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quinta-feira, 29 de maio de 2008

Medo

É a vez do Doria entrar para o ranking dos censurados. Poucas coisas me assustam tanto quanto isso. Poucas mesmo.

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quarta-feira, 28 de maio de 2008

Devo ser finlandesa

Dizem que brasileiro não desiste nunca.

É curioso, porque meu esporte favorito é desistir. Todos os dias desisto de alguma coisa. Hoje mesmo, por exemplo, desisti de um almoço leve, rápido e solitário. E ganhei bem mais que uma refeição pesada, deliciosa e lenta: obtive sobretudo um reencontro antes do tempo previsto. Um presente incrustado bem no meio da semana.

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Sobre o cachorro

Se tem uma coisa que eu adoraria aprender a fazer é ressuscitar risadas. Porque algumas das coisas mais engraçadas da vida são também as mais efêmeras. Não que desmanchem no ar, mas só fazem sentido para quem estava presente no momento específico em que vieram à tona. É o caso de "a vida é como um rio". É também o caso do cachorro, que vou contar aqui mesmo sabendo do risco de que, ao final da história, tenhamos um cachorro mumificado, em vez de um que late, anda e bebe água pra caralho.

O causo foi que, durante as gravações do feriado, os cachorros do Marcelo às vezes andavam pelo piso de madeira. E então era preciso, como já dizia Ivan Lins, começar de novo.

Mas o causo, na verdade, tem quase nada a ver com isso e absolutamente tudo a ver com aquelas expressões que músico adora. Uma delas, que não está neste texto antigo, é "Fulano toca pra caralho".

E de repente Gabriel pára de cantar e me manda essa:

"Pô Marcelo, o cachorro tá andando pra caralho aí!"

A sobreposição destas duas imagens - um músico tocando pra caralho e um cachorro passeando tranqüilamente pela sala - me fez chorar quase que imediatamente. Eu ri, ri, ri - e nisso fui acompanhada pelo mais novo integrante da Liga - e ri, ri, ri até perder completamente a noção se o referido integrante estava rindo do cachorro ou da minha cara.

Porque vejam bem: não era um músico tocando pra caralho. Era um cachorro. Com o detalhe de que ele não estava tocando pra caralho. Ele estava andando.

Como seria um músico que, em vez de tocar, andasse pra caralho?

Mas paro por aqui, que este post está parecendo papo de maconheiro. A triste verdade é que nunca conseguirei transmitir para ninguém a graça inerente a um cachorro andando pra caralho.

Uma coisa, porém, ninguém me tira. Enquanto eu puder lembrar que "era uma vez um cachorro que andava pra caralho", saberei que sou uma pessoa feliz.

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terça-feira, 27 de maio de 2008

O problema do sexo, parte 2

Neste texto, esmiucei as causas da aridez afetiva em que se converte a vida sexual de uma mulher solteira prestes a deixar o Brasil por cinco anos - principalmente se o comparamos com o que vive um homem na mesma situação. Na época, eu havia me baseado somente no exemplo do Alex, mas hoje posso ir além: não apenas ele como todos os homens que deixam o Brasil por tempo indeterminado têm acesso temporário a todo um exército de virgens sedentas a que nem o mais suicida dos talibãs poderia aspirar.

Diferentemente do que fiz naquele texto, porém, agora não estou reclamando dessa diferença. Até porque um exército de homens virgens talvez seja excitante para um adolescente gay, mas definitivamente não o é para mim.

Hoje vou reclamar de outra coisa. Aconteceu o seguinte: na aridez em que me encontro, me aparecem dois homens casados (não, ainda não estou reclamando). Que logo despachei, e beleza. Em seguida, qual o conselho que mais ouço? (Começa aqui a reclamação:)

"Poxa, Camila, mas e daí que o cara é casado? Afinal, em dois meses você vai embora mesmo!"

E eu fico me perguntando o que que uma coisa tem a ver com a outra.

Vai ver se alguém disse pro Alex ou pra qualquer homem na mesma situação que ele: "poxa, meu filho, dá uma chance pra essa baranga aí, afinal você vai embora mesmo". Não: ao homem cabe esperar sentadinho pelo exército das virgens. À mulher, contentar-se com o primeiro homem casado que aparecer.

Claro está que o homem casado pode não ser nada barango. Mas, que me importa - um homem casado me brocha tanto quanto uma mulher baranga a um homem. Também me são brochantes homens que votam no Serra, que sentam no lugar reservado para idosos no metrô e que gostam de pagode. Alguém pode argumentar que votar no Serra e se aproveitar de velhinhos não é uma questão de excitação sexual, e sim de caráter. Pode até ser. Mas gostar de pagode, não. Um homem pode muito bem gostar de pagode e ser um corretíssimo cidadão, zeloso de seus direitos e cumpridor de seus deveres. E daí? Continuo achando o exemplar cidadão deveras brochante. Assim como um homem casado, que pode ser excelente pai de família e tratar muito bem de sua mulher, filhos e amantes. E eu ainda achando tudo muito brochante.

Não se trata, portanto, de uma questão moral, e sim de desejo.

Eu não sei uma série de coisas. Não sei fazer bola de chiclete, não sei assoviar, não sei cantar (fato que agora é de domínio público) e nunca consegui aprender de que lado da Paulista fica o MASP. Mas tudo bem. Porque pelo menos uma coisa importante eu já aprendi: a não me contentar com pouco.

A não me contentar com nem um volt a menos do que pede o meu desejo.

Meu desejo não tem pressa alguma de ser satisfeito.

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Outtakes de Phase Dance

O primeiro é bem triste (vocês entenderão o porquê) e o outro dá uma ligeira idéia do tanto que rimos durante a brincadeira.

(Obs.: Filé é um dos labradores do Marcelo, que estava lambendo o chão direto e pirando geral no produto de limpeza.)





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Pat Metheny Group covers!

O blog Recordar, Repetir e Elaborar orgulhosamente apresenta...

MARCELO LIMA & GABRIEL SANTIAGO em três composições da safra Metheny / Mays, nuns violões esquisitos!!!

Alguns rápidos comentários:

- Phase Dance foi gravada na sexta; First Circle e So May It Secretly Begin no domingo.

- Elas foram as primeiras de uma lista com umas dez músicas ao todo.

- Há outras três a serem gravadas mais que urgentemente - ou seja, já temos um fantástico mote para a campanha "volta logo, Gabriel!".

- Quem primeiro descobrir a afinação da tal baritone guitar ganha um disco do Gabriel como prêmio.

- As vozes foram adicionadas depois da gravação dos violões, claro.

- Esses vídeos são uma espécie de demo de um disco que eles vão gravar direitinho em estúdio algum dia, em trocentos canais e tals.

- Acho que nunca ri tanto quanto nessas duas sessões de gravação caseiras.

- Repitam comigo: "a cara-de-pau é uma dádiva; a cara-de-pau é uma bênção; a cara-de-pau é uma dádiva..."

Amanhã tem mais comentários e fofocas. Por ora, vejam os vídeos, ouçam o disco e leiam o livro - e, sobretudo, encaminhem o link e digam aqui e no youtube o que acharam da brincadeira. Gozações, palpites e bajulações são bem-vindos!


