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segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Jazz for Obama

Se Obama conseguir não perder as eleições, os Estados Unidos da América terão, pela primeira vez, um presidente... (negro? por favor, né? alguém achou mesmo que eu seria a quaquigésima pessoa a dizer isso?) que gosta de jazz.

A bem da verdade, é claro que não faço a mínima idéia se ele seria o primeiro primeiro presidente dos EUA que gosta de jazz - sei que seria o primeiro desde que, sei lá, eu nasci. (É importante considerar que nasci já faz um tempinho.) E isso, se não é assunto suficiente para uma tese de doutorado, certamente é assunto de sobra para um post.

Assim, coloquemos o fato em perspectiva: o gosto musical de Obama importa para?... Deixa ver... Ah sim, lembrei: nada. Se gosto musical de político importasse para alguma coisa, eu jamais poderia votar no Lula, nem no décimo quinto turno. Mas não deixa de ser uma curiosidade-de-almanaque interessante, e um alento para quem nos últimos anos presenciou Bush emocionando-se com Alexandre Pires e Clinton tecendo loas a Kenny G. Este é o único ponto, aliás, em que consigo achar Bush melhor que Clinton: pelo menos, o atual presidente não foi hipócrita. Porque convenhamos, você dizer que gosta de jazz e depois mandar um "Kenny G is my favorite musican" é análogo a afirmar que você adora literatura e então citar a Revista Sabrina como a sua obra de referência e adoração máxima. Foi precisamente isso que Bill Clinton fez (com o Kenny G, com a Sabrina não posso dizer).

Sinceramente? Até hoje não sei se essa história do músico favorito foi sincera - afinal, tanta gente gosta do Kenny G, por que não o presidente? - ou se foi apenas mais um dos muitos atos populistas dos Clinton. Porque eu realmente acho muito difícil conceber que uma pessoa que gosta de Joni Mitchell a ponto de batizar a filha com um nome extraído de uma canção da mestra (Chelsea Morning) possa também gostar, ao mesmo tempo, de coisa tão ruim. Felizmente, porém, os seres humanos somos complexos e capazes das maiores e mais interessantes contradições - e somos também narcisistas e ambiciosos e doidos para se portar de modo a agradar a galera. A verdade é que jamais saberemos o que vai no iPod de Clinton, e graças a Deus, porque ninguém precisa de tanta informação.

Bush filho, por sua vez, bateu palminha para o galã latino, e este foi apenas um dos muitos atos deploráveis do seu governo. Mas pelo menos foi um ato condizente com a personalidade dele. Ou alguém acha que aquela emoção toda com o louvável representante da nossa música na Casa Branca (me recuso a linkar, sorry - vejam que neste post só estou linkando para as coisas boas) foi pra fazer uma média com a nación brasileña?

Mas este post é sobre Obama, que recentemente citou Miles, Coltrane e Charlie Parker entre suas preferências e elegeu Stevie Wonder como seu grande herói musical (outra bola dentríssimo). E, principalmente, este post é sobre músicos de jazz se organizando para apoiar Obama. Portanto, se você for um nova-iorquino democrata interessado em jazz - ou conhecer alguma criatura assemelhada a isso - e estiver disposto a investir cem dólares no futuro da nação, risque sua agenda - ou faça campanha para que risquem - na quarta-feira à noite:



O que impressiona é a diversidade e sobretudo a qualidade dos músicos participantes do evento. Vai ver se fizeram coisa parecida há quatro anos. Uma coisa há que se reconhecer: a capacidade obamística de mobilizar as pessoas é realmente fora do comum. Chegou até a este blog. :-)

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sábado, 27 de setembro de 2008

Maldita crise econômica, malditos japoneses, maldita inveja


O título da notinha é enganoso: você lê "original group format" e pensa ih, será que tão dando uma de Police ou Bee Gees - Mark Egan e Danny Gottlieb de volta? Mas aí você continua lendo e entende que não, tão dando uma de Quartet mesmo. Conclusão: estou mordendo meu braço enquanto digito.

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O debate - um temor, um alívio e uma profunda decepção

Eu adoraria poder dizer que sou mais desinformada politicamente do que a média da população brasileira, pois o tempo, esforço e pensamento que invisto em questões do bem-estar público são quase nada perto do que gasto pensando em, hmm, o último disco do Vince Mendoza que ainda não ouvi. E o último do Dave Holland, então, que é um sexteto com Alex Sipiagin? (Tô tão atrasada com os lançamentos, é de matar).

A propósito, ontem ouvi um comentário muito apropriado sobre o personagem Molina, d'O Beijo da Mulher Aranha, com o qual perigosamente me identifiquei: que a visão dele de mundo, no início do filme/livro (antes da experiência transformadora à qual é submetido pelo contato com Valentín) é totalmente mediada pela estética, nada tem de política. E, se levada às últimas conseqüências, uma visão puramente estética do mundo produz aquilo: a pessoa não se importa com o fato de o filme preferido dela ser um item de propaganda nazista, pois só o que lhe interessa ali é a história de amor retratada.

Então às vezes fico pensando que resvalo nisso, dada a desproporção do meu interesse sobre questões estéticas, emocionais e hedônicas sobre todo o resto. Mas a verdade é que eu só poderia resvalar nisso se vivesse num mundo em que as pessoas se preocupam com o fazer político muito mais do que eu.

Infelizmente, porém, não é num tal mundo que vivo e vivemos. Aparentemente o mero fato de eu me lembrar do candidato a deputado federal em que votei nas eleições passadas - que hoje, aliás, seria meu candidato à prefeitura de São Paulo - faz de mim uma pessoa altamente politizada, para os padrões brasileiros. Para os padrões estado-unidenses, não sei - ainda estou chegando -, mas não creio que a situação seja muito diferente disso. Acho que o mero fato de eu me dispor a votar (e, inclusive, fazer a mais absoluta questão disso), caso eu votasse aqui, também já faria de mim uma pessoa supostamente politizada.

