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sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Contabilidade amorosa de 2008

Não é pra somar tudo, as coisas se sobrepõem:

1 relacionamento que eu estava achando o melhor de todos os tempos o amor da minha vida a paixão que a-*
1 luto concluído, 3 anos depois
3 significativas acelerações no batimento cardíaco:
2 dos aceleradores viraram amigos
1 sumiu
1 casinho em São Paulo
1 sonho erótico em New Orleans
1 amor em Edmeston
5 historinhas virtuais:
1 evoluiu à materialidade
3 permaneceram virtuais
1 em andamento
3 foras levados
4 distribuídos
Dos 3 levados: 1 traumático, 1 ridículo, 1 ok
Dos 4 dados: 2 reações patéticas, 2 ok
1 historinha que não engrenou porque francamente nenhum dos dois estava muito interessado
1 revival
2 peças de lingerie virgens
2 peças de lingerie estreadas
2 peças de lingerie que eu queria comprar mas não tenho pra quem usar
3 preciosas lições aprendidas sobre o meu próprio corpo
989248098 e-mails com múltiplas camadas de intenções
Muito menos sexo do que eu gostaria


Ainda faltam dois meses para terminar o ano e já estou fazendo uma retrospectiva - sinal inequívoco da minha desesperança em excluir a última linha desta contabilidade. Dizem que o que vale é a qualidade, não a quantidade. Eu não poderia concordar menos. Qualidade já tenho, muito obrigada: minhas relações sexuais costumam ser qualitativamente boas ou ótimas. Todo o problema é que têm sido poucas.


* O relacionamento acabou assim, exatamente como esta frase.

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Considerações sobre a minha identidade acadêmica a partir da política estado-unidense

Dos romances que tive de ler para uma certa disciplina até agora, todos foram notadamente bons, ótimos ou excepcionais (por mais que eu tenha me enfastiado até o último fio de cabelo castanho com um deles). Todos, menos este: um best-seller típico, dramalhão mexicano do novo século, previsível, conservador, preconceituoso, homofóbico e machista. E, principalmente, divertidíssimo.

Nem preciso dizer que, de tantos livros geniais, meu preferido foi justamente o best-seller mais vulgar e rasteiro. O que nos leva a pensar: seria eu a hockey-mom da crítica literária?

***

Li também alguns contos de autores pós-modernos, cults e chiquérrimos, que não venderiam nem com a ajuda de Silvio Santos & Oprah combinados. E, apesar ou independentemente disso, provocaram-me um significativo escorrimento de baba.

O que suscita nova questão: seria eu a maverick dos críticos literários?

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segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Quando o amor atrapalha

Passada a ressaca das eleições de ontem, convém lembrar que faltam menos de dez dias para o pleito aqui do norte, e o candidato dos camarões e das tubas tem tudo para levar. Na verdade, a eleição de Obama parece tão certa que só consigo visualizar dois cenários possíveis nos quais ela não se concretizaria, cada um envolvendo a aparição de uma das seguintes pessoas no estado de mais puro apaixonamento:

1) Bin Laden
2) Uma amante

Porque, a esta altura, não bastaria um Bin Laden qualquer: teríamos de ver um Bin Laden literalmente vestindo a camis(et)a do Obama, e se possível um boné, e usando também um chaveirinho e uma caneca do Partido Democrata para arrematar. A mesma coisa a amante, com a diferença de que seu amor teria de ser expresso não por roupas e sim por fotos, várias e exuberantes fotos, e se possível um vídeo erótico caseiro para não restar dúvidas.

Ok: talvez o chaveirinho, a caneca e o vídeo sejam um pouco de exagero de minha parte. Mas, de resto, os dois cenários delineados acima, embora não muito prováveis, são inteiramente possíveis, e é disso que eu tenho medo. Enquanto o mundo se preocupa com o voto do eleitor branco de classe média-baixa dos swing states, eu só quero saber uma coisa, todos os dias: e o Bin Laden? E a amante? Apareceram? Não? Então tudo bem, para todo o resto dá-se um jeito. Respiro aliviada e vou fazer minhas coisinhas. Até a manhã seguinte, quando começa tudo de novo: e o Bin Laden? E a amante? Sinto a mesmíssima aflição até abrir o google reader, antes mesmo de tomar café, e constatar que nada mudou: a Rússia continua ali bonitinha do outro lado da janela e os fundamentos da economia continuam fortes.

Sério. O medo desses dois enamoramentos está acabando comigo. Ainda bem que falta pouco para eu voltar a tomar o meu café em paz.

UPDATE: É claro que, para além do Bin Laden e da amante, sempre há a possibilidade de matarem o Obama.

Esta é uma daquelas noites em que vai ser ruim e difícil dormir sozinha. Eu queria o meu pai, ou a minha avó, ou meu ex-namorado querido, enfim, alguém, que me pegasse no colo e me dissesse, shhh, calma, vai passar, por horas a fio, o tempo que fosse necessário, até eu me deixar (con)vencer pelo cansaço e dormir protegida. Mesmo sendo tudo mentira.