First Circle




Phase Dance




So May It Secretly Begin


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segunda-feira, 26 de maio de 2008

Duas breves e importantes decepções

No curto espaço de duas semanas, interessei-me por dois homens. Primeiro um, depois outro. Ambos interessantíssimos, inteligentes, sedutores. E então desencanei bem rapidinho. Primeiro de um, depois do outro. Quando descobri que eram casados.

1-) Fica a dúvida:

Será que estou completamente maluca, com comportamentos inconscientes repetitivos espiripitifláuticos pulsão de morte total, que me impelem a homens indisponíveis para mim?

Ou será, pelo contrário, que estou elaborando adoidado, percebendo muito rapidamente as ciladas em que poderia cair e me livrando mais rapidamente ainda delas?

2-) Fica o suspiro:

Sempre parto do pressuposto de que, se um homem se aproxima de mim, é que ele está disponível. É um pressuposto idiota, concordo - tanto quanto, por exemplo, achar que tal homem deva ser necessariamente judeu, palmeirense ou petista. Mas eu posso partir desse pressuposto se eu quiser ser a mulher que sou e gosto de ser. Que é uma mulher que envolve e se deixa envolver. Porque, se eu não partir desse pressuposto ilógico, isto significa o seguinte: que quando vier um cara me passar um caô qualquer, antes de eu reagir ao caô com arrepios e tremeliques na barriga, se for o caso, terei de perguntar antes: "mas escuta aqui, o senhor é casado?". E não tenho a menor propensão a perguntar antes. Sinto primeiro, pergunto depois. Paciência. Suspiro.

3-) Fica a certeza:

Fato é que os dois senhores casados em questão provocaram-me significativos arrepios e tremeliques na barriga. Coisa que eu não esperava jamais, neste momento. Achei que iria levar uns cinco anos - o tempo da pós - para eu sentir de novo uma agulhadinha que fosse. E vi que não é bem assim. Eu sinto, viu. E muito. Estou aberta e vulnerável novamente. Graças a Deus.

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Um baiano em São Paulo, parte 2

De sexta pra cá, tantas coisas boas. Café da manhã na padaria, passeio no Ibirapuera, almoço no Biu, passeio na Teodoro, orgia musical com a Liga da Justiça, Pat Metheny Group, Lyle Mays, Toninho Horta, Ivan, Milton, Brian Blade, adesão de um novo membro à já citada Liga, toddy do Lima, feijoada na Nath, momento nostalgia no youtube, Gabriel tocando piano aqui em casa, Genésio com a Nath, churrasco de aniversário na minha avó, mais orgia musical (e dá-lhe Pat Metheny Group), X-salada no Toninho & Freitas. Sem contar os deliciosos e-mails pipocando na minha caixa de entrada.

Sobre a orgia musical, terei um bocado a escrever mais tarde. E estou me corroendo toda por dentro para não dizer desde já o que está para acontecer neste blog. É uma coisa-uau, do outro mundo. E é também o maior mico que já paguei. Perto desse, os outros todos ficam parecendo micos a prazo, micos emprestados. Esse não: é à vista e ao vivo mesmo. E chega, que acabo de dar uma dica e se continuo escrevendo, conto tudo agora.

Seguem então algumas fotos que certamente levarei comigo para New Orleans. Pois as pessoas que delas constam, de alguma forma, já estão em mim.

P.S.: À noite explico a frase do cachorro.

***

Só agora me dei conta de que meu pai nunca havia aparecido neste blog, ele que aparece sempre nos meus textos e nos comentários. Só outro dia me dei conta de que ele não virá mais me visitar toda semana, e tive medo. Só ontem me dei conta de que ouvir a voz dele ressoando pelo peito quando o abraço é a sensação que mais me acalma no mundo.


E este é o Seu Olívio. Não é porque ele é meu avô. Mas o cara é uma figura. Além de bonitão, naturalmente.


Minha Vó Nina, a estrela do churrasco. Oitenta anos de vida e um vestido que nem o meu.


Alguém me ajude a deixar esta foto na horizontal, que o blogger decidiu que ela ia ficar assim e pronto. Dá uma aflição porque parece que mais hora menos hora o povo todo vai desabar pra cima do pobre do Diego, outro ilustre personagem deste blog.


Eu e Nath, duas moças donzelas que não arrenegam um bom coco.


Tio Lima. Que, bem, na verdade não é meu tio.


Liga da Justiça. Precisamos arrumar um nome melhor para nós mesmos.


Com vocês, a dupla Marcelo & Santiago. Pensar em nomes de efeito realmente não é o nosso forte.

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quinta-feira, 22 de maio de 2008

Um baiano em São Paulo, parte 1

O baiano e seus dois instrumentos favoritos. Fazia tempo que o piano aqui de casa não era tão (bem) utilizado.


Capa do manual "Como fazer um baiano feliz".


Gordddinha & Gordddinho no Paraíso. (Bela Vista, actually.)


Gordddinhos devidamente empanturrados antes do início da missa com nosso pastor Bill Stewart.


Vejam que até Scofield se curva diante do pastor... ;-) Na foto eles estavam tocando uma intro cheia de efeitos "scrap metal" na guitarra (ai, que preguiça de explicar isso, só o Marcelo e o Tato vão entender do que estou falando... mas a vida é assim mesmo, há que domar o desejo onipotente de querer comunicar tudo) para a minha versão preferida de Satisfaction. O show, uau, foi o segundo melhor do meu ano até agora, matando de vez o fantasma (se fantasma morresse) do flop de NY em '06. O Scofield cheio de timbres novos, lindos, tocando aquelas frases bizarras que quando você menos espera param e quando você espera menos ainda continuam. O Steve Swallow que, apesar de baixista, não faz "solos de baixo" - ele parece tocar um instrumento que não existe, a que nenhum outro baixista tem acesso. Adoro atentar para a interação sutil dele com a bateria - porque a interação mais evidente que rola ali, para mim, é do Scofield com o Bill mesmo. E, bem, o Bill Stewart... Seu único e terrível defeito é que ele não trouxe seu disco novo para vender. Ele fez todas aquelas coisinhas com a caixa que eu amo de paixão, cujos nomes técnicos o Gabriel agora me disse quais são. O trrrrram-tram-tram-tram chama-se rulo, e o té-té-té-té no aro chama-se flan. Ok, não melhorou nada, continuam todos sem entender do que estou falando... Mas vamos em frente, que acho que o que vou dizer agora é de fácil compreensão. Eles tocaram vários temas do disco novo (mas não o meu preferido, que é a musiquinha da semana aqui no blog - pena) bem naquela praia "Sco Trio meets Maria Schneider" que fez de such disco o meu preferido dele. Inclusive Heck of a Job, dedicada à minha futura e querida cidade. Tocaram também um blues, um teminha country e outro delicioso - Over The Top, que Gabriel e eu decidimos que deveria ser gravado como baião. Ah, teve também o super complemento dos sopros, que só não funcionou quando botaram os caras para solar (digamos que faltou pontaria ao trompetista).