Todo esse blá-blá-blá foi para introduzir algumas impressões gerais sobre o debate de agora há pouco:

- Tentei assisti-lo com os olhos do americano despolitizado dos swing-states, que é a criatura que importa para ambas as campanhas agora. O problema, naturalmente, é que não sei quem é este ser; tenho minhas suspeitas, e só. Enfim, pensando neste cidadão dos grotões estado-unidenses onde proliferam as camisinhas brilhantes de Jesus, tive medo do seguinte jogo retórico que se travou: Obama repetindo "John McCain is absolutely right" e McCain martelando "Obama doesn't seem to understand".

Entendam: eu gosto dessa estratégia retórica do Obama, de deixar claro no que ele está de acordo com seu adversário e de marcar bem quais são as diferenças. Acho que isso é honesto para com o eleitor. Mas isso acho eu, que não voto e não importo. E o eleitor apartidário que calhou de ver o debate, o que pensa esta pessoa? Será que pega bem Obama dizer que seu oponente está correto - por mais que explicite, logo em seguida, tudo aquilo em que acha que McCain está errado? Será que este eleitor desconhecido não vai entender apenas que, bem, se até o candidato democrata acha que o republicano está certo, então o velhinho deve ser bom mesmo?

(Sim, eu subestimo a inteligência deste cidadão desconhecido. Subestimar a inteligência e superestimar a irracionalidade das pessoas costuma ser o mais prudente a fazer quando se trata de política.)

Já McCain manteve uma postura arrogante o debate inteiro, tipo "esse rapazola aí pode até ser bem intencionado e tal, mas vejam como é bobinho, como é inexperiente, como não entende as coisas". Obama doesn't seem to understand, eis a questão. Tenho medo de que isso cole e cale profundamente no já citado eleitor.

- Por outro lado, fiquei bem aliviada por Obama ter enfatizado o óbvio: McCain é o candidato do Bush. É algo tão simples, e que a campanha republicana faz os maiores malabarismos para distorcer - McCain bateu muito na tecla de que nunca foi Miss Congeniality, e eu só ficava pensando "mas meu senhor, é claro que o senhor não é a Sandra Bullock". É como quando Maluf falava em "Dona Marta do PT" - uma estratégia corretíssima, associar o nome da candidata a algo que o eleitor rejeita (em que pese o inaceitável machismo do "dona"). Obama tem em mãos a mesma possibilidade, elevada à hiper-complexa potência: relembrar o eleitor de que se há algo que lhe incomoda na situação política e econômica do país, votando em McCain ele estará votando pela continuidade do mesmo projeto político e econômico dos últimos oito anos. Simples assim.

- Passou-se também algo que, suponho, deve ter agradado ao tal eleitor desconhecido, mas que me enoja e decepciona profundamente. Eu não sabia que Obama era assim - que ele mantinha o discurso maniqueísta e imbelicizante do "let's kill those motherfuckers", "vamos capturar e matar os bad guys" (eu quase tive uma síncope quando McCain falou nos famigerados bad guys, a roomate foi testemunha). Nesse ponto, Obama e McCain são iguaizinhos, a síntese de tudo o que os Estados Unidos têm de pior: o discurso e a prática da polícia do mundo, dos bonzinhos que hão de capturar os malvados. Patético. Assim, a crítica de Obama à guerra no Iraque fica completamente vazia, pois mantém-se a idéia de que a guerra tal como foi era necessária, o governo atual só errou o endereço: deveria ter sido no Afeganistão.

Eu não sei se uma guerra no Afeganistão é necessária, não entendo nada disso. Mas muito burra eu não sou. E uma coisa eu sei: se Obama veio para trazer alguma mudança no cenário político atual, a idéia não seria justamente formular um discurso sobre o terrorismo um tiquinho mais complexo do que o ruim e velho "mocinhos caçando bandidos"?

Fico torcendo para que esse ímpeto caçador seja apenas uma estratégia retórica para agradar ao eleitor dos grotões. Mas mesmo que seja "só isso" - para mim, infelizmente, já fudeu. Sigo uma eleitora democrata imaginária, claro - mas a frustração que sinto ao ouvir um futuro (esperamos) chefe de Estado dizer que vai capturar e matar uma pessoa é a antítese absoluta do orgulho que me enche a alma quando o presidente do meu país se diz favorável ao casamento gay.

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Inspiração, transpiração e o além

Quando tem início uma discussão sobre o processo criativo de uma obra de arte qualquer, e qualquer que seja a modalidade artística em questão, já se sabe que mais cedo ou mais tarde a metáfora sudorípara-respiratória será evocada: quanto, afinal, houve de transpiração e quanto de inspiração na criação desta obra?

Nunca deixo de me espantar, não com as respostas em si, mas com o próprio fato de que os artistas geralmente se dignem a respondê-la, sem sequer questionar as próprias implicações da pergunta: com que então uma obra de arte se limita a tantos por cento de uma dádiva que caiu do céu (proveniente do Senhor, do Demônio ou do Inconsciente) e outros tantos de um esforço laborioso? Com que então a arte resulta apenas dos caminhos e descaminhos psicológicos de um ser humano?

Bem, é claro que toda obra de arte invariavelmente resulta dos caminhos e descaminhos psicológicos de um ou de vários seres humanos (e isso evitando aquela discussão chata de será que os gregos tinham complexo de Édipo? e controvérsias assim). Então, é claro que a obra de arte é produto da ação de alguém, é obra humana (e isso evitando aquela discussão muitíssimo mais chata ainda de será que os computadores fazem arte? e a Mulher-Fruta, por sua vez, deveria ser considerada artista? e controvérsias assadas).

Texto vai, texto vem e nunca consigo escapar do melhor exemplo de fenômeno paradoxal que conheço: a famosa fraldinha-do-bebê-segundo-Winnicott. Porque é evidente que a fraldinha, para o bebê, representa a sua mãe. Mas, se fosse apenas isso, a fraldinha não teria a menor graça.

A grande graça da fraldinha é que ela transcende uma mera representação da mãe, na ausência desta.

A grande graça da obra de arte é que ela transcende a psicologia do autor, na ausência deste.

