Kenny Garrett
Talvez o altoísta mais proeminente da sua geração, conheci o Kenny Garrett por meio do (como não) Pat, que toca num disco dele em tributo ao Coltrane. O disco é como todo tributo deveria ser: oferece leituras criativas (e belas) de temas que, pela perfeição do original, pareciam não admitir a alteração de uma pausa, uma vírgula. Para ficar apenas no exemplo de uma música: em Giant Steps, preservam-se todas as notas da melodia, que é no entanto tocada em configurações rítmicas diferentes, fazendo aquelas mesmas notas de sempre soarem surpreendentemente novas, como se houvessem sido compostas anteontem. O acompanhamento da guitarra - acordes em stacatto pontuados ao longo dos pouco mais de três minutos - tem aqui uma função predominantemente rítmica, segurando a música no chão quando o saxofone quer voar em profusões de semicolcheias, criando um efeito no qual a música parece acontecer em dois andamentos concomitantes e paralelos, sendo em alguns momentos um desafio achar o "1". Ao final, chão e céu se tocam novamente, na re-exposição do tema.
Ritmicamente, acontece o seguinte: a música inteira alterna-se entre dois compassos de 7/4 e dois de de 11/4. Temos a exposição do tema no início, não sei quantos chorus de improviso para o saxofone (não contei), e a re-exposição do tema no final. O contrabaixo provê a marcação sólida desse tempo, tendo a guitarra como auxiliar; os acordes em stacatto comparecem em tempos diferentes, não necessariamente no primeiro ou no quinto de cada compasso. A sensação de "união" acontece nas exposições dos temas, quando cada nota da melodia e cada pausa ocupam um tempo (uma semínima); o sentimento de desunião, por sua vez, advém da liberdade com que Kenny Garrett improvisa, criando uma tensão muito fértil com as amarras rítmicas que baixo e guitarra lhe impõem. E, em meio a esses três instrumentos, "Brian Blade the wonderful" impõe-se (e cumpre) a missão impossível de caminhar junto ao céu e próximo à terra. A bateria bem-comportada da primeira exposição do tema dá lugar a um instrumento que aos poucos vai delegando suas atribuições rítmicas para baixo e guitarra, apropriando-se cada vez mais da sua função de "debatedor melódico" com o saxofone. Ao final, muito matreiramente, para reforçar o sentimento de união que perpassa a segunda exposição do tema, a bateria volta a se comportar, mas não tanto quanto de início: lá, os pratos acompanhavam o baixo, e aqui, ao final, conversam ainda com o saxofone.
E assim, passadas algumas audições, também nós, assim como o próprio Kenny Garrett em seu improviso, vamos nos libertando de auto-impostas ("cadê o 1?!?") amarras rítmicas e ficamos cada vez mais atentos às diversas melodias sobrepostas da música; vamos atentando para as escolhas de acordes do Pat e mergulhando cada vez mais na melodia tão familiar e ao mesmo tempo tão estranha, seja por ter abandonado sua moradasem 4/4 e agora habitar casas mais complexas, seja por dar voz a um instrumento diferente.
Mas vamos em frente que atrás vem o leitor e ainda há um tanto que falar sobre o Kenny Garrett. Depois desse disco, eu fui ouvir (é óbvio) o outro disco dele em que o Pat toca. Mas esse achei meio besta, portanto não vale a pena escrever a respeito aqui. E tão besta achei, que fiquei um bom tempo sem nem ir atrás dos discos dele, até que saiu Beyond the Wall em 2006. Se este blog existisse naqueles idos tempos e se já então tivesse pretensões a elaborar listas de melhores músicas e gravações, certamente BTW (que não é by the way) estaria entre os cinco melhores lançados naquele ano. É difícil descrever um disco de jazz com influências do r&b e da música tradicional chinesa, com arranjos complexos, instrumentações nem sempre convencionais e improvisos quase todos memoráveis. Tão difícil, que desencanei, e achei melhor colocar aqui para vocês ouvirem uma das músicas desse disco. Escolhi-a meio aleatoriamente, pois todas são - como diria o Tato - mortais.