E agora... Os Gorddinhos atacam novamente! Uma pizza está a caminho. Bom feriado a todos...

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terça-feira, 20 de maio de 2008

Manchetes

Não sei se eu já disse aqui o quanto eu amo a minha vida. Mas mesmo que já tenha dito, hoje senti o impulso irrefreável de dizê-lo de novo - pois esse amor sempre fica um tiquinho mais fulminante quando nos utilizamos do recurso tosco e universal de comparar a própria situação com a desgraça alheia.

O problema é que, desta vez, a desgraça alheia também me inclui - pois se trata da desgraça da imprensa brasileira. Vejam se não é para sair correndo das manchetes de capa dos três principais periódicos informativos e da principal revista de fofoca do país, todas desta semana (e antes das refutações de praxe - "mas como assim, você ainda se choca com isso" - ok, é claro que nunca espero nada dessas revistas. Mas eu realmente não me lembrava da última vez em que vi quatro capas TÃO terroríficas publicadas simultaneamente):

Revista Veja: O Lado Escuro da Força - Como a promiscuidade do sindicalismo com o poder produziu um esquema de corrupção, desvio de dinheiro público, tráfico de influência e enriquecimento ilícito. (Pegou o trocadilho? Pegou, pegou??)

Revista Época: Por dentro da mente e do mundo de Ana Carolina - Época teve acesso à intimidade da mãe de Isabella na tentativa de decifrar de onde vem sua força impressionante para lidar com a dor. (Te cuida, Içami Tiba!)

Revista IstoÉ: Como interpretar seus sonhos - Aprenda com os especialistas a decifrar as mensagens que recebemos durante o sono e as pistas que elas podem dar sobre o seu futuro. (Como se isso tivesse alguma importância. Quero ver uma reportagem que me ensine a sonhar com os números premiados da loteria. Desde que eles não me tragam azar como os de LOST, etc.)

Revista Caras: Mônica Veloso apresenta Catharina, sua filha com Renan Calheiros. (E na próxima semana, Mônica Veloso apresenta as mais loucas fantasias sexuais de Renan Calheiros.)

Agora comparem com as manchetes da minha semana e vejam se não é para morrer de felicidade:

Terça - Meu primeiro e subversivo anti-encontro de blogueiros.

Quarta - Fondue com Tia Mê e Diego, meu bravo acompanhante no filme do Robocop Gay.

Quinta - Scofield com Steve Swallow e Bill Stewart no palco e Gabriel na platéia.

Sexta - Reunião da Liga da Justiça, com Marcelo e Gabriel.

É, eu amo a minha vida.

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segunda-feira, 19 de maio de 2008

Teus beijos nunca mais

Por favor, alguém aplauda a minha evolução no espanhol que eu mereço:

Mês e meio atrás, eu nunca apostaria tipo no Show do Milhão se os seguintes versos - tus besos nunca más - estão em espanhol ou italiano, e isso a despeito de a canção de onde foram extraídos ser um fake-bolero.

Agora já sei que uma das muitas obras-primas de Toño Jobim y Paco Buarque (sim, eu tenho noção do quanto isso é infame: podem atirar os tomates, são mais que merecidos) traz estes versos en español em alguma versão que agora não sei qual é. Uma coisa é certa: eu tenho o Chico cantando isso gravado no HD da minha cabeça. Mas fica a questão: para além da minha cabeça, onde mais ele gravou que tus besos nunca más? Ele gravou?


P.S.: Como vocês podem notar, estou numa fase Passarim. Tudo começou com meu primo que precisava de uma canção ecológica pra escola e, Deus, ninguém mais precisa ouvir que a Terra é o planeta água. Aí me ocorreu, knee-jerk: deixa o tatu bola no lugar. E aí pronto: Passarim dia sim, dia não.

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Alguns apontamentos sobre Atonement, o livro (spoilers! back off!) - ou Uma leitura kleiniana de um aspecto de Atonement (spoilers! valha-me Deus!)

Recentemente terminei a leitura de Atonement e desde então não consegui voltar a nenhuma das outras cinco leituras já engatadas. Pensei então que minha leitura talvez não estivesse tão concluída como eu imaginara. Decidi, assim, desenvolver alguns comentários que preciso dividir com alguém que já o tenha lido (se você for uma destas pessoas, por favor manifeste-se) - quem sabe assim a vida volta a fluir como um rio por aqui (um dia preciso contar esta história).

***

O livro, para mim (e esta é a primeira e última vez que escreverei "para mim", porque vamos combinar que isso é óbvio), trata justamente dos limites do atonement. A tradução por reparação é boa, mas falta-lhe certo je ne sais quoi. Penso em atonement como um misto de reparação e, antes disso, caída de ficha. Isto é, o atonement envolve, além do gesto reparatório, o próprio sentimento de culpa.

Vamos combinar também que minha leitura é kleiniana, claro. São esses os óculos que visto e por meio deles que desejo enxergar. Daí minha relativa insatisfação com a tradução do termo - reparação, em inglês, é reparation mesmo. Atonement parece referir-se, mais precisamente, à própria elaboração da posição depressiva.

Coisa que a Briony adulta e velha faz apenas até certo ponto. A culpa que lhe avassala é necessária porém não suficiente para ela dar à sua própria vida o direito de voltar a correr. Ela empreende, assim, tentativas de reparação. Isso é o que lhe move. Mas, de alguma forma, ela nunca é inteiramente bem-sucedida - o livro acaba com Briony ainda na dúvida se o livro-dentro-do-livro trará o feliz casal na sua celebração de aniversário, tantos anos depois. Ela vive um processo de elaboração infinito, que nunca pode ser concluído - tanto que a saída que se coloca, ao final do livro, é o apagamento puro e simples de sua memória. É tocante, aliás, perceber como, para Briony, sua demência iminente é muito menos traumática do que o cerceamento de uma última tentativa de reparação (i.e., a publicação do livro).

Mas é importante retomar tudo o que de importante o atonement de Briony envolveu. Em uma palavra, limitação, empregada aqui no melhor sentido do termo. Limitação de sua onisciência e onipotência. Aliás, é curioso lembrar que, muito antes da onisciência arrogante de Briony, já estava dada a onisciência da mãe. E limitação, principalmente, da onipotência incrível de seu "Well I can. And I will", uma das frases mais impactantes da obra (ao final do capítulo 13).

Acompanhamos a limitação de sua onisciência nas dúvidas que expressa quanto ao destino a ser dado aos personagens Cecilia e Robbie. Ela sabe que este destino deve ser feliz, mas não sabe de que forma concretizar esta felicidade em palavras. Mais de dez versões depois, ela ainda não está convencida de ter chegado à versão final. Pois, de fato, mil versões não dariam conta do problema de Briony: todo o drama está em seu ato ter levado, mais do que à morte de Robbie e da irmã, à morte de tudo o que eles poderiam ter sido e não serão jamais. Mil, dez mil versões do livro-dentro-do-livro não bastam para cobrir todas essas possibilidades.