Então eu sempre acho estranho, muito estranho mesmo, quando algum artista chuta que para determinada criação artística lhe foram necessários, vá lá, x% de inspiração abençoada e 100-x% de trabalho totalmente desprovido de glamour. Em primeiro lugar, pela própria contradição embutida no cálculo: se x% veio de uma fonte que lhe é alheia e desconhecida, que independende dos seus esforços e que você não controla, como é que você pode estimar o tamanho de x? Em segundo lugar e principalmente, por tudo o que ultrapassa x e 100-x: que dizer daquilo, caro artista, que vai muito além de você e dos seus esforços individuais, na obra que não obstante você mesmo criou?

***

Mas não vim falar sobre arte, e sim sobre uma realização minha que, embora nada tenha de artística, é das coisas que mais me orgulho de haver criado - e tanto mais por consistir em uma criação conjunta.

Trata-se da única coisa a que, se me fizessem aquela pergunta-padrão dirigida aos artistas desprevenidos, eu responderia sem hesitar: 100%. Dos dois. 100% de inspiração e 100% de transpiração, no que pese a falta de sentido disso. Porque algumas coisas resultam tão abençoadas e bem-aventuradas em nossas vidas, que é preciso reconhecer: só muito 100% deve ter tornado isso possível. Sem que eu mesma me desse conta, eu devia estar muito inspirada quando conheci a Bel, e ela também. E, sabendo menos ainda, deve ter rolado uma transpiração danada de ambas as partes para chegarmos ao que somos hoje. Nada menos do que 100%, multiplicado por dois, é suficiente para dar conta desta relação que me deixa um pouco - e às vezes um muito - mais feliz, todos os dias, sempre.

Mas mesmo 100%, ainda que multiplicado por dois, vale muito pouco para as nossas parcas tentativas de descrever a realidade. Afinal, os números, se mal-e-mal me lembro daquela aula da oitava série, podem ser inteiros, racionais, reais ou complexos. E diz-me agora a Wikipedia que há também os números hipercomplexos, vejam se é possível! (Claro que é - daqui a um tempo inventam os números ip-ip-urra-complexos, alguém quer apostar?) Existem números - a maioria, por sinal - que vão muito além do que nós, que só chegamos até a oitava série, somos capazes de imaginar.

E existem amizades que vão muito além do que a transpiração e a inspiração podem fazer. Muito além de uma obra de arte.

Esta vai além, por exemplo, na medida em que a mãe dela é uma pessoa tão-mas-tão querida e fantástica, que veio aqui me visitar.

Confesso que foi divertido observar as reações das pessoas ao ouvir que minha best friend's mother veio para New Orleans passar um fim de semana comigo: "best friend's mother", jura? Te visitar? Como assim?

Até aqui, minha resposta vinha sendo: "pois é - assim".

Agora, eu acrescentaria também: "sabe o que é? Foi muita inspiração, é isso. E muita transpiração também. E, principalmente, muito de alguma outra coisa, que nunca poderei inteiramente definir ou explicar".

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terça-feira, 23 de setembro de 2008

A diferença entre Alex Castro e eu

Ao ser confrontado com um problema prático e pentelho da vida, Alex pensa, pensa e escreve um post brilhante que abarca questões de gênero e relacionamento, divisão sexual do trabalho, machismo e preconceitos mal-dissimulados.

O problema prático - uma lâmpada queimada - que disparou a profunda reflexão? Continua lá, irresoluto.

Ao ser confrontada com um problema prático e pentelho da vida, não penso muito e começo logo (ou não, que a procrastinação é um direito sagrado do ser humano) a resolver o que se está interpondo entre uma feliz existência e eu. Freqüentemente, a resolução fica half-mouth e quase sempre tenho certeza de que meu pai ou minha tia teriam dado conta do recado muito melhor.

Depois, escrevo um post bem bobo-alegre noticiando ao mundo que ei, preguei um prego na parede! faxinei a cozinha!

***

Compreende-se, portanto, que uma amizade entre tais pessoas só poderia resultar nisso.

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quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Mari e Dorival em NOLA

Sobre a visita da Mari, este blog dará notícias nos próximos dias. Por enquanto, fiquem com meu relato da súbita aparição de Dorival Caymmi em New Orleans, entre um furacão e outro, enquanto o vento da cidade amarrava nós de marinheiro nos meus cabelos.

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terça-feira, 16 de setembro de 2008

Momento dominatrix

Em tempos de internetes e blogues, até a moça mais boazinha se vê eventualmente forçada a seu momento de dominadora mordaz. Ontem tive duas conversas praticamente idênticas pelo msn, com dois perfeitos desconhecidos, que edito aqui em um só diálogo para o vosso perverso deleite:

Rapazinho imberbe: oi gata quer tc?

Camila: Olá! Você me conhece? Se sim, de onde?

Rapazinho imberbe: na verdade naum te conheco.....

Rapazinho imberbe: peguei seu msn num site por ai, num lembro mais

Rapazinho imberbe: mais era bem pesado... heheheheh

Camila: Site pesado?

Rapazinho imberbe: eh........ de vagabundas.......... hihihihih

Camila: Você quer dizer, de mulheres que aparecem peladas e/ou transando?

Rapazinho imberbe: ehehehehehehe

Camila: Bom - não sou modelo, não pretendo trabalhar na indústria pornográfica e, a bem da verdade, não me interesso muito por pornografia. Tchau!

Rapazinho imberbe: naum gata! perae num seja apressada.. vamo tc....


Em tempo #1: Esse diálogo só existiu porque divulgo meu endereço de MSN aqui no blog, para eventuais amigos e leitores que queiram entrar em contato. Com isso, conheci algumas pessoas bem bacanas e interessantes - já outras...

Em tempo #2: Este post, por sua vez, só existiu por conta de Mistress Matisse - dominatrix famosa, dentre outras coisas, por posts em que disseca telefonemas estapafúrdios entre seu evil self e clientes em potencial que não primam exatamente pela inteligência.

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segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Hoje é 15 de setembro

Ainda dá tempo de dizer que hoje é uma das datas mais tristes da história da música, e que felizmente foi transformada também numa das mais lindas.

