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terça-feira, 21 de outubro de 2008

Fenomenologia da saudade

Estou em New Orleans fazendo pós-graduação em literatura e em saudade. E olha que eu achei que já sabia tudo sobre saudade, por causa da morte da minha mãe e de uma certa história infernal que os chegados conhecem muito bem. E não é que estou sendo obrigada a rever - e viver - tudo de novo? Eu não deveria me surpreender, afinal as análises são intermináveis e os complexos de Édipo reelaborados ao longo de toda a vida - eu deveria saber que isso iria acontecer. E no entanto eu não sabia: a mocinha aristotélica que há em mim sobrepujou a freudiana - assim sendo, espantada estou.

Porque diz o senso-comum que a saudade aumenta proporcionalmente ao tempo e à distância que nos separa do objeto amado.

E hoje percebo que isso é mentira. Ou melhor, até pode ser verdade - mas é apenas uma verdade entre várias. No meu caso, a saudade tem vindo em ondas.

A primeira pessoa de quem senti muita saudade chegando aqui foi o meu pai. Porque, por razões que não cabe ficar explicando, a verdade é que meu pai e eu não nos despedimos. Ou nos despedimos muito rápido, no tempo dos relógios, não no meu tempo interno. Não sei como estava o tempo interno dele, como aliás a gente nunca sabe nada sobre os outros mesmo. Fato é que despedidas são importantes, fazem parte do processo de luto e não por acaso passei três anos da minha vida lendo e escrevendo sobre isso. Dizer que não se gosta de despedidas tornou-se praticamente um truísmo emocional, e é fácil entender o porquê - ninguém gosta de perder o que quer que seja, ainda mais a companhia de alguém que se ama. Mas essa afirmação, ao mesmo tempo que aponta para uma verdade, é também bastante imprecisa, como de resto qualquer clichê. A gente não gosta é de perder alguém. Das despedidas, não se trata de gostar ou desgostar, não é isso o que está em jogo: o fato é que precisamos delas. Mas nem por isso sobrevirão grandes tragédias quando uma boa despedida não puder acontecer - como no caso de que estou tratando aqui. Agora a saudade do meu pai está ok. Falo com ele por skype quase todo dia, conversamos sobre música e política, enfim, está tudo bem.

O que não está bem, agora, é a saudade que venho tendo da minha tia.

Ela dormiu comigo na minha cama, por três noites. Em uma delas, senti que ela me fazia um carinho na testa. Fiquei tão emocionada que quis acordar, e tão enternecida pelo poder do gesto que continuei dormindo.

Esse carinho e tantos outros me perseguem agora. Cadê o carinho de tia que não está mais aqui? O gato comeu? Não, o avião levou. Felizmente o avião não leva as memórias emocionais da gente. Mas está ruim. O contato tão próximo com ela durante aqueles dias não mitigou a saudade - pelo contrário, aumentou-a.

Outra saudade que está ficando forte a ponto de me impacientar um bocado é a saudade da Bel. E, pra ajudar, da Lu também. Saudades do contato físico mesmo - assim como o carinho de tia, carinho de Bel e quitute de Lu (os quitutes da Lu constituem uma forma de carinho das mais poderosas que já experimentei). O bom da Bel e da Lu é que, como elas são pequenininhas, cabem fácil num abraço só.

Acho que a saudade da minha tia está mais forte porque ela foi a última a chegar, e a saudade das meninas aumentou por elas serem as próximas a vir.

Já a saudade da minha avó não tem me incomodado muito, ultimamente. Entrei num estado mental de insensibilidade com relação a ela, depois de toda a tormenta com o não-visto. Melhor assim, porque se eu for inventar de sentir qualquer coisinha que seja, estou bem arranjada - só irei vê-la em maio do ano que vem. Mais vale continuar nesta nuvem de numbness mesmo.

Mas é claro que isso é ilusório. A nuvem logo se irá, para mostrar sem dó nem piedade a montanha que é a falta que a minha avó me faz. Minha praia tem várias montanhas, e nelas batem ondas, e meu barco não será por elas derrubado. Porque eu entrei nesse barco para tomar um sol, comer uns peixinhos, ler uns romances. É o que venho fazendo. Literalmente.

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