A expectativa para o show em NY? Hmm, um pouquinho de medo, pois este já não deve ter mais nada a ver com o disco, lançado ano e meio atrás - e o quarteto dele de agora não traz ninguém que eu conheça ou em quem minimamente tenha ouvido falar (ó, ignorância). Ainda assim, BTW é motivo suficiente para eu dar um voto de confiança para esse cara pelo resto da vida dele. Fora que o Iridium é um lugar bacana; tudo conspira para que este seja o início de mais uma feliz semana musical. Amanhã continuo...
Ritmicamente, acontece o seguinte: a música inteira alterna-se entre dois compassos de 7/4 e dois de de 11/4. Temos a exposição do tema no início, não sei quantos chorus de improviso para o saxofone (não contei), e a re-exposição do tema no final. O contrabaixo provê a marcação sólida desse tempo, tendo a guitarra como auxiliar; os acordes em stacatto comparecem em tempos diferentes, não necessariamente no primeiro ou no quinto de cada compasso. A sensação de "união" acontece nas exposições dos temas, quando cada nota da melodia e cada pausa ocupam um tempo (uma semínima); o sentimento de desunião, por sua vez, advém da liberdade com que Kenny Garrett improvisa, criando uma tensão muito fértil com as amarras rítmicas que baixo e guitarra lhe impõem. E, em meio a esses três instrumentos, "Brian Blade the wonderful" impõe-se (e cumpre) a missão impossível de caminhar junto ao céu e próximo à terra. A bateria bem-comportada da primeira exposição do tema dá lugar a um instrumento que aos poucos vai delegando suas atribuições rítmicas para baixo e guitarra, apropriando-se cada vez mais da sua função de "debatedor melódico" com o saxofone. Ao final, muito matreiramente, para reforçar o sentimento de união que perpassa a segunda exposição do tema, a bateria volta a se comportar, mas não tanto quanto de início: lá, os pratos acompanhavam o baixo, e aqui, ao final, conversam ainda com o saxofone.
E assim, passadas algumas audições, também nós, assim como o próprio Kenny Garrett em seu improviso, vamos nos libertando de auto-impostas ("cadê o 1?!?") amarras rítmicas e ficamos cada vez mais atentos às diversas melodias sobrepostas da música; vamos atentando para as escolhas de acordes do Pat e mergulhando cada vez mais na melodia tão familiar e ao mesmo tempo tão estranha, seja por ter abandonado sua moradasem 4/4 e agora habitar casas mais complexas, seja por dar voz a um instrumento diferente.
Mas vamos em frente que atrás vem o leitor e ainda há um tanto que falar sobre o Kenny Garrett. Depois desse disco, eu fui ouvir (é óbvio) o outro disco dele em que o Pat toca. Mas esse achei meio besta, portanto não vale a pena escrever a respeito aqui. E tão besta achei, que fiquei um bom tempo sem nem ir atrás dos discos dele, até que saiu Beyond the Wall em 2006. Se este blog existisse naqueles idos tempos e se já então tivesse pretensões a elaborar listas de melhores músicas e gravações, certamente BTW (que não é by the way) estaria entre os cinco melhores lançados naquele ano. É difícil descrever um disco de jazz com influências do r&b e da música tradicional chinesa, com arranjos complexos, instrumentações nem sempre convencionais e improvisos quase todos memoráveis. Tão difícil, que desencanei, e achei melhor colocar aqui para vocês ouvirem uma das músicas desse disco. Escolhi-a meio aleatoriamente, pois todas são - como diria o Tato - mortais.
A expectativa para o show em NY? Hmm, um pouquinho de medo, pois este já não deve ter mais nada a ver com o disco, lançado ano e meio atrás - e o quarteto dele de agora não traz ninguém que eu conheça ou em quem minimamente tenha ouvido falar (ó, ignorância). Ainda assim, BTW é motivo suficiente para eu dar um voto de confiança para esse cara pelo resto da vida dele. Fora que o Iridium é um lugar bacana; tudo conspira para que este seja o início de mais uma feliz semana musical. Amanhã continuo...
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