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sábado, 27 de setembro de 2008

O debate - um temor, um alívio e uma profunda decepção

Eu adoraria poder dizer que sou mais desinformada politicamente do que a média da população brasileira, pois o tempo, esforço e pensamento que invisto em questões do bem-estar público são quase nada perto do que gasto pensando em, hmm, o último disco do Vince Mendoza que ainda não ouvi. E o último do Dave Holland, então, que é um sexteto com Alex Sipiagin? (Tô tão atrasada com os lançamentos, é de matar).

A propósito, ontem ouvi um comentário muito apropriado sobre o personagem Molina, d'O Beijo da Mulher Aranha, com o qual perigosamente me identifiquei: que a visão dele de mundo, no início do filme/livro (antes da experiência transformadora à qual é submetido pelo contato com Valentín) é totalmente mediada pela estética, nada tem de política. E, se levada às últimas conseqüências, uma visão puramente estética do mundo produz aquilo: a pessoa não se importa com o fato de o filme preferido dela ser um item de propaganda nazista, pois só o que lhe interessa ali é a história de amor retratada.

Então às vezes fico pensando que resvalo nisso, dada a desproporção do meu interesse sobre questões estéticas, emocionais e hedônicas sobre todo o resto. Mas a verdade é que eu só poderia resvalar nisso se vivesse num mundo em que as pessoas se preocupam com o fazer político muito mais do que eu.

Infelizmente, porém, não é num tal mundo que vivo e vivemos. Aparentemente o mero fato de eu me lembrar do candidato a deputado federal em que votei nas eleições passadas - que hoje, aliás, seria meu candidato à prefeitura de São Paulo - faz de mim uma pessoa altamente politizada, para os padrões brasileiros. Para os padrões estado-unidenses, não sei - ainda estou chegando -, mas não creio que a situação seja muito diferente disso. Acho que o mero fato de eu me dispor a votar (e, inclusive, fazer a mais absoluta questão disso), caso eu votasse aqui, também já faria de mim uma pessoa supostamente politizada.

Todo esse blá-blá-blá foi para introduzir algumas impressões gerais sobre o debate de agora há pouco:

- Tentei assisti-lo com os olhos do americano despolitizado dos swing-states, que é a criatura que importa para ambas as campanhas agora. O problema, naturalmente, é que não sei quem é este ser; tenho minhas suspeitas, e só. Enfim, pensando neste cidadão dos grotões estado-unidenses onde proliferam as camisinhas brilhantes de Jesus, tive medo do seguinte jogo retórico que se travou: Obama repetindo "John McCain is absolutely right" e McCain martelando "Obama doesn't seem to understand".

Entendam: eu gosto dessa estratégia retórica do Obama, de deixar claro no que ele está de acordo com seu adversário e de marcar bem quais são as diferenças. Acho que isso é honesto para com o eleitor. Mas isso acho eu, que não voto e não importo. E o eleitor apartidário que calhou de ver o debate, o que pensa esta pessoa? Será que pega bem Obama dizer que seu oponente está correto - por mais que explicite, logo em seguida, tudo aquilo em que acha que McCain está errado? Será que este eleitor desconhecido não vai entender apenas que, bem, se até o candidato democrata acha que o republicano está certo, então o velhinho deve ser bom mesmo?

(Sim, eu subestimo a inteligência deste cidadão desconhecido. Subestimar a inteligência e superestimar a irracionalidade das pessoas costuma ser o mais prudente a fazer quando se trata de política.)

Já McCain manteve uma postura arrogante o debate inteiro, tipo "esse rapazola aí pode até ser bem intencionado e tal, mas vejam como é bobinho, como é inexperiente, como não entende as coisas". Obama doesn't seem to understand, eis a questão. Tenho medo de que isso cole e cale profundamente no já citado eleitor.

- Por outro lado, fiquei bem aliviada por Obama ter enfatizado o óbvio: McCain é o candidato do Bush. É algo tão simples, e que a campanha republicana faz os maiores malabarismos para distorcer - McCain bateu muito na tecla de que nunca foi Miss Congeniality, e eu só ficava pensando "mas meu senhor, é claro que o senhor não é a Sandra Bullock". É como quando Maluf falava em "Dona Marta do PT" - uma estratégia corretíssima, associar o nome da candidata a algo que o eleitor rejeita (em que pese o inaceitável machismo do "dona"). Obama tem em mãos a mesma possibilidade, elevada à hiper-complexa potência: relembrar o eleitor de que se há algo que lhe incomoda na situação política e econômica do país, votando em McCain ele estará votando pela continuidade do mesmo projeto político e econômico dos últimos oito anos. Simples assim.

- Passou-se também algo que, suponho, deve ter agradado ao tal eleitor desconhecido, mas que me enoja e decepciona profundamente. Eu não sabia que Obama era assim - que ele mantinha o discurso maniqueísta e imbelicizante do "let's kill those motherfuckers", "vamos capturar e matar os bad guys" (eu quase tive uma síncope quando McCain falou nos famigerados bad guys, a roomate foi testemunha). Nesse ponto, Obama e McCain são iguaizinhos, a síntese de tudo o que os Estados Unidos têm de pior: o discurso e a prática da polícia do mundo, dos bonzinhos que hão de capturar os malvados. Patético. Assim, a crítica de Obama à guerra no Iraque fica completamente vazia, pois mantém-se a idéia de que a guerra tal como foi era necessária, o governo atual só errou o endereço: deveria ter sido no Afeganistão.

Eu não sei se uma guerra no Afeganistão é necessária, não entendo nada disso. Mas muito burra eu não sou. E uma coisa eu sei: se Obama veio para trazer alguma mudança no cenário político atual, a idéia não seria justamente formular um discurso sobre o terrorismo um tiquinho mais complexo do que o ruim e velho "mocinhos caçando bandidos"?

Fico torcendo para que esse ímpeto caçador seja apenas uma estratégia retórica para agradar ao eleitor dos grotões. Mas mesmo que seja "só isso" - para mim, infelizmente, já fudeu. Sigo uma eleitora democrata imaginária, claro - mas a frustração que sinto ao ouvir um futuro (esperamos) chefe de Estado dizer que vai capturar e matar uma pessoa é a antítese absoluta do orgulho que me enche a alma quando o presidente do meu país se diz favorável ao casamento gay.

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