E sua onipotência é belamente transferida para o campo da literatura, tão infinito quanto precisamente definido pelos limites da linguagem. Sim, Briony cresce e torna-se Deus - mas apenas no que se refere ao universo da escrita. Isso é crescimento emocional.

Crescimento que parece impedido justamente no que tange à reparação. Pois Briony não se contenta com a reparação simbólica - e simbólica é apenas e tudo o que a reparação pode ser - é como se seu sofrimento só pudesse ser finalmente aplacado por meio da ressurreição dos dois. Voltamos, assim, à onipotência - à revolta com os limites do símbolo - que impossibilita a Briony uma reparação plena. E essa é uma das maiores riquezas do livro: mostrar o crescimento de Briony par a par com sua estagnação. Creio ser desnecessário explicar que estas palavras - "crescimento" e "estagnação" - não se referem a um julgamento moral sobre a personagem, e sim a uma consideração bem próxima de suas estratégias para lidar com o sofrimento.

Mas a saga psíquica de Briony de forma alguma constitui o ponto central do livro. Aliás, pensei e pensei e não cheguei a conclusão alguma sobre qual seria este ponto. Acabei pensando que ele não existe. Ou melhor - existem em tamanha quantidade, que a eleição de um só necessariamente resltará numa leitura incompleta. Como a que acabo de desenvolver.

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sexta-feira, 16 de maio de 2008

Este era pra ser um post engraçado

Era mesmo, juro. Se bem que a intenção da graça costuma ser o maior antídoto contra esta. Mas vamos dar algum crédito à minha verve cômica e supor que, sim, o texto era engraçado. Ou divertido, ao menos. E eu o vetei. E fiquei pensando nos motivos pelos quais o fiz, e de repente o veto ficou bem mais importante que a graça em si.

Segue o texto escrito ontem, com o veto devidamente explicitado:

"Hoje aprendi duas coisas numa conversa com meu marido por 10 dias em New Orleans. Primeiro, que a vida é um rio - mas essa lição fica para outro dia. O segundo e importante aprendizado foi o insight que segue:

Estou começando a poder rir do tremendo fora que levei. Não, não superei nada - nem a humilhação, nem a dor nem o desprezo; não estou ótima. Mas pelo menos estou rindo. E muito. Principalmente com a lembrança do que passaram a ser as conversas telefônicas com o ex lá em NOLA:

**Insiram aqui o que for do gosto de vossas imaginações.**

Dizem que rir é o melhor remédio. (Nunca entendi isso.)

Pelo menos desta vez, o riso pareceu-me um primeiro sinal de cura."

Vale dizer que o parágrafo em questão trazia apenas falas de minha autoria.

O trecho não era propriamente ofensivo. Mas, ao mesmo tempo, não havia a menor possibilidade de alguém ler a reconstituição da conversa, mesmo que de um lado só, e não achar o cara um completo idiota. E este blog não se propõe a chamar ninguém de idiota - a não ser eu mesma, que isso é dos melhores exercícios de auto-confiança que há. Naturalmente, no caso, julgo-me a mais idiota dos dois, pois quem se apaixona pelo idiota é sempre mais idiota que o próprio. Mas o causo é que a questão não é essa - e sim que, ao escrever com intenções de espelhar no texto o que aconteceu na realidade, deixo de falar do ex-namorado objeto-interno para falar do objeto-externo novamente, coisa de que abdiquei faz tempo. Aliás, a verdade é mais complexa do que isso - pois todos sabemos que, de fato, é só de um objeto interno que posso falar agora. Construir um texto pretensamente calcado na realidade seria fingir para o leitor que estou falando de um objeto-externo, quando estou falando o tempo todo do meu próprio desespero e abandono. E esses sentimentos, agora, são só meus. Quem os provocou não tem mais nada a ver com eles.

Então é óbvio que eu acho meu ex-namorado um idiota. Ele me deu todos os motivos para isso. Mas é óbvio também que ele não deu motivo nenhum para mais ninguém - dizer nada de ruim a seu respeito. E o post como estava era um convite para isso: uma chuva de comentários fazendo pouco do cara. Eu não preciso disso.

Mas é claro que há também um motivo muito menos nobre para eu não divulgar o tal parágrafo. É nisso que dá, amigos, ser abandonada desta forma (nessas horas até me esqueço dos tantos outros foras que eu mesma generosamente distribuí pelo mundo) - vejam até onde vão as fantasias de rejeição de uma frágil rapariga: e se, um belo dia, um homem interessantíssimo lê este post e se atemoriza. Fica com medo da minha grande língua e dos meus dedos maiores ainda, digitando tresloucadamente.

Felizmente, a rapariga não é tão frágil assim. Porque se um homem tem medo de mim - como vem sendo o caso - bem, então a verdade é que ele não era nada interessante.

Simples assim.

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God bless Rinosoro

Um brinde ao objeto fálico que mais prazer e conforto tem me proporcionado ultimamente.

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quarta-feira, 14 de maio de 2008

Explosão.

O melhor presente é aquele que não pode ser retribuído.

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segunda-feira, 12 de maio de 2008

O dia em que impedi um vexame

É vasto o repertório de piadas musicais envolvendo a figura da mulher do músico. Mulher de músico que também é cantora, então, nem se fale - tipo a banda do Miles Davis no inferno, maravilhosa até que se descubra que tem por vocalista sua namorada (ou amante, dependendo da versão).

É igualmente notório o fato de que, na produção de um filme, quem cuida da fotografia é o fotógrafo, do figurino é o figurinista, e assim por diante - mas, quando o assunto é trilha sonora, todo mundo está autorizado a dar opinião, do contra-regra à mulher do trilheiro. Sendo que esta última nunca gosta de nada que não seja "música pra chorar", isto é, qualquer coisa com violinos bem agudinhos ao fundo.

As feministas que me perdoem, mas esse anedotário todo é de uma sabedoria imensa. Posso falar com autoridade sobre o assunto, porque eu mesma já fui mulher de músico - e brinquei adoidado de produtora musical. Eu dava palpite em tudo, na proporção inversa ao meu embasamento para tal: do repertório aos arranjos, dos músicos aos timbres escolhidos, da mixagem à escolha da melhor versão de cada música, eu metia o nariz e os ouvidos no que quer que saísse das caixas.

Mas nada disso teve relevância alguma se comparado à única contribuição realmente significativa que, na condição de mulher de músico, pude oferecer à música popular brasileira.

Era uma vez os primeiros ensaios do duo de um certo pianista com uma certa cantora. No repertório, a primeira versão de Gabriela na íntegra depois da original de Passarim. Ouvíamos, o pianista e eu, o resultado de um dos ensaios - prestando semi-atenção, pois jantávamos ou sei lá o quê. Mesmo semi-ouvindo, porém, já me parecia óbvio que se tratava de uma releitura como poucas vezes Jobim mereceu - embora eu achasse, opinião que até hoje mantenho, que o baião do final podia ser mais lento. Mas enfim. Tudo mais do que bom, tudo mais do que bem.

