisa de mais um disco de trio do KJ? Respondo que a cara-de-pau resultou num excelente exemplo daquilo que constitui a criatividade mais valiosa para mim - a que não se restringe à sintetização de novos timbres no teclado -: com uma introdução de piano solo que só de longe remete ao tolinho coração, a seção rítmica entra com KJ já improvisando; a exposição do tema acontece bem depois, e faz lembrar o Bill Evans pela diferença, e não pela semelhança. O segredo? Esta é uma versão up-tempo de My Foolish Heart; com o Bill Evans, sem perceber, comecei a acreditar que os brushes do Paul Motian eram parte integrante da música. E não é que não são? Evitando isso, Jack DeJohnette contribui para uma das mais belas desconstruções do instituído ouvidas recentemente. Destaque também para What's New, que remete ao Coltrane pela semelhança, em que pese a diferença timbrística.


8. John Scofield - This Meets That

Comecemos este parágrafo por uma afirmação tão bombástica quanto precisa: trata-se do melhor disco da carreira do Scofield. O título, que me lembra aquele episódio de Seinfeld em que Jerry e Elaine embrenham-se na missão impossível de unir a amizade ao sexo, tenta dar conta de outra missão igualmente impossível: mesclar jazz e funk. Este problema, que pairava no ar sem uma solução convincente (exceção feita, vá lá, ao Underground do Chris Potter) desde a morte do Jaco, finalmente ganha uma resposta à altura da sua complexidade. Esta mescla (que simplificarei toscamente aqui em prol da clareza) consiste no seguinte: o trio de guitarra fica com o jazz, e a horn section com o funk. Ouçam, por exemplo, Strangeness in the Night (não há ninguém como o Scofield para títulos de música), em que a tal horn section, que conta também com flauta e até clarinete baixo, respinga a Liberty City - com a diferença de que o Steve Swallow é por demais genial para precisar imitar o Jaco. Audição obrigatória para fãs de guitarra em geral e do Scofield em particular.

7. Sérgio Santos - Iô Sô

Depois do revolucionário Áfrico, Sérgio gravou um disco tradicional, constituído por choros, sambas e canções. Agora, com Iô Sô, esses dois mundos se juntam: Sérgio volta a fazer música-que-não-existe, como a ouvida em Áfrico, misturada com canções mais convencionais como a bela valsa Falange, cuja melodia é daquelas que parece não possuir autoria (isso é um elogio), de tão singela. A tal da música-que-não-existe é inteira baseada em ritmos afro-brasileiros, com letras também permeadas de termos e expressões provenientes de dialetos africanos. Fora que o Sérgio é o melhor cantor do Brasil, embora ninguém tenha percebido isso ainda. E fora também que os discos dele são a grande chance que a humanidade possui de ouvir André Mehmari e Tutty Moreno tocando juntos. Já ouvi repetidas vezes que o piano do André é uma orquestra inteira, mas nunca ouvi ninguém comentar que, além de orquestra, o piano dele também constitui uma bateria completa, com múltiplos pratos. Pois os pratos do Tutty combinam-se com os pratos do André - notinhas na região aguda do instrumento - para preencher os espaços vazios da música como pinceladas que compõem o fundo de uma tela. E nunca isso foi tão bonito quanto em Iô Sô, a canção. Um disco para mudar os conceitos de quem não acredita na existência de música brasileira nova e interessante.

6. Guinga - Casa de Villa

Não é todo dia que se ouve um disco cujo repertório a gente sabe que ainda estará ouvindo daqui a cinqüenta ou cem anos. Enquanto produção, Casa de Villa só não é melhor do que Noturno Copacabana, embora possua sobre este a grande vantagem de mostrar o Guinga - revelação das revelações - cantando bem. Como sempre, a grande qualidade dos discos do Guinga está na força das composições. As letras - principalmente a de Tudo Fora de Lugar, e incluindo a primeira do próprio Guinga - estão melhores do que nunca, tirando a da Simone Guimarães, que cansa um pouco a minha beleza. Paula Santoro é a escolha ideal para dividir com Guinga os vocais de Via Crúcis, num canto preciso e desprovido de vibratos que tanta falta faz às nossas supostas divas. De resto, temos aquela profusão de maravilhosos arranjos de sopros com que os discos dele nos "estragam", deixando-nos mal-acostumados com tamanha riqueza harmônica; melodias que, mesmo dentro da familiaridade possível que adquirimos com o que vem do Guinga, nunca deixam de ser incrivelmente estranhas (ouvir, por exemplo, Maviosa); e, last but not least, o violão que põe qualquer guitarrista de jazz doido. Mais um disco para quem não está disposto a abrir mão da busca por música brasileira nova e interessante.

