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terça-feira, 21 de outubro de 2008

Momento recreio: comentários desimportantes sobre músicas desconhecidas

Eu devia estar lendo, eu devia estar estudando (e, na verdade, estou mesmo, prometo!). Mas, se eu não parasse um pouquinho para procrastinar, não seria eu. Em 90% dos casos, minha procrastinação envolve música, e hoje brinquei com musiquinhas novas - sobre as quais falarei aqui não como eu falaria numa mesa de bar, que a Liga da Justiça não costuma se encontrar em bares, mas como eu falaria num certo apartamento em Pinheiros ou numa certa casa no Morumbi.

Seguem algumas impressões iniciais sobre duas músicas de dois lançamentos recentes:

Vamos começar com reclamações infundadas e levianas: Stefano Bollani é um bolha, um mala, uma fria! Quer dizer, na verdade ele deve ser o máximo, como é que eu vou saber? Mas uma coisa eu sei e digo logo: tem uma música no disco novo que me causou altos muxoxos. Fui direto nela, porque tinha participação da Mônica (Salmaso), e a música é justo Folhas Secas, e eu nunca tinha ouvido a Mônica cantar Nelson antes. É um duo, piano e voz, que começa com ela fazendo o que sempre faz isto é, cantando a melodia exatamente como ela foi escrita, com quase zero de vibrato (às vezes ela põe um pouquinho no final da frase) e o segundo timbre mais lindo do mundo. O pianista, até aí, não compromete, mas também não acrescenta muito: ele não faz nenhuma grande inovação harmônica, e isso eu até acho bom, no caso dessa música tão obra-prima etc. E haja acordinhos na região aguda do piano, no melhor estilo caixinha-de-música, até que chega o B e ele explora mais os graves, com uns apoios na mão esquerda. Mas os agudos continuam lá, claro - tanto que ele faz até "plim!" uma hora (aquela nota absolutamente irritante que estraga um silêncio até então bastante bonito). Volta o A, volta a caixinha, mas agora mais elaborada, o piano preenchendo mais espaços entre um acorde e outro. Então começa um interlúdio lindo, solto, a melhor coisa da música - ao fim dele, parece que o piano vai "citar textualmente" a melodia correspondente a "e assim vou me acabando" e dá um olé no ouvinte, é bem legal mesmo. Chega-se assim ao B mais uma vez ("quando o tempo avisar"), e acontece o quê? Bem, acontece uma tentativa de samba lento no piano. E aí é o horror. Pra começar, criatividade menos um nisso aí. Pra continuar, o que acontece, na prática, é que o cara fica marcando o primeiro tempo de um jeito que não só é monótono como entrega que ele não tem a menor intimidade com aquilo. Se a cantora fosse outra, talvez o efeito não fosse tão patético. Mas a cantora é a Mônica, que não é nem um pouco dada a arroubos rítmicos e dinâmicos, e aí já viu: ao canto absolutamente previsível une-se um acompanhamento mais previsível ainda, e nem terminar de ouvir a música eu terminei.

Antes que me digam a ou b: eu amo a Mônica e é até meio ridículo escrever isso, como se todo mundo que me conhecesse não soubesse. Quando digo que ela tem o segundo timbre mais lindo do mundo para estes meus ouvidos, não estou brincando. Também não estava brincando quando passei dois anos da minha vida indo vê-la cantar semana sim semana não, e muito menos quando digo que o Nem 1 Ai está entre os três ou quatro grandes discos deste ano. Só que aí é que está. A fidelidade dela à melodia precisa ser justaposta a muita variedade em outras áreas da música para que a coisa fique interessante. Na Orquestra Popular de Câmara, a própria diversidade timbrística da banda proporcionava esse contraste, que é o que me agrada. E, no Nem 1 Ai, bem, duas palavras: André Mehmari. Ali temos o contraponto perfeito ao estilo dela - não se trata de uma união complementar tipo queijo com goiabada, e sim de uma suplementação: um responde ao que está ausente na voz musical do outro. Justapõem-se, assim, estabilidade e mutabilidade, fixidez e fluidez, Parmênides e Heráclito. Mas vamos ao próximo disco que eu certamente jamais mencionaria filósofos pré-socráticos numa reunião da Liga.

Charlie Haden acaba de lançar um disco tipo Caymmi visita Tom e leva a filharada toda - com a diferença de que, aqui, participam uns amigos também: Pat (claro), Bruce Hornsby, Jerry Douglas... Será que a sustância dos amigos é para compensar o amadorismo da família? Não tenho nem idéia, não sei se mulher e filhas mandam bem. Mas o filho sim, e isso não foi novidade nenhuma - o "if we meet again I'll tell you how I feel" é talvez a coisa mais tocante do Seven Days of Falling (calma que eu explico). O 7 Days é um dos meus dois discos preferidos do já extremamemente saudoso E.S.T., e Josh Haden pôs letra na balada que tem lá. Primeiro a balada aparece na faixa 5 (certeza nenhuma aqui), só com o trio. Aí, depois que a última música do disco acaba, temos uns três minutos de silêncio e a balada volta, desta vez com Josh cantando - lento, smoky, tristíssimo. Parece que ele tem uma banda cujas composições são todas assim, quase-parando, mezzo deprês mezzo esperançosas. Queria muito ouvir. Enfim, em Rambling Boy (o Caymmi visita Tom dos estado-unidenses) o ponteiro do meu mouse foi direto em Spiritual, que é também a última música de Beyond The Missouri Sky (bom, isso eu não vou ficar explicando). Ali, ela destoava das demais por contar com uma percussãozinha ao mesmo tempo meia-boca e absolutamente apropriada, e por começar com uns arpejos ainda mais simples do que toda a simplicidade que o disco até então evocara. E o encarte trazia a letra, que, assim como a música, é do Josh. Passei muitas horas do ano de 1997 ouvindo e lendo Spiritual, lendo e ouvindo, até que - surpresa! - ontem, quando ouvi a música com letra pela primeira vez, eu ainda sabia vários trechos de cor: "I don't wanna die alone / (...) now all I have is you". Tudo bem que eu folheei o encarte inúmeras outras vezes de 97 para cá, mas aquelas tentativas de sincronizar letra com música, só no primeiro colegial mesmo.

E tem o Jerry Douglas, nesta Spiritual nova. É engraçado, porque a reação é praticamente knee-jerk ao ouvir o som e as frases características dele: cadê a Alison Krauss? E vejam que coisa - não é que a Alison Krauss não aparece? Eu não havia percebido o quanto a voz dela estava associada, para mim, ao acompanhamento dele (aliás, é dobro o nome daquilo?). E isso me fez pensar. Que boa parte das pessoas que dizem gostar da Elis, por exemplo, na verdade gostam de Elis + César, e nem se dão conta disso. A gente nunca gosta de um instrumentista qualquer “solto no espaço”, independentemente dos outros músicos com quem ele ou ela esteja tocando. E, ainda assim, costumamos muito freqüentemente isolar as vozes de um e de outro – esquecendo, por exemplo, que a voz da Alison Krauss vem das suas cordas vocais tanto quanto do lance lá do Jerry Douglas. E bora parar de novo, que reflexões sobre a intersubjetividade musical também não costumam fazer parte das reuniões da Liga.

Ah é, e eu preciso estudar. O recreio acabou. :-)

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