E eis que, aos quarenta e oito do segundo tempo, quando já está claro que o juiz não vai dar nem um segundo de prorrogação, a cantora entoa lindamente as duas últimas palavras da canção:

"QUEBRA QUEEEEEEBRAAAAAAAAAA-AAAAAAAAAAAAAAAAAAA..."

Segue a reconstituição fictícia de um diálogo que não tenho a menor idéia de como transcorreu:

Eu: - O quê??!?!???

Pianista: - O que o quê?!

Eu: - Como assim, o que o quê?? Você não ouviu?!

Pianista: - O que o que o quê??!?

Eu: - Agora! No final! Quebra-quebra!

Pianista: - Jura?!?

Eu: - Por Jacob! (Isso para que não haja dúvidas sobre a ficcionalidade do diálogo, pois naquela época LOST ainda não havia se firmado como a minha religião.)

Correria, pause, botãozinho que volta o cd, play, QUEBRA-QUEBRA!, gargalhadas.

Eu: A Gabriela tá quebrando tudo!

Pianista: Não, ela pegou um ônibus e daí rolou o maior quebra-quebra!

Incluam aqui mais duas ou três piadas prontas (tipo quebra-quebra com orelhão etc.).

Pianista: Afinal, como é a letra mesmo?

***

E foi assim, amigos, que impedi o vexame de um dos mais lindos discos já gravados no Brasil ter retratado Gabriela como uma louca arruaceira.

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domingo, 11 de maio de 2008

Utilidade pública

O querido Sérgio Rodrigues voltou a atualizar diariamente meu blog de literatura favorito, contribuindo assim para o incremento da angústia da ignorância coletiva. Vão lá que o post de hoje trata das melhores coisas da vida. Só faltou a música, claro.

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Da impossibilidade de curar-se de si

Quanta sabedoria em uma só frase:

"A player should be reconciled to the fact that the elements of his playing are unchanged, like his voice" (Steve Swallow, em entrevista recente ao AAJ).

A reconciliação de que nos fala o músico nada mais é que a elaboração das "many anxieties associated with the fact that one is only onself and no one else" (Robert Caper, no indispensável A Mind Of One's Own, p. 96 - grifo meu).

O difícil e inescapável processo de se reconciliar com quem se é constitui uma das minhas principais questões analíticas - e, por conseguinte, uma das mais candentes obsessões deste blog. Porque a verdade é que bem poucos sabem a dor e a delícia de ser o que é.

Venho tentando fugir da anestesia de ser o que outros admirados são.

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sexta-feira, 9 de maio de 2008

Release do disco do Gabriel, versão 3.0 e definitiva

A menos que alguém tenha fortes argumentos contrários e excelentes sugestões, evidentemente!

Ficou um pouco longa, mas tanto Gabriel quanto eu ficamos bem satisfeitos com o resultado. Agora sim, o texto está com cara de resenha: traz mais informações objetivas sobre o disco, pero sin perder la ternura jamás (ou assim espero).

Mais uma vez, agradeço a todos e em especial à Mari pela ajuda.

E agora estou liberada para pensar com cuidado naquilo que mais tem preocupado o Gabriel ultimamente (o disco e o release são meros passatempos): o roteiro gastronômico de sua estadia em São Paulo.

(E haja Ponto Chic, Toninho & Freitas, Família Mancini, Mestiço...)

EDITADO PARA ACRESCENTAR: a cor roxa é coisa do blogger com o gmail e eu não tenho nada a ver com isso.

***

Aos 27 anos e iniciando um doutorado em composição pela Universidade do Texas (EUA), o baiano de Ilhéus Gabriel Santiago lança disco homônimo surpreendente e precioso. Surpreende, em primeiro lugar, porque apesar de este ser seu primeiro disco solo, trata-se do trabalho de um compositor e arranjador maduro, que já processou algumas de suas principais influências - notadamente, Ivan Lins e a dupla Pat Metheny / Lyle Mays - para construir uma linguagem musical própria. Diga-se desde já que esta linguagem prestou-se a ótimas conversas com músicos do porte de Odair Assad, Gilson Peranzzetta, Cliff Korman, Gabriel Grossi e Márcio Bahia, para citar apenas alguns.

O disco Gabriel Santiago constitui-se quase que inteiramente por composições do próprio Gabriel. As exceções são a faixa de abertura O Homem e o Cacau, da autoria de seu pai, o compositor Délio Santiago; e a bela Valseana, cedida por Sérgio Assad, que ganha interpretação singular de Odair Assad e Gabriel num duo de violão e guitarra. Cada uma das músicas do disco possui uma formação diferente: há desde o tradicional quarteto com violão e piano (De Clara pra Anna) até formações inusitadas como um trio-base de piano, violão de 12 cordas e contrabaixo acrescido de violoncello, violino e vozes (Clareanna).

Transitando pela música brasileira e pelo jazz, com especial ênfase no samba e na valsa, as composições de Gabriel compartilham de um "senso de inevitabilidade" - aquela sensação tão subjetiva e tão concreta de que a cada nota e a cada acorde só poderiam seguir-se precisamente aquela próxima nota e aquele próximo acorde - e de um delicado entrelace de partes escritas e partes improvisadas, característica tão cara ao Pat Metheny Group. Mas para além do compositor, há também o músico - criativo nos improvisos de violão e guitarra, inteligente na distribuição de acordes ao piano e conhecedor profundo do papel rítmico do violão como instrumento de acompanhamento, especialmente no samba (ouça-se, por exemplo, Considerações a Respeito). Por fim, há o Gabriel arranjador, que escreve para formações orquestrais com ambição e desenvoltura e rege uma orquestra de câmara na valsa Lis Bela e no samba Toma Lá Dá Cá. Este último traz ainda um interlúdio minimalista com ecos de Lyle Mays e a performance simultânea de duas baterias, tocadas por Hernane Castro e Erivelton Silva.

Estas são apenas algumas das surpresas que o disco Gabriel Santiago reserva ao ouvinte. Há também vozes e cordas quando menos se espera; um frevo que aos poucos vira marcha-rancho;
arranjos de metais de fazer orgulho a Moacir Santos; um violão de 12 cordas e um violino que timbram como uma viola caipira e uma rabeca. Mas, para que este texto não desmanche prazeres nem futuras surpresas, que se diga apenas, então, que o disco de estréia de Gabriel Santiago é impossível de se ouvir uma vez só.

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O dia em que ganhei de Murphy

Ontem à noite, numa idéia retumbante de tão gloriosa, decidi descobrir se havia algo decente para se ouvir aqui em São Paulo. Oh, timing maravilhoso: Scofield no SESC em pleno feriado, justo no dia em que Gabriel chega. Animadinha, dei as boas novas para ele com planos de escrever também para a Liga da Justiça (Marcelo etc.) e combinarmos uma farofa em plena Vila Mariana.

Mas hoje, numa idéia estrondosa de tão beatífica, decido telefonar para o SESC, muito matreira, para saber a quantas anda a venda de ingressos.

- Senhora, existem quatro entradas disponíveis.

Eu estava no meio daquele "retoque do meio-dia" que quem usa maquilagem sabe como é.