5. Michael Brecker - Pilgrimage

Eu não sei o que é que as composições do Brecker têm, que elas têm o dom de suscitar alguns dos melhores solos dos músicos que nelas tocam - especialmente o Pat. E vice-versa, se considerarmos que um dos mais lindos solos do Brecker está num disco do Pat, o 80/81. Outro dos mais lindos solos do Brecker é o de Don't Let Me Be Lonely Tonight, do James Taylor... E, a bem da verdade, o fato é que é impossível não embarcar numa viagem nostálgica ao ouvir este disco póstumo, gravado em circunstâncias tão excepcionais, e resultando em música mais excepcional ainda. É um disco extremamente busy e sofisticado, repleto de solos complexos, da bateria do DeJohnette, dos acordes do Herbie Hancock - mas, no final, o que realmente ficou para mim foram as melodias que o Pat dobra com o Brecker, nunca em uníssono, sempre a alguns intervalos de distância. É por essas melodias, fundamentalmente, que este disco continuará a ocupar a minha alma daqui a cem ou duzentos anos.

4. David Binney & Edward Simon - Océanos

Atenção: música complicada à vista. Mas, se o ouvinte não se deixar intimidar pela complicação, será recompensado com o som absolutamente peculiar que caracteriza todos os discos do Dave Binney, de melodias em uníssono tocadas por instrumentos de timbres aparentados. Não é exatamente este o caso aqui, pois o sax alto dele naturalmente soa bastante distinto da voz da Luciana Souza e da guitarra do Adam Rogers, mas os três, ora juntos ora dialogando (e às vezes o piano também entra nessa conversa melódica), criam um timbre único e nada menos que deslumbrante. As melodias cerebrais do Binney ganham um contraponto harmônico e rítmico ideal no piano do Ed Simon, o principal responsável por fazer do disco um empreendimento não apenas criativo e risk-taking como também, er, bonito. Scott Colley e Brian Blade fazem a mágica de sempre ao fundo e à frente. Um disco para quem não tem medo de melodias difíceis de cantar e deliciosas de aprender.

3. Joni Mitchell - Shine

E a Joni afinal chegou àquele momento da vida em que não mais nos interessamos em find another lover e preferimos put some time into ecology. E eu, que temia a chegada desse momento, de repente me vi na companhia do mais belo manifesto ecológico musical (e político) desde o lançamento de Passarim. Estranhamente hipnótico, o disco não te larga: quando menos espera, você se vê acompanhado de fragmentos da letra que são impossíveis de dissociar da música. O timbre muitas vezes meio brega do teclado não incomoda em nada, porque é a cara da Joni. O clamor aos fazendeiros para que abandonem o DDT, na versão nova de Big Yellow Taxi, é verdadeiramente comovente. Uma nova personagem surge: Hana, belo contraponto à Sharon de tantos anos atrás. Brian Blade ressurge como o baterista ideal que já havia demonstrado ser em Painting with Words & Music. E, sobretudo, Joni mostra que, por mais tributos que se gravem em sua homenagem, ela sempre será a grande intérprete de sua própria obra. Mais ou menos como Chico Buarque.

2. Chris Potter 10 - Songs for Anyone

Este foi o disco que, para mim, constituiu a maior e mais grata surpresa do ano. É claro que eu já sabia de todo o talento do Chris Potter como solista e improvisador, tanto nos discos dele próprio quanto em participações por discos do Steely Dan, Kenny Werner, Luciana Souza e outros que devo estar esquecendo. Mas eu não sabia que o cara era um gênio. Esse disco me mostrou que ele é. Escrevendo excepcionalmente bem para um grupo de câmara de instrumentação bastante peculiar - ao trio de cordas (violino, viola e cello) contrapõe-se o trio jazzístico (violão, baixo e bateria) -, só a introdução orquestral da primeira música já vale pelo disco inteiro. As composições e os arranjos se sobressaem, na melhor tradição da Maria Schneider - e o melhor dos arranjos é o imbricamento das partes escritas com os espaços reservados à improvisação. Um disco para quem não tem medo de música despudoradamente bela.

1. Maria Schneider Orchestra - Sky Blue

Para algumas coisas, como os girassóis do Van Gogh e o kra-thon-thon do Mestiço, as palavras faltam. É este o caso aqui. Não consigo pensar em uma frase sequer que faça jus a este que, de todos os discos ouvidos este ano, foi o único a entrar imediata e irrevogavelmente para a categoria de "disco da minha vida", conceito que um dia explico em detalhe para vocês. Segue, então, o único conselho que lhes posso dar: ouçam Sky Blue do começo ao fim com fones de ouvido e de olhos fechados. Sua vida irá mudar. A minha, com certeza, mudou.

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