Em 15 de setembro de 1980 morria Bill Evans, minha maior referência na resolução de um problema que ele fazia parecer mais simples do que efetivamente é: como distribuir um acorde no piano?

No ano seguinte, o mundo conhecia September 15th, a incomparável prece-tributo do duo.



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A cultura estado-unidense (Ou: a camisinha de Jesus e dos advogados, em múltiplas cores, luzes e sabores)

Nada até hoje definiu tão bem, e em tão pouco espaço, alguns dos principais vértices da cultura estado-unidense quanto o anúncio abaixo, mostrado aqui em duas fotos:




Frase a frase, a cultura estado-unidense em todo o seu esplendor:

1) "Although no contraceptive can provide complete protection, Hygeia condoms, when properly used, may prevent the transmission of AIDS and sexually transmitted diseases."

Já vi tudo. Era uma vez, nos idos anos 90, a propaganda original das Hygeia condoms: "nossas camisinhas são as melhores do mercado! Impedem a transmissão do vírus da AIDS e da maioria das DSTs!". Aí vem a Associação Cristã de Pais e Moços e mete-lhe um processo, alegando 1) que a empresa está divulgando informação enganosa, pois só a abstinência sexual impede completamente a transmissão de vírus e fluidos corporais diversos entre as pessoas; 2) que, com isso, a empresa está fomentando a promiscuidade entre os jovens. A Hygeia perde milhões de dólares e reformula sua propaganda para o texto do anúncio atual, que decididamente não peca pela falta de reticências: se e apenas no caso de as camisinhas serem bem utilizadas, pode ser que elas evitem alguma coisa. Só ficou faltando a conclusão perfeita: "ou não".

Mas é claro que nada disso aconteceu. A Hygeia não perdeu nem um centavo - a Hygeia não é boba. A propaganda é como é justamente para impedir que a história acima aconteça.

2) "The best method of AIDS prevention is abstinence before marriage and a monogamous relationship during marriage."

Os estado-unidenses realmente levam a sério aquela história de que os olhos do Senhor estão sobre os piu-pius. Eles não se contentam, no caso, com uma empresa de camisinha cujo único objetivo seja... Vender camisinhas. A empresa tem que, além disso, dizer como você deve viver a sua vida.

Talvez o combo duo pack abstinência + monogamia funcione cá por estas bandas. No Brasil, curiosamente, é justamente a monogamia no casamento heterossexual - e a confiança em que o parceiro também seja monogâmico - a responsável pelo maior número de mulheres infectadas pelo HIV nos últimos anos.

3) "Hygeia condoms are available here for your privacy and convenience. This dispenser serviced at frequent intervals."

Olha, amigo, depois não diga que não avisamos: a gente já deixou bem claro que a abstinência e a monogamia são as melhores opções para você. Mas se você ainda não se convenceu e quer mais é partir para a putaria mesmo, pode contar conosco! Servimos bem para servir sempre.

4) O restante do anúncio especifica os tipos de camisinhas vendidas: as não-lubrificadas que brilham no escuro e as lubrificadas que vêm em diversas cores e sabores.

O mais curioso de tudo é que as camisinhas brilhantes foram a mais total e completa novidade para mim - eu, que venho de um suposto país tropical e sensual, das morenas sestrosas de olhar indiscreto e das prostitutas mais celebradas do planeta. Não que as tais camisinhas não existam: tenho certeza de que o sex shop paulistano mais furreca deve estar abarrotado delas. Mas as grandes redes de farmácia, que eu tenha reparado, não costumam alardear camisinhas fosforecentes pelas prateleiras - eu, pelo menos, nunca vi. Coube a um posto de beira de estrada estado-unidense apresentar-me mais esta maravilha da indústria sexual.

(E que fique bem claro: estou pensando em não experimentá-la.)

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sábado, 13 de setembro de 2008

Um pesadelo hiper-realista

Esta noite visitou-me enfim o primeiro pesadelo realmente apavorante que tive em New Orleans.

Em alguns sonhos, mantemos um resquício de consciência: parece que, em alguns momentos, visita-nos a dúvida sobre a materialidade do que estamos vivendo.

Em outros, qualquer princípio de dúvida está soterrado: vivemos o sonho e o sonho é o universo, o sonho é o mundo.

Meu pesadelo recente não foi nem de um tipo nem de outro.

Foi daqueles que indica que existe algo de muito grave acontecendo na sua vida - e que, óbvio, detona completamente com ela - e que você, quando acordada, não sabia. Ou seja: este é um sonho que fala para mais-além da vida. Zomba da sua realidade, faz pouco dela: então você achava que está tudo bem, que está tudo muito bem encaminhado no seu cotidiano lindinho? Nada, tolinha: tá aqui, ó, veja o tamanho da ferida que existe no seu corpo.

A vantagem desse tipo de pesadelo é semelhante à do vômito: uma vez terminado, o alívio não poderia ser maior.

Mas o que mais me aliviou, desta vez, não foi nem o alívio de ter acordado.

Foi o alívio de pensar que, há alguns anos, eu cultivava esta ferida - e teria acordado frustrada ao perceber que ela efetivamente não existe mais sobre a minha pele.

Hoje pesadelei - vomitei - e fiquei bem.

É muito bom quando os pesadelos podem mudar.

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A importância do nextel (ou O primeiro cachorro)

É impressionante como a gente esquece - ou nem se dá conta - de que o que é natural para a gente é construído para outras pessoas.

Para mim, o fato de a Bel ter comprado um nextel para falar comigo é tão natural e óbvio quanto o nascer do sol, as fases da lua e o domingão do Faustão. Mas, para muita gente, isso parece surpreendente e curioso. Para essas pessoas, segue a melhor explicação que sou capaz de dar sobre a necessidade primordial e básica que é ter o nextel ao lado, sempre.

Anteontem eu cruzei com um cachorro super legal na rua. Um golden alaranjado, filho do Tarcísio Meira ou do Antonio Fagundes - pois sua característica mais marcante eram os pêlos prateados ao longo do dorso. Um "grisalho prematuro", como me explicou sua dona.