Saí do escritório da minha tia sem blush e sem batom (porém com rímel), e em cinco minutos estava no SESC.

Sigo até a bilheteria, e - claro - havia um rapaz à minha frente.

E de repente todas as questões filosóficas do mundo resumiam-se a esta:

"Como determinar - pela aparência, pela postura e pelo trajar - se um indivíduo gosta do John Scofield?"

E de repente tudo ficou claro. Pois todo mundo sabe que o público ouvinte de jazz no Brasil divide-se em adolescentes que gostam de guitarra e tiozões que gostam de whisky. Sendo que o Scofield atrai majoritariamente ouvintes do primeiro tipo.

E o rapaz à minha frente... Usava um capacete de bicicleta!

Elementar: adolescentes que gostam de guitarra jamais andariam de bicicleta. Onde colocar o case?

Abençoadas sejam, portanto, as bicicletas e seus ciclistas que preferem balé a jazz.

***

Moral da história: COMPREI OS DOIS ÚLTIMOS INGRESSOS PARA O SHOW DO SCOFIELD NO SESC VILA MARIANA.

E tudo fica ainda mais emocionante quando a gente considera que:

- o show desse trio do Scofield com Steve Swallow e Bill Stewart foi o grande flop de Nova York em 2006. Porque foi no Blue Note, que comporta apenas os tiozões do whisky; e os engenheiros de som de lá aparentemente faltaram nas aulas de mixagem e equalização. O resultado é que o show foi praticamente um workshop de bateria, com ecos de contrabaixo aqui e ali e aproximadamente meio DB de guitarra. Pior: esse foi o show para o qual levei a Bel, após insistir horrores para ela ir comigo. E aí a gente foi e viu um não-show. Tudo bem que mesmo assim eu me diverti, afinal Bill Stewart é meu pastor - mas Scofield me faltou e, em situações assim, eternamente me faltará.

- Steve Swallow e Bill Stewart formam uma das seções rítmicas mais estranhas e criativas do mundo;

- aliás, o Bill Stewart, como já se disse, é meu pastor (e do Gabriel também): dou pulinhos de emoção quando ele faz aquelas polirritmias no aro da caixa. Isso vem do Roy Haynes, claro, mas que se pode fazer - acho que é natural a gente se identificar mais com o que nos é contemporâneo;

- o Bill Stewart - ainda ele - acaba de lançar disco novo (resenha no AAJ aqui) e creio não ser demasiado ingênuo de minha parte esperar que ele monte uma barraquinha de CDs no SESC;

- além do trio, o show conta também com uma seção de metais / madeiras;

- o show conta com isso porque é o show do This Meets That, que é nada menos que O MELHOR DISCO DO SCOFIELD EVER;

- então eu vou ver o show do MELHOR DISCO DO SCOFIELD EVER. Tudo bem que isso já estava implícito, mas deu vontade de escrever: foi uma frase-beliscão.

Moral da história #2: O fim de semana será passado ao som de vocês-sabem-o-quê.

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quarta-feira, 7 de maio de 2008

Três preciosos parágrafos

Fazia tempo que não me visitava com tamanha intensidade a sensação de que alguém escreveu o que venho tentando dizer há anos. Geralmente sinto apenas inveja do desavisado autor; desta vez, porém, o baque só me permitiu um suspiro aliviado: agora basta linkar, não é mais necessário escrever. Pois alguém disse em prosa - e em prosa de blog, tão essencial quanto efêmera - algo aparentado à letra que mudou o mundo pela primeira vez há trinta e dois anos:

"We're only particles of change
I know, I know
We're just orbiting around the sun
But how can I have that point of view
When I'm always bound and tied to someone?"
(Joni Mitchell, Hejira)

Agora confiram os três últimos parágrafos deste texto aqui, do Paulo Polzonoff Jr. Suspire comigo quem tiver narizes de suspirar.

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terça-feira, 6 de maio de 2008

Release do disco do Gabriel, versão 1.0 - HELP!!!

Gentes deste meu blog - e, principalmente, gentes que se interessam por jazz e música brasileira (Francisco, Homo antiquus, Giacomo e Cintia - é, é com vocês mesmo que estou falando!) - por favor, por favor mesmo, leiam o textinho abaixo com as seguintes considerações em vista:

- A idéia do release é que o jornalista / produtor que o leia, que nunca viu nem ouviu um Gabriel mais gordo, sinta-se impelido a ouvir o diabo do disco (que, de fato, deve ser coisa de Deus ou do Demo, de tão bom);

- "Instrumento de acompanhamento" é tão feio (riminha sem graça) - dá pra substituir pelo quê?

- O tal do "interlúdio com ecos de Lyle Mays", na verdade, não é interlúdio coisa nenhuma. Um interlúdio - ou ponte - leva a música de A até B, leva o troço de um lugar a outro. Não é o que acontece na música do Gabriel - trata-se de, bem, uma intromissão muitíssimo bem-vinda no samba. Então como é que eu chamo isso?

- A história de que o disco dá especial ênfase ao samba e à valsa é um semi-caô, pois valsas mesmo só há duas - mas é que elas são TÃO as minhas duas preferidas, que achei que isso precisava ser ressaltado! :-)

- Uma das valsas - a preferida do meu pai, e minha vice - está no myspace dele: Lis Bela.

- O frevo que vira marcha também está : Galopeando.

- Acho que o tamanho do texto está razoável. Mas o conteúdo que é bom... Não tenho nem idéia se serve como release. Será? Assessores de imprensa, manifestai-vos!

***

Aos 27 anos e com um mestrado em composição pela UniRio no currículo, o ilheense Gabriel Santiago presenteia o mundo com um disco surpreendente e generoso. Surpreende, em primeiro lugar, por ser o disco de estréia de um músico jovem, pois se trata do trabalho de um compositor e arranjador maduro, que já pôde processar agumas de suas principais influências - notadamente, Ivan Lins e a dupla Pat Metheny / Lyle Mays - para construir uma linguagem musical própria. (Diga-se desde já que esta linguagem prestou-se a ótimas conversas com músicos do porte de Odair Assad, Gilson Peranzzetta e Márcio Bahia, para citar apenas alguns.)

Constituído quase que inteiramente por composições do próprio Gabriel, o disco transita pelo jazz e pela música brasileira, com especial ênfase no samba e na valsa - sem, entretanto, dar a impressão de uma colcha de retalhos. O que dá liga a composições estilisticamente distintas é, de um lado, o "senso de inevitabilidade" que as permeia - aquela sensação tão subjetiva e tão concreta de que a cada nota e a cada acorde só poderiam seguir-se precisamente aquela próxima nota e aquele próximo acorde - e, de outro, o delicado entrelace de partes escritas e partes improvisadas, característica tão cara ao Pat Metheny Group. Esse cuidado com a composição faz de cada improviso registrado no disco uma seção tão intrínseca à música quanto uma introdução ou uma coda - mais do que a mera exibição das habilidades do solista.

