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sábado, 26 de janeiro de 2008

Minha vida amorosa

Dia desses uma amiga que andava afastada me liga e pergunta:

- E aí, Cá, como anda a vida amorosa?

Pausa à la Matrix. Atentem bem para o vocabulário utilizado: minha amiga não perguntou se eu estava saindo com alguém, ou se tinha conhecido uma pessoa nova. Não indagou se eu estava apaixonada ou desiludida. Não quis saber se eu tinha voltado com meu ex-namorado, ou mandado-o às favas. Tampouco se interessou em saber se virei lésbica, libertina ou freira. Nada disso: minha amiga perguntou de minha vida amorosa.

Bom, uma pessoa minimamente racional pode interromper a leitura por aqui, pois é óbvio que qualquer um é capaz de entender o que minha amiga quis dizer: ela perguntou tão-somente se estou dando para alguém nos dias que correm. Mas, por algum motivo, não consegui me ater ao significado pretendido. Tanto que forneci a resposta mais idiota que alguém poderia conceber nesta situação:

- A vida amorosa... vai indo.

Felizmente, porém, a resposta não soou nem de longe tão idiota quanto efetivamente se revela agora por escrito, pois a verdade é que minha amiga estava muito menos interessada em saber como andava minha vida amorosa do que em informar-me sobre a dela.

Mas o objeto deste texto é a pergunta, não a resposta - e, principalmente, seu extraordinário efeito de fazer com que, de repente, eu sentisse que não estava mais conversando com minha querida amiga, e sim com a última edição de Nova. Pois que outra pessoa utiliza a expressão "vida amorosa" além da editora-chefe de Nova?

Afinal, em Nova, bem como em suas publicações-irmãs, fala-se muito das seguintes áreas da vida: saúde, trabalho, família, e vida amorosa. Tá certo, muitas vezes vida amorosa é substituída por vida sexual, ou mesmo por amor. Mas meu ponto aqui é que nunca encontramos um teste que avalie sua vida higiênica, vida trabalhista, vida familiar e amor. Donde se conclui que: 1) o cuidado com a saúde, o trabalho e a família não constituem propriamente aspectos da vida, reduzindo-se a meras distrações com que nos ocupamos enquanto não vivemos a vida verdadeira, a amorosa; 2) as vidas higiênica, familiar e trabalhista de uma pessoa são obrigações que nada têm a ver com o amor. (O leitor atento perceberá que 1 e 2 são duas faces da mesma moeda, e o leitor desatento atentará para a repetição desnecessária do termo "vida" nos períodos anteriores. Já o leitor chato será o primeiro a lembrar que eu mesma utilizo a expressão "vida amorosa" no meu perfil do blogger.)

Não sei quanto aos leitores atentos e desatentos, mas com relação à minha própria vida - a única, aliás, sobre a qual posso falar com alguma autoridade - não houve até hoje uma relação amorosa sequer que não me tenha demandado um trabalho desgraçado. E, por outro lado, minhas quiçá fúteis tentativas de ser feliz ainda nesta vida implicam fazer dela uma experiência amorosa em sua totalidade. Porque, goste eu disso ou não, apenas o amor é capaz de me mover. O amor e os prazos, claro. Mas talvez eu esteja usando amor, aqui, em oposição a medo. Já vi gente trabalhar que nem louca por medo da reação do chefe, do orientador, do supervisor - enquanto que eu, ao sentir medo de qualquer espécie de retaliação por parte de quem quer que seja, viro uma songa-monga legítima.

Mnha vida amorosa aproxima-se daquilo que Freud chamava de vida sexual - e que, no meu caso, inclui as minhas amigas, os pais delas, este blog e os discos do quarteto americano do Keith Jarrett. E do europeu também, lógico.

Minha vida amorosa às vezes melhora muito quando estou dando para alguém. Outras vezes piora.

Minha vida amorosa pode até caber num post, mas certamente não cabe como resposta a uma pergunta que serve prioritariamente como trampolim para uma afirmação do interlocutor.

E, pensando assim, minha resposta até que foi bem espirituosa:

- Minha vida amorosa... vai indo.

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