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domingo, 26 de outubro de 2008

Dos chicas in a Halloween parade!

Isso sim é o que eu chamo de uma verdadeira experiência antropológica. A roomate e eu fomos a uma parada de Halloween hoje à noite, que nada mais é que uma second line repleta de gente fantasiada:


Pelo que entendi, rola uma espécie de malhação do Judas, com a diferença de que o Judas daqui tem cara de abóbora. Qualquer hora vou me informar direito sobre esse lance das abóboras; os nativos com que conversei não souberam me explicar qual a simbologia do (legume? fruto? tubérculo?). A não ser, é claro, que algum leitor curioso ou americanizado queira fazer o trabalho sujo por mim e me entregar a abóbora bem mastigadinha aqui nos comentários.


O Judas deste ano, se continuo entendendo bem, foi um especulador ganancioso de Wall Street. Acima, detalhe do (carro alegórico?).


Crise econômica: só o vodu salva.


Os camarões votam Obama!


When I die Hallelujah by and by / I'll fly away... As tubas também votam Obama!


Crianças em carros alegóricos atiraram-nos doces! Eis Isabel com o saldo: uma barrinha de Kit Kat, um candy bracelet chiquérrimo e alguns pirulitos.

Ah. E lembram quando todos consideraram uma coincidência-mor o fato de ela ter o mesmo nome da minha melhor amiga?

Esqueçam.

Ela faz aniversário no mesmo dia que a minha mãe.

Se eu fosse religiosa, estaria me benzendo e fazendo sinal da cruz até agora.


Eu cheguei a comentar que ganhamos pirulitos?


A melhor árvore de Frenchmen Street.


O melhor carro alegórico! John McCain e Sarah Palin acenavam aos transeuntes enquanto bradavam "we're mavericks!". Sarah, em particular, entoava também os gritos de guerra "I can see Russia from my window" e "vote Tina Fey!", levando o povo ao delírio.


Detalhe do (carro alegórico, que seja) mais popular da 6 t' 9 Halloween Parade.


Foi muita emoção!!! Não é todo dia que a gente tem a oportunidade de estar tão perto de um ídolo. Thank you, Sarah! As mulheres do Brasil estão com você!

***

Depois de duas horas seguindo a comitiva, só nos restou comer muito macarrão e beber muito vinho, así que não me responsabilizo pela sintaxe e concordância deste post. Buenas noches e lembrem-se: amanhã, votem Tina Fey.

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sábado, 25 de outubro de 2008

Teoria do cafezinho e da turbulência

Meu amado Alex possui uma teoria sensacional e particularíssima para explicar o fenômeno da turbulência nos aviões. Diz ele que o cafezinho causa as turbulências: afinal, qualquer um pode constatar que, mal as aeromoças começam a movimentação dos carrinhos para servir-nos o café nosso de todo vôo, é batata que tudo começa a balançar.

Pois eu venho comprovando a veracidade desta teoria pelo meu blog. Outro dia escrevi um post dizendo que não havia sido convidada para um jantar. Meia hora depois - eu disse meia hora depois -, o convite chegou. Agora eu escrevi um post sobre boquetes e o sentido da vida. Meia hora depois - adivinharam? - recebi um convite para um boquete.

Então, Deus, já que é assim:

Outro dia joguei na loteria, e não ganhei. Que coisa! Etc. etc.

Eu não entendo por que as pessoas falam lotêria - vamos começar a falar lotéria, que é bem mais legal? Ops, os nordestinos já falam assim. Etc. etc.

Pronto, já fiz a minha parte. Pode mandar os milhões para a minha conta.

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Reflexões sobre o sentido da vida a partir das diferentes pronúncias de boquete

Não faz muito tempo, aprendi a suposta pronúncia correta desta palavra tão expressiva. Suposta porque ainda não me conformei com ela, e este texto vem justamente advogar uma pronúncia alternativa. Acompanhem meu argumento:

Boquéte, que me dizem ser o correto, rima com o quê?

Era uma vez
Uma menina coquete
No carnaval, jogava confete
Sua mãe a reprovava
Por ser uma piriguete
Ninguém ignorava
Que ela fazia boquete

No haikai acima, temos que praticamente todas as palavras terminadas em éte aludem a moçoilas de pouca massa encefálica para quem as práticas sexuais são uma questão de moda e uma maneira de chamar a atenção do próximo (que tanto pode ser o contemplado pelo boquete quanto a mãe, as amigas, nossa sociedade repressora-capitalista etc.) - como a evangélica que beijou uma garota só para experimentar e outros soníferos eróticos afins.

Vejamos agora como ficaria o haikai caso a pronúncia correta fosse boquête:

Era uma vez
Uma menina gulosa
No carnaval, brincava gostosa
Para ela o maior banquete
Era se refestelar num cacete
Por isso, esplendorosa,
Sempre fazia boquete

Claro que cada um é cada um e sempre haverá quem prefira um boquéte coquete a um boquête de quem aprecia um cacete. Ainda assim, é difícil contrapor-se ao argumento de que algo feito com prazer e vontade costuma dar mais certo do que algo feito por puro coquetismo. E, ademais