O cachorro era tão legal que parei uns dois minutos para admirá-lo e brincar com ele.

Acontece que não sou uma dog-person. At all. Nada, zero - ou, para ser mais precisa, menos um. Meu lance é com gato - e um tipo muito particular de gato, o gato-cachorro - mas sobre isso escrevo outro dia. Cachorro grita e baba, e em geral não me atrai - a não ser os bebezinhos. Portanto, se eu achei o cachorro grisalho legal - acreditem, é porque ele era muito legal. Um fofo, uma graça.

Então me digam se eu não precisava compartilhar imediatamente com a Bel um evento desta magnitude?

Poder dizer para a Bel "ei, acabei de brincar com um cachorro" é item de primeira necessidade para eu me sentir em casa no estrangeiro.

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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O primeiro macaco

Ontem tive mais uma comprovação de que a vida nunca sai como planejamos. Eu, que tinha certeza de que o primeiro grande mico a ser assumido e enfrentado aqui em New Orleans seria meu espanhol risível, sigo firme com meu espanhol risível, mas para o mico não estou nem aí. É claro que falar o espanhol que eu falo, em meio a pessoas que efetivamente o falam, é de um ridículo estrondoso - mas que não tem me incomodado mais. Eu diria que a vantagem deste mico é que, embora ele tenha começado como um micão, sempre há a perspectiva de que, daqui a algum tempo (e não vamos calcular quanto tempo seria, por favor), o mico fodão há de atrofiar até virar um miquinho insignificante.

Pois bem. Espanhol à parte, maravilhem-se com o que me sucedeu ao final da aula do prófi de ontem.

Abro a porta para sair da sala. Que vejo eu, bem à minha frente?

Apenas o inseto com o maior potencial de gerar tremendos micos em minha micada alma.

É, minha gente. Uma barata.

Foi necessário meio segundo de reconhecimento, durante o qual repeti para meu incrédulo self: "não, não é possível". Após este ligeiro delay, bati a porta e corri para o fundo da sala o mais rápido que pude, sentando-me sobre uma mesa e mantendo os pés bem longe do chão. Gritei, fiz careta e esperneei - mas pelo menos não chorei!

Enquanto isso, boa parte das vinte pessoas que estavam na sala me perguntavam se estava tudo bem.

Pergunta mais idiota. É óbvio que não estava. "Uma barata", enfim consegui dizer - em português mesmo, que eu já tinha gasto minha cota diária de espanhol.

Uma vez revelada a causa de minha tão grande aflição, quase todas as vinte pessoas me olhavam como se eu fosse uma retardada mental - o que, em se tratando de baratas, de fato sou.

Entendam por favor o seguinte. Meu medo de baratas é um sintoma sério, e com sintoma não se brinca. Mas, dos sintomas, é o menos pior, pois só preciso lidar com baratas uma vez por ano, ou uma vez a cada dois anos (este ano já detém o recorde absoluto de baratas/ano na minha vida). Se eu tivesse um medo irracional de carros, por exemplo, tudo seria diferente: eu não conseguiria nem sair à rua, e isso limitaria enormemente a minha existência. Eu me sentiria, em uma palavra, obrigada a procurar tratamento.

Aos que vierem receitar antipsicóticos, portanto, que fique registrada a ressalva desde já: o dia em que eu sentir medo de carros ou cavalos, como o pequeno Hans, contrato um psiquiatra. Até lá, porém, prefiro manter a minha casa bem limpinha e dedetizada - melhor remédio para o meu sintoma não há.

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quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Descoberto novo Portal para o Paraíso

Ele se materializa quando você mistura duas bananas amassadas, duas colheres de doce de leite, três colheres de chocolate em pó Ghirardelli e um punhado de nozes em pedacinhos.

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A gente sabe que a vida está voltando aos eixos quando

A roomate diz: "ahora solo nos falta encontrar un hombre para cada una."

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quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Enfim cheia


Aquilo que em São Paulo teria sido uma quarta-feira comum transformou-se em New Orleans na Grande Comemoração pela Fuga do Ike, que a esta altura é esperado em algum lugar longe daqui. Ok, muito chato para o lugar longe daqui - mas é justo que os lugares todos aqui do Sul dividam a chatice (na melhor das hipóteses) que é um furacão na cabeça, alguém discorda?

Então Isabel e eu fomos ao Whole Foods, mal podendo conter nossa euforia. Acho que a foto acima é razoavelmente ilustrativa de que não sofreremos de falta de suco, leite e milho pelas próximas horas.

Chegando em casa, abrimos um vinho e - pasmem - cozinhei macarrão alho e óleo para a gente. Agora pasmem de novo: não é que ficou bom? Raspamos a frigideira com gosto.

Foi um pequeno passo para mim e um passo menor ainda para a humanidade, mas não resisto a registrá-lo neste blog, que de resto é pródigo em notícias essenciais para os destinos da nação e do planeta: foi a primeira vez que cozinhei para alguém.

Já cozinhei junto inúmeras vezes - mas eu, fazendo tudo, sozinha? Foi hoje.

E já que acabo de fazer pública esta constatação, revelo também um medo muito grande que eu tinha um pouco antes de vir para cá - tão grande e bobo que não tive coragem de contar para ninguém. Nem, principalmente, para mim mesma.

Em meu último mês em São Paulo, comecei a temer que nunca mais eu ia fazer macarrão alho e óleo e tomar vinho em casa, num dia de semana à noite.

Comecei a achar que, essa vida, nunca mais.

Comecei a achar que tanta coisa nunca mais.

Eu tinha certeza de que não era possível - macarrão alho e óleo e New Orleans. Dois universos que não se encontram, peças de um quebra-cabeça que não se encaixam, temperos que não combinam.

Então será que alguém vai conseguir entender o que é isso? Que, um mês depois, conheci uma pessoa fantástica que espero que continue na minha vida para sempre; que hoje moro com ela, e numa casa que não tinha nada, e hoje está do jeitinho que eu quero (menos um sofá); que já fugi de um furacão e já voltei; que falo espanhol nas aulas com medo de ser feliz, mas com a segurança de quem não quer ver a vida passar sem dizer nada a respeito - ainda que seja com muitos erros gramaticais.

