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quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Tomé e Narciso, meus dois amigos

Efeitos psíquicos não-previstos de um furacão que passou em minha vida e meu coração se deixou levar:

1) A descoberta de que São Tomé era um cara esperto.

Então o furacão passou e todos são unânimes em dizer que os estragos foram mínimos - casas destelhadas aqui, vidraças quebradas ali, a eletricidade que ainda não voltou. Como diria o Mauro - right. Realmente isso não é nada, para um furacão. E enquanto o furacão passava, eu estava aqui me apaixonando pelo meu sobrinho. O plano perfeito, por supuesto*.

Só que eu nunca voltei para casa de um feriado prolongado sem saber se iria encontrar meu quarto seco ou molhado. E agora ele bem pode estar molhadão. O que não é nada perto do que poderia ter acontecido, repito - e chega de repetir que todo mundo já entendeu que minhas preocupações e reclamações agora estão em outro nível de seriedade e periculosidade.

Em suma: está tudo ótimo, não estou reclamando de nada, mas só vou ficar tranqüila mesmo a hora em que eu botar os olhos na minha casinha. E no meu departamentozinho. E na minha lanchonete vizinha.

E olha que nunca dei valor para essas coisas de olho. Reparo em sons, texturas e movimentos - não sei nada de cores e formas. Aliás, por isso até que nunca consegui gostar tanto de Merleau-Ponty quanto eu acho que poderia. Porque esse blá de que as artes plásticas são a forma mais primordial, sensacional e suprema de arte me soa absolutamente psicologista. O cara que gosta de palavras se arma da maior teoria para comprovar que a poesia é a arte mais fantástica de todas; o que gosta de sons constrói cento e um argumentos defendendo que a música é superior a tudo; o que prefere o cuspe à distância decide que a propulsão de fluidos orais bate todas as demais artes e ofícios humanos. Nada até hoje conseguiu me convencer de que qualquer uma dessas teorias não está solidamente embasada no mais raso dos psicologismos. Como o psicologismo é raso, o embasamento não se sustenta. E eu perco o interesse.

Isto posto, hoje gosto um pouquinho mais de Merleau-Ponty e de todos aqueles que valorizam o olho. Psicologismo, é claro: pois hoje só o que me importa é ver o que ainda tenho. Uma casa, uma universidade, uma cidade. De preferência, secas e envidraçadas.

2) Narciso não era nada nem ninguém sem aquele lago.

Poucas vezes abri minha caixa de e-mails com tanta ansiedade; nunca li comentários deixados no blog com tanto carinho (gosto dessa ambigüidade). Narciso é muito mal-compreendido, o infeliz. Da forma como o entendo - e me identifico bastante com ele -, não é que ele se achava um fodão que preferia sua própria imagem à companhia alheia. Nem tampouco tinha a opção de se afastar do lago e ir fazer outra coisa. Simplesmente, se Narciso não se visse refletido no olhar de um outro - nem grande nem pequeno, por favor: um outro que para ele era um lago -, Narciso não era. A própria existência do moço dependia do olhar constante e reassegurador de um outro.

Assim foi a minha vida nos últimos dois ou três dias. Nunca alguns silêncios me doeram tanto; nunca, principal e felizmente, algumas palavras me fizeram sentir tão reconfortada (como pode ser facilmente conferido nas minhas respostas aos comentários-furacão aqui no blog).

Faz sentido, eu acho. Quando você está sob ameaça - pequena, mas real - de perder substratos materiais tão básicos à sua identidade, você começa a achar que os não-materiais estão ameaçados também. E quando aparece alguém para te lembrar de que você continua sendo você mesma, mesmo que a sua casa desapareça ou reapareça toda molhada - só posso ficar muito agradecida mesmo.

Eu esqueço quando é o aniversário das pessoas; esqueço seus nomes e os nomes de seus parentes; esqueço principalmente os rostos de todo mundo (é justamente aí que Merleau-Ponty me perde).

Mas não costumo esquecer a solidariedade.

Gracias a los que se importaron**.


* Gente, desculpa aí. Mas se eu não começar a inserir breguetinhos em espanhol nos meus textos desde já, o mundo e a vida serão muito mais ameaçadores ao final do semestre, quando eu precisar escrever um breguetão inteiro sem nada de português, inglês ou mesmo francês para remediar. Entonces you'll have to put up with me for now, por favor. Merci.

** Tá muito errado isso? Too lazy to check.

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