Habilidade, aliás, é o que não falta ao Gabriel músico - manifesta não apenas em sua criatividade como improvisador como também em sua inteligente distribuição de acordes ao piano e em sua profunda compreensão rítmica do violão como instrumento de acompanhamento, especialmente no samba. E é precisamente aí que reside a generosidade do disco: Gabriel-músico está sempre a serviço do Gabriel-compositor e arranjador, que por sua vez se reporta ao Gabriel-ouvinte. E Gabriel-ouvinte optou por um disco facílimo de ouvir - já nas re-exposições dos temas, é inevitável surpreender-se cantarolando suas melodias - e, por outro lado (supomos), muito difícil de fazer. Pois para além da facilidade com que cada melodia agarra o ouvido, há uma sofisticação formal e harmônica que não se esgota em poucas audições. Ousamos dizer - que não se esgota.

Surpresas, como já se disse, há várias - vozes e cordas quando menos se espera; um frevo que aos poucos vira marcha-rancho; um interlúdio com ecos de Lyle Mays em pleno samba; arranjos de metais de fazer orgulho a Moacir Santos; um violão de 12 cordas e um violino que timbram como uma viola caipira e uma rabeca. Mas é preciso cuidar para que este texto não desmanche prazeres nem futuras surpresas: que se diga apenas, então, que o disco de estréia de Gabriel Santiago é impossível de se ouvir uma vez só.

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domingo, 4 de maio de 2008

Uma foto e um grupo de amigos

Gabriel em primeiro plano no 7 cordas - substituindo ninguém menos que Carlinhos! - com um grupo de samba de Macaé.

Minha amizade com Gabriel nasceu de um fórum do Pat Metheny Group, há exatos dez anos. Deu-se uma coisa curiosa: a meia dúzia de brasileiros do fórum usamos intensamente aquele espaço de discussão por uma ou duas semanas. Depois trocamos nossos respectivos e-mails e telefones e raramente voltamos a dar as caras por lá. Teve início então uma série interminável de e-mails, telefonemas e encontros temáticos, que dez anos depois continua sendo uma das maiores fontes de prazer da minha vida.

Naturalmente, minha amizade com estas pessoas hoje em dia ultrapassa em muito a mera - que, na verdade, só é "mera" para quem está de fora - conversa sobre cada um dos trinta e tantos discos e das centenas de shows (se somarmos a experiência de cada um) ouvidos. Mas a base é uma só.

Vejam bem: até o advento de Gabriel, Marcelo, Edinho e Tato em minha vida, eu era apenas uma adolescente bizarra que lia a Downbeat na aula de matemática e transcrevia solos de synth do Pat nas horas vagas para tocá-los ao piano (soavam horrorosos, claro).

Depois que os conheci, passei a ser uma adolescente cuja bizarrice pelo menos era compreendida e até amada.

O primeiro de quem fiquei bem próxima foi o Edinho. Em poucas horas de conversa pelo ICQ descobrimos que só não éramos irmãos porque, por alguma falha do planejamento divino, não compartilhávamos dos mesmos pais. Tal qual a Second Line, eu me emocionava só de pensar que ele existia: o momento em que o conheci pessoalmente não foi uma experiência de ineditismo, e sim um reencontro. Simplesmente demos continuidade a uma relação que, embora tecnicamente não existisse antes de nos conhecermos virtualmente, de fato sempre esteve latente. (Desculpem-me pela filosofada, mas não consigo ser mais precisa do que isso.) Hoje, falo e encontro com ele bem menos do que eu gostaria, e isso me entristece sobremaneira. Mas a esperança é a última.

Por meio do Edinho conheci o Marcelo, que calhou de ser a minha primeira paixão. Durou duas semanas cravadas, mas tudo bem - a primeira paixão marca bem mais que o primeiro sutiã. Como é que eu não ia me apaixonar - um homem daquele tamanho, o mais lindo que eu já tinha visto (segue firme entre meus top 3), forte, gostoso, tocando lindamente todo o repertório do Toninho Horta - e que ainda por cima preparava um leite com toddy que só ele! Eu só tinha que me apaixonar mesmo. Mas rapidamente a paixão se foi e deu lugar a um amor que é para toda a vida. Um dia seremos velhinhos a assistir juntos à última criação do J.J. Abrams enquanto comemos X-salada - ou seja, exatamente o que fazemos hoje.

Como o mundo é pequeno, o Marcelo conhece o Tato, que é um amigo que não se parece com mais nada na minha vida. Claro, ele faz parte dessa turma, mas... É muito, muito diferente. Com ele também se contabilizam horas e mais horas de ligações telefônicas, encontros em estúdios e idas à lojinha de CDs. Mas não sei. Talvez a grande diferença seja que, com ele, a ligação musical vai bem mais além do Pat do que com os outros amigos. Não importa. Como Dorival Caymmi e Joni Mitchell - duas, aliás, das paixões em que mais somos cúmplices - o Tato é uma amizade que parece ter vindo do nada (reparem que identificar influências claras tanto em Caymmi quanto na Joni é das tarefas mais complexas). E continua devendo ao mundo sua página no myspace.

Com o Gabriel - cujo disco, aliás, estou certa de que fará o Tato pirar de excitação -, deu-se o grude mais forte, talvez por termos praticamente a mesma idade: passamos pelo menos um ano conversando no mínimo duas horas por telefone todo fim-de-semana, e não tínhamos dois nem três assuntos. O assunto era um só: os shows do Pat Metheny Trio em São Paulo. Na verdade, hoje nem desconfio de que estranhos mecanismos nos utilizávamos para fazer um único assunto render tanto. Milagrosamente, porém, rendia. Acho que nem chegávamos a nos dar conta do absurdo daquelas conversas - toda semana, "e aí, o que será que eles vão tocar?". Novamente não importa, pois o absurdo fazia um bem imenso a nós que mergulhávamos nele.

Ao leitor deste blog não é necessária muita sagacidade para perceber meus vários defeitos. De um deles, porém, encontro-me inteiramente isenta: nunca, nem por um segundo, me esqueço da sorte que tenho de ter essas quatro pessoas em minha vida.

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Robôs a todo o vapor

Não sei se é a minha convivência com pessoas cujas vidas sexuais encontram-se bem distantes do barrigão da curva normal, ou se é meu próprio encalhe sexual que me tem levado a ver sexo onde não o há: o fato é que Iron Man tem a cena gay mais erótica do cinema desde o último filme do Batman, e ninguém me desconvence disso.

(Bom, nem vou me dar o trabalho de ficar gritando Spoiler! Spoiler!, porque sinceramente, alguém se importa com a trama do filme do Iron Man?)

Como eu ia dizendo. O filme vai indo, vai indo, até que para meu total deleite e prazer, culmina na famosa luta do Jaspion: aquela entre os dois robozões. Só que, claro, o Jaspion é muito melhor: a gente acha que foi só a edição dos filmes e o andamento dos sambas-enredo que ficaram mais rápidos nesses últimos trinta anos, mas também os robôs ficaram mais ágeis e passaram a lutar aceleradamente. E isso tira da luta boa parte da graça, porque o legal dos robôs é justamente sua trambolhice, sua lerdeza de dinossauros do século vinte-e-algo. Por outro lado, robôs à la Cirque du Soleil evocam todo um outro tipo de graça - ao menos para um grupo bem específico de pessoas.

Na luta dos robôs, como sói acontecer, o malvado é um robozão grandão fodão e o Iron Man, coitado, já está meio acabadinho, com sua armadurinha - a-ham - vermelha e dourada (esqueceram de dar os créditos pro Joãosinho Trinta). Tal qual o Jaspion - e, antes disso, tal qual o Rocky, e tal qual algum personagem bíblico que não sei quem é mas que certamente existe, pois essa lógica toda é extremamente judaico-cristã -, o Iron Man apanha bastante para dar o troco (ajudado pela mocinha, óbvio) no final.

Só que, antes do desfecho óbvio...

O robozão pega o robozinho com gosto. Eles se esfregam, se atracam. O ferro de um roça no titânio do outro a valer. O robozão faz o que quer do pequenininho - segura, amassa, tortura, torce. O pequenininho fica ali, totalmente entregue ao poder do fodão. É que robô não tem língua - mas foi só o que faltou para caracterizar completamente as preliminares do coito.

Certamente, em alguma esquina obscura (ou nem tanto) da internet, uma comunidade gay BDSM planeja sessões baseadas no confronto Tony x Obadiah enquanto vocês lêem este post.

***

P.S.: Prova de que minha interpretação do filme faz todo o sentido é que meu primo de 15 anos riu muito quando a expus para ele, mostrando que entendeu perfeitamente tudo o que eu disse.

P.P.S.: Further evidence à minha interpretação: é também bastante erótica a cena em que o violão (o ótimo Jeff Bridges, que temperou sua atuação com a dose exata de canastrice) paralisa o mocinho e declama o tradicional discurso-do-vilão, fazendo aquela tortura psicológica de praxe. Como, diferentemente dos robôs, os humanos possuem língua, eu estava vendo a hora em que o Jeff Bridges ia tascar um lambão no Robert Downey - mas não foi desta vez. Deixaram esta parte para a comunidade gay BDSM mesmo.

P.P.P.S.: Eu olhava para o mocinho e só conseguia pensar, "coitada da Carrie..."

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quinta-feira, 1 de maio de 2008

Saudade de NOLA (segunda parte das fotos musicais)

Em alfa na Second Line, a festa popular mais bonita que já presenciei. Existe uma pequena coleção de eventos no mundo que me enlevam por uma qualidade anterior à sua essência (sua beleza, sofisticação ou magistralidade); tais eventos comovem-me por sua mera existência. A Second Line é o exemplo mais paradigmático disso. Pensar que existe uma cidade no mundo onde as pessoas saem às ruas para ouvir uma banda de metais tocar swing - pensar que essa cidade existe - é mais emocionante do que qualquer coisa que a dita banda possa tocar. Mas, pra ajudar, a banda ainda toca - a tuba comanda os movimentos do seu corpo, queira você ou não; solistas vários capturam os seus ouvidos e dançarinos impossíveis capturam os seus olhos. Finalmente entendi, bobinha que sou, de onde vêm os arranjos de metais dos discos do Jaco.



Outra coisa legal das Second Lines é que toda semana tem uma acontecendo - não são necessárias datas comemorativas para que os músicos se reúnam para tocar e as pessoas para ouvi-los; e, glória suprema, a Globo ainda não as descobriu. Podem olhar à vontade: não se vê nem sinal do Fernando Vanucci.



Aproveitando a acústica do viaduto.



A súdita mais feliz.



Fico aqui falando da cidade mas, no fundo, saudade mesmo eu tenho de dois gentlemen, um dos quais encontra-se todo sorridente logo acima.

Conheci o Paulo assim - e olha que a parte embaraçosa da história eu não tinha contado pra ninguém até agora! -: como eu estava com um carro alugado, acharam por bem me pedir - naquela maluca e deliciosa mania do povo do departamento de misturar português, inglês e espanhol - para que eu fosse pegar um speaker e trazê-lo para a universidade.

"Que legal, é claro que eu vou - só me fala direito o que é, e onde é."

(Reparem bem - eu perguntei o que era. Felizmente ninguém pareceu notar.)

"É um tal de Pedro... Pedro Araújo, conhece?"

Meu pensamento imediato foi:

"Que pena, não é Dynaudio!"

Ou seja: tamanha é a musicalidade de New Orleans, que quando me pediram para buscar o speaker eu achei que estava para transportar caixas de som - e logo as melhores do mundo!

Mas o speaker, no fim, não era nem Dynaudio nem Pedro, e sim Paulo César de Araújo (blog a caminho) - que para mim, então, era apenas o personagem principal e involuntário de uma das maiores pataquadas da história do judiciário brasileiro.

Mal sabia eu que passaríamos - Alex, ele e eu - dois lindíssimos dias e noites juntos, cuja lembrança agora me toma de supetão.

Debatemos sobre os diferentes papéis de Tom Jobim e João Gilberto na criação da bossa nova e na divulgação da música brasileira no exterior; a qualidade (ou falta de) do disco Jazz Samba; as melhores e piores letras em inglês do repertório Jobim; a diferença entre bossa nova e muzak; as inovações rítmicas que se diluem e perdem numa bossa nova pasteurizada; o paradeiro de Newton Mendonça. Realizamos um dos sonhos da vida do Paulo ao irmos a um cinema de 1920; realizamos um dos meus ao ir ao Snug Harbor ouvir o quinteto do Delfeayo Marsalis. Andamos muito pelo centro, pelo French Quarter, pelas margens do rio e até pela Bourbon Street; conhecemos a loja da Hustler e compramos balangandãs para a filhinha do Paulo (não na Hustler, calma). Comemos cookies e rebolamos para achar pratos vegetarianos para ele; assistimos a diversas palestras sobre música brasileira; Alex e eu autorizamos o Paulo a, caso fôssemos atropelados pelo trem, relatar o ocorrido; Paulo tentou me convencer de que Sua Estupidez é uma obra-prima (é, Paulo, é bonitinha, isso eu concedo); eu esqueci de tentar convencê-lo de que o melhor baterista de bossa nova do mundo é mexicano. Tivemos diálogos impagáveis, um dos quais já adianto agora:

Paulo cantarola: - "Eu tenho tanto / pra lhe falar / mas com palavras / não sei dizer"...

Eu: Ah, eu não acredito que, depois de tudo, você ainda fica cantando isso!

Paulo: É engraçado, as pessoas me perguntam se não tenho ressentimento do Roberto... Mas sempre soube separar muito bem o artista da obra. A obra supera em muito o artista.

Eu: Não! Não é isso. Eu não acredito como você consegue gostar dessa música. (Depois de um dia em que falamos à beça sobre bossa nova etc.)

Desnecessário dizer que o Paulo é uma pessoa que eu adoraria ter sempre bem perto de mim.



Grace & Will - com a diferença de que Alex não é gay e eu não sou chata. Esta foto e a anterior têm também o valor histórico de reunir 75% do eleitorado do Cristóvão Buarque nas últimas eleições presidenciais.

Saudade desses rapazes; saudade daqueles dois dias.

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