E, principalmente, que fiz compras no supermercado.

E fiz macarrão alho e óleo e tomei vinho.

¡Salud!

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Facebook

Acabo de me render a mais esta ferramenta pós-moderna de procrastinação que é o Facebook. O Facebook, em verdade vos digo, parece um Orkut de adulto. Criei uma conta por conta do povo aqui de Tulane, mas é claro que quanto mais gente aderir à moda, mais legal vai ficar. Para acessar o meu - e o seu, e qualquer - perfil, é preciso estar cadastrado. Entonces* facebookem-se, por favor!


* Ninguém poderá me acusar de que não tentei aprender a escrever em espanhol.

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segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Minha avó, esta ameaça à segurança estado-unidense

Reparem bem na cara de mentirosa dela. Porque ela ainda teve de ouvir isso dos fulaníssimos do consulado: que estava tentando enganá-los, pois não tinha motivo nenhum para voltar para o Brasil.



Da esquerda para a direita, no aeroporto: Grê, eu, Eulália e Brê.

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Um mês, dezesseis anos - dois limbos

Dezesseis anos atrás, eu estava muito tranqüila. Minha mãe estava em coma e eu estava num limbo. Pois, na verdade, minha mãe não estava em coma nenhum - claro. Ela estava escondida num fundo de armário esperando para ser resgatada. E, com essa certeza, passei o dia absolutamente impávida. Sem o menor sinal de angústia. Lembro que a então namorada de meu pai me levou para passear. Eu gostava dela. Eu estava feliz.

No dia seguinte, minha mãe morreu. E parte dela continuou no armário, para sempre.

Mas, ainda que bem protegida no fundo de um armário, eu não tinha mais contato com ela. Então comecei a pensar no lado bom da coisa toda. Isso do lado bom - eu vou dizer. Que se um dia inventarem uma medição para o sofrimento humano, a maior unidade de medida deveria ser o Lado Bom - indicativo do esforço que o sofredor precisa fazer para encontrar uma inexistente vantagem numa situação que é só tragédia.

Então naquela época meu sofrimento era de aproximadamente 100 000 LB. E qual era o grande Lado Bom da Coisa? Que uma saia-short roxa da minha mãe, que eu adorava, agora ia ser minha. Ha! Eu era mesmo uma menina de muita, muita sorte.

O sofrimento LB, como todo sofrimento defensivo, vem para evitar um sofrimento maior, que tememos - eu temia - não poder suportar.

Não deixa de ser revoltante pensar que o Sofrimento Maior é sempre melhor de ser sofrido do que o LB. Porque pelo menos é verdadeiro.

Dezesseis anos depois, tenho um mês de Estados Unidos nas costas, e um limbo como morada. Ainda não cheguei de todo. Há duas semanas, eu me dava conta de que podia sentir falta de um bombril - e o limbo era menor. Hoje, o que eu não daria para poder sentir falta de coisas para a casa. De fazer uma lista de supermercado. Tá, estou sendo dramática - foda-se. É isso mesmo. Maior drama. Porque passou-se um mês, e eu não posso fazer uma compra de supermercado - porque pode ser que a gente precise evacuar de novo, e aí não dá pra deixar a comida micando e mofando na geladeira. Como eu queria fazer uma lista de supermercado decente. Como eu queria lotar a minha geladeira de bobagem.

Outra coisa (outro limbo): ainda não falo espanhol direito. E tenho medo de tentar.

E a base principal deste solo de nuvens que constitui o meu limbo particular: chegou a vez de a minha avó ir para o armário.

Ok, minha avó não morreu. Fato.

É fato também que, para a criança muito pequena, ausência e morte dão exatamente na mesma.

Seguindo com os não-pensamentos, portanto: estou pequeninha de tudo. Um bebê. Sem mãe e sem avó.

Por outro lado - definitivamente, eu cresci. Porque meu sofrimento LB, agora, é zero.

Eu até tentei. Esforcei-me para imaginar que no fundo era ótimo, minha avó não ter conseguido o visto. Porque imagina? Se ela conseguisse, ia vir pra cá pra ficar me enchendo: "filhinha, juízo!".

Não rolou.

Porque a verdade é que eu adoro quando a minha avó me chama de filhinha e fala que é para eu ter juízo.

Eu adorava ver minha mãe vestindo aquela saia-short roxa.

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domingo, 7 de setembro de 2008

Não-pensamentos: bom e ruim, feliz e triste

São três da manhã, acabo de chegar de mil e quinhentas milhas de estrada em quase quarenta e oito horas de viagem e obviamente não estou pensando mais. E ainda assim vim escrever aqui - banho & blog, duas necessidades básicas do ser humano.

Sei que não estou mais pensando direito quando os sentimentos perdem suas nuances, discrepâncias e ambigüidades para serem atirados sem a menor cerimônia para um ou outro lado de um gráfico emocional imaginário, dividido em positivo e negativo.

O positivo, feliz, inacreditável de bom: minha casa está exatamente igual a antes, tudo no lugar, tudo funcionando - e a cidade, do pouco que deu pra ver, está quase tão boa quanto. O estrago mais evidente foram algumas árvores caídas pelos canteiros centrais de uma avenida - dá uma impressão ruim, estranha, parece mesmo que a árvore morreu. Mas assim. Foram no máximo umas dez árvores que eu vi tombadas. Se eu digo que caíram dez árvores em Santana, pronto, lá se foi 50% da vegetação do bairro. Dez árvores em New Orleans, e especialmente aqui em uptown, não é nada.

O negativo que ainda estou longe de conseguir começar a elaborar (só consegui chorar um pouquinho em silêncio) ficou por conta do consulado estado-unidense: não deram o visto para a minha avó. Quem a conhece sabe muito bem que ela tem a maior cara de traficante-terrorista e que os burocratas foram deveras perspicazes em não confiar nesta velhinha simpática que transporta drogas na lambreta. Enfim. Eu não consigo nem pensar que este vai ser o primeiro Natal da minha vida que vou passar sem ela. E muito menos que só vou vê-la em maio do ano que vem. Não dá. Como diria nosso ex-presidente: assim não dá, assim não pode. Não dá e não pode - e em vez de pensar, fico repetindo isso. Maldição e injustiça.

E ah. É claro. Não poderia deixar de citar também o Ike, furacão categoria 4 que pode passar por aqui no final da semana que vem (Gabriel, deixe um travesseiro a postos, por favor!). E começa a contagem regressiva para ver quem vai ser o primeiro a fazer a piada mais pronta e mais de mau-gosto da história dos furacões, relacionando o bicho ao outro bicho que era o ex-marido da Tina Turner.


P.S.: Alex e The Tatinis fizeram por mim o que nunca fiz por ninguém até hoje. Obrigada por carregarem esta mala - literalmente. Porque eu fiz e carreguei tanta mala ultimamente que estou me sentindo a própria. Mala. A mala sou eu, eu sou a mala. Vovô viu a uva. Vovó não verá New Orleans. Ok, hora de dormir.

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quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Tomé e Narciso, meus dois amigos

Efeitos psíquicos não-previstos de um furacão que passou em minha vida e meu coração se deixou levar:

1) A descoberta de que São Tomé era um cara esperto.

Então o furacão passou e todos são unânimes em dizer que os estragos foram mínimos - casas destelhadas aqui, vidraças quebradas ali, a eletricidade que ainda não voltou. Como diria o Mauro - right. Realmente isso não é nada, para um furacão. E enquanto o furacão passava, eu estava aqui me apaixonando pelo meu sobrinho. O plano perfeito, por supuesto*.

Só que eu nunca voltei para casa de um feriado prolongado sem saber se iria encontrar meu quarto seco ou molhado. E agora ele bem pode estar molhadão. O que não é nada perto do que poderia ter acontecido, repito - e chega de repetir que todo mundo já entendeu que minhas preocupações e reclamações agora estão em outro nível de seriedade e periculosidade.

Em suma: está tudo ótimo, não estou reclamando de nada, mas só vou ficar tranqüila mesmo a hora em que eu botar os olhos na minha casinha. E no meu departamentozinho. E na minha lanchonete vizinha.

E olha que nunca dei valor para essas coisas de olho. Reparo em sons, texturas e movimentos - não sei nada de cores e formas. Aliás, por isso até que nunca consegui gostar tanto de Merleau-Ponty quanto eu acho que poderia. Porque esse blá de que as artes plásticas são a forma mais primordial, sensacional e suprema de arte me soa absolutamente psicologista. O cara que gosta de palavras se arma da maior teoria para comprovar que a poesia é a arte mais fantástica de todas; o que gosta de sons constrói cento e um argumentos defendendo que a música é superior a tudo; o que prefere o cuspe à distância decide que a propulsão de fluidos orais bate todas as demais artes e ofícios humanos. Nada até hoje conseguiu me convencer de que qualquer uma dessas teorias não está solidamente embasada no mais raso dos psicologismos. Como o psicologismo é raso, o embasamento não se sustenta. E eu perco o interesse.

Isto posto, hoje gosto um pouquinho mais de Merleau-Ponty e de todos aqueles que valorizam o olho. Psicologismo, é claro: pois hoje só o que me importa é ver o que ainda tenho. Uma casa, uma universidade, uma cidade. De preferência, secas e envidraçadas.

2) Narciso não era nada nem ninguém sem aquele lago.

Poucas vezes abri minha caixa de e-mails com tanta ansiedade; nunca li comentários deixados no blog com tanto carinho (gosto dessa ambigüidade). Narciso é muito mal-compreendido, o infeliz. Da forma como o entendo - e me identifico bastante com ele -, não é que ele se achava um fodão que preferia sua própria imagem à companhia alheia. Nem tampouco tinha a opção de se afastar do lago e ir fazer outra coisa. Simplesmente, se Narciso não se visse refletido no olhar de um outro - nem grande nem pequeno, por favor: um outro que para ele era um lago -, Narciso não era. A própria existência do moço dependia do olhar constante e reassegurador de um outro.

Assim foi a minha vida nos últimos dois ou três dias. Nunca alguns silêncios me doeram tanto; nunca, principal e felizmente, algumas palavras me fizeram sentir tão reconfortada (como pode ser facilmente conferido nas minhas respostas aos comentários-furacão aqui no blog).

Faz sentido, eu acho. Quando você está sob ameaça - pequena, mas real - de perder substratos materiais tão básicos à sua identidade, você começa a achar que os não-materiais estão ameaçados também. E quando aparece alguém para te lembrar de que você continua sendo você mesma, mesmo que a sua casa desapareça ou reapareça toda molhada - só posso ficar muito agradecida mesmo.

Eu esqueço quando é o aniversário das pessoas; esqueço seus nomes e os nomes de seus parentes; esqueço principalmente os rostos de todo mundo (é justamente aí que Merleau-Ponty me perde).

Mas não costumo esquecer a solidariedade.

Gracias a los que se importaron**.


* Gente, desculpa aí. Mas se eu não começar a inserir breguetinhos em espanhol nos meus textos desde já, o mundo e a vida serão muito mais ameaçadores ao final do semestre, quando eu precisar escrever um breguetão inteiro sem nada de português, inglês ou mesmo francês para remediar. Entonces you'll have to put up with me for now, por favor. Merci.

** Tá muito errado isso? Too lazy to check.

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segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Agora eu já sei da onda que não se ergueu em NOLA

A ficha ainda está caindo, mas pelo visto, tudo vai bem. E por aqui, melhor ainda:










Agora é começar a pensar na volta - para casa e também para cá, que não quero perder as primeiras palavras do Max quando elas começarem a aparecer.

Sou ou não sou a refugiada mais felizarda de New Orleans?

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E-mail pra Bel

Acabo de escrever um e-mail para a Bel que de repente percebi que queria que outras pessoas lessem. Espero que ela não se importe em vê-lo publicado aqui - se bem a conheço, e penso que a conheço razoavelmente bem, acho que não irá se importar, até porque já fiz coisas bem piores para (e com) ela. Tipo limpar banheira e carregar mala de 32kg. Mas essa fase passou. E o mais engraçado é que não vejo a hora de que volte. Tudo o que mais quero é faxinar o meu banheiro em paz, e carregar minha mala de volta para casa a hora em que eu bem entender.

É estranho e sobretudo triste, sair de casa sem saber quando se irá voltar.

***

Oi querida,

Desculpa ter demorado a responder o teu e-mail, tá? A meia hora que passei hoje na internet foi para ler sobre o Gustav e escrever aquele textinho no blog. É engraçado como a vontade de escrever para o mundo - para todos e ninguém ao mesmo tempo - às vezes ultrapassa tudo... Mas cá estou, novamente prestes a dormir e com tempo para escrever.

Estou feliz que o Gustav chega amanhã. Sério - assim ele faz o que tem que fazer e todo mundo já fica sabendo o que ele destruiu e o que não. Por mim, ele chegava lá agora, neste minuto - nada é pior do que esta agonia do não-saber. Quer dizer - claro que pode ser pior. Tudo pode, sempre. Li seu e-mail e foi assim como saber que o Brasil ganhou a Copa do Mundo e não poder comemorar (ainda estou cansada demais para pensar num final apropriado para a metáfora). Porque são tão maravilhosas as novidades - imagina, sua mãe vindo me visitar NO MÊS QUE VEM! Você e minha família toda aqui comigo NO NATAL!!! E todavia não posso comemorar. Preciso ficar blasé, porque não se sabe o que será da cidade (e eu odeio gente blasé). Pode ser que, tudo isso, não. Nada de Natal nem de mês que vem. Então pelo menos amanhã eu saberei. Se e o que eu posso comemorar; se e o que eu preciso lamentar.

Uma coisa é certa: Tulane já decretou que as aulas só serão retomadas segunda que vem - o que, independentemente do que aconteça, achei ótimo. Não estava a fim de viajar tudo de volta logo na terça. Fora que, aqui, a cada segundo fico emocionada - com as coisas mais simples, que costumam ser as mais emocionantes mesmo. Por exemplo. Eu percebi que nunca havia ficado com a Cintia e o Mauro em casa. Sempre encontrei com eles em restaurantes. Então Edmeston é igualzinho a estar em Campos com a Cintia - só que tem o Mauro!

Eu falei pra Cintia. Que a coisa que eu acho linda no Mauro é que ele é um homem que resolve. Que decide e faz coisas. Tudo pode até dar errado no final, mas é batata que ele tentou fazer alguma coisa antes. Não sei se está muito vago isso. O fundamental é que ele é um homem que não foge de tomar decisões. Eu acho tão raro isso, e tão lindo e emocionante. O cerne da emoção é o seguinte: a Cintia é uma mulher que, também ela, resolve. E já ouvi demais de muita gente que mulher que resolve intimida os homens, afasta, só atrai homem bobinho e criancinha. E de repente estou aqui com este casal em que a mulher não precisa ser uma tonta para ter com ela um homem que resolva as coisas. Acho a Cintia tão parecida comigo, em tantos aspectos - é, no fundo eu não me acho tonta. E observar de camarote todas as realizações mais recentes dela me faz pensar nas possibilidades que eu tenho para a minha vida. Porque se a Cintia consegue ser a mãe que ela é, e cozinhando todos os dias, e com um marido que a ama - isso me faz pensar que talvez eu possa, um dia, ser assim também. Parecida. Não que eu queira, necessariamente. Eu sei que vou adorar se um dia acontecer de eu querer casar com alguém que queira se casar comigo também. Isso eu sei. O resto, não. Sei lá se vou querer cozinhar todo dia, e muito menos se vou querer uma criança sob minha responsabilidade. Mas não importa: o que eu acho maravilhoso é pensar que, de repente, essas são possibilidades até que viáveis, não-estratosféricas. Estando com ela, ampliou-se o leque de idéias do que um dia pode vir a ser a minha vida.

E a Cintia, você sabe. Hoje ela fez um bolo de chocolate. Lembrei da Lu. Eu fico toda derretida quando alguém cozinha alguma coisa meio que para mim. Delícia de bolo. Ainda tem pra amanhã.

E o Max - o Max você não sabe. Hoje quase chorei. Tudo bem, estou sensível; que seja. Uma hora eu estava segurando a mamadeira para ele. Bel, é muito engraçado como ele se limpa. Ele larga da mamadeira, pega o paninho, esfrega todo em volta da boca e tchã-nans - não sobra uma gota de leite na cara pra contar história. Tudo isso sozinho. Aí ele volta a mamar. (Ok, essa foi a parte em que eu ri muito, nada de choro.)

Mas aí ele foi ficando meio vesguinho. Com os olhinhos pequenos. E as sucções num ritmo cada vez mais lento. Até que dormiu.

Nessa hora eu quase, quase chorei. Pensa: você alimenta uma pessoa que, depois e parcialmente em função disso, dorme. É muito. É demais.

Ele é lindo demais, Bel.

E dá trabalho demais também. Outra coisa que já me emociona e impressiona: a disponibilidade desses dois. Eu não sei se um dia vou ter filho, mas tenho a mais total e tranqüila certeza de que nunca, nunca terei um filho se for para criá-lo sozinha. E não porque eu ache que uma criança precisa de um pai e uma mãe para que sua personalidade se desenvolva de forma a que blá, blá blá e blá. É só que, para mim, uma criança é trabalho demais para uma pessoa só. Principalmente se essa pessoa for eu.

Ok. Vou ficando por aqui. Mas antes - obrigada, viu. Por se preocupar. Por falar com a Eulália. Por encontrar as minhas tias.

Eu quero comemorar o hexacampeonato... Eu quero, eu mereço, ele está aí, ele é meu.

Amanhã conversamos ao telefone.

Beijos,

Cami

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