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segunda-feira, 19 de maio de 2008

Alguns apontamentos sobre Atonement, o livro (spoilers! back off!) - ou Uma leitura kleiniana de um aspecto de Atonement (spoilers! valha-me Deus!)

Recentemente terminei a leitura de Atonement e desde então não consegui voltar a nenhuma das outras cinco leituras já engatadas. Pensei então que minha leitura talvez não estivesse tão concluída como eu imaginara. Decidi, assim, desenvolver alguns comentários que preciso dividir com alguém que já o tenha lido (se você for uma destas pessoas, por favor manifeste-se) - quem sabe assim a vida volta a fluir como um rio por aqui (um dia preciso contar esta história).

***

O livro, para mim (e esta é a primeira e última vez que escreverei "para mim", porque vamos combinar que isso é óbvio), trata justamente dos limites do atonement. A tradução por reparação é boa, mas falta-lhe certo je ne sais quoi. Penso em atonement como um misto de reparação e, antes disso, caída de ficha. Isto é, o atonement envolve, além do gesto reparatório, o próprio sentimento de culpa.

Vamos combinar também que minha leitura é kleiniana, claro. São esses os óculos que visto e por meio deles que desejo enxergar. Daí minha relativa insatisfação com a tradução do termo - reparação, em inglês, é reparation mesmo. Atonement parece referir-se, mais precisamente, à própria elaboração da posição depressiva.

Coisa que a Briony adulta e velha faz apenas até certo ponto. A culpa que lhe avassala é necessária porém não suficiente para ela dar à sua própria vida o direito de voltar a correr. Ela empreende, assim, tentativas de reparação. Isso é o que lhe move. Mas, de alguma forma, ela nunca é inteiramente bem-sucedida - o livro acaba com Briony ainda na dúvida se o livro-dentro-do-livro trará o feliz casal na sua celebração de aniversário, tantos anos depois. Ela vive um processo de elaboração infinito, que nunca pode ser concluído - tanto que a saída que se coloca, ao final do livro, é o apagamento puro e simples de sua memória. É tocante, aliás, perceber como, para Briony, sua demência iminente é muito menos traumática do que o cerceamento de uma última tentativa de reparação (i.e., a publicação do livro).

Mas é importante retomar tudo o que de importante o atonement de Briony envolveu. Em uma palavra, limitação, empregada aqui no melhor sentido do termo. Limitação de sua onisciência e onipotência. Aliás, é curioso lembrar que, muito antes da onisciência arrogante de Briony, já estava dada a onisciência da mãe. E limitação, principalmente, da onipotência incrível de seu "Well I can. And I will", uma das frases mais impactantes da obra (ao final do capítulo 13).

Acompanhamos a limitação de sua onisciência nas dúvidas que expressa quanto ao destino a ser dado aos personagens Cecilia e Robbie. Ela sabe que este destino deve ser feliz, mas não sabe de que forma concretizar esta felicidade em palavras. Mais de dez versões depois, ela ainda não está convencida de ter chegado à versão final. Pois, de fato, mil versões não dariam conta do problema de Briony: todo o drama está em seu ato ter levado, mais do que à morte de Robbie e da irmã, à morte de tudo o que eles poderiam ter sido e não serão jamais. Mil, dez mil versões do livro-dentro-do-livro não bastam para cobrir todas essas possibilidades.

E sua onipotência é belamente transferida para o campo da literatura, tão infinito quanto precisamente definido pelos limites da linguagem. Sim, Briony cresce e torna-se Deus - mas apenas no que se refere ao universo da escrita. Isso é crescimento emocional.

Crescimento que parece impedido justamente no que tange à reparação. Pois Briony não se contenta com a reparação simbólica - e simbólica é apenas e tudo o que a reparação pode ser - é como se seu sofrimento só pudesse ser finalmente aplacado por meio da ressurreição dos dois. Voltamos, assim, à onipotência - à revolta com os limites do símbolo - que impossibilita a Briony uma reparação plena. E essa é uma das maiores riquezas do livro: mostrar o crescimento de Briony par a par com sua estagnação. Creio ser desnecessário explicar que estas palavras - "crescimento" e "estagnação" - não se referem a um julgamento moral sobre a personagem, e sim a uma consideração bem próxima de suas estratégias para lidar com o sofrimento.

Mas a saga psíquica de Briony de forma alguma constitui o ponto central do livro. Aliás, pensei e pensei e não cheguei a conclusão alguma sobre qual seria este ponto. Acabei pensando que ele não existe. Ou melhor - existem em tamanha quantidade, que a eleição de um só necessariamente resltará numa leitura incompleta. Como a que acabo de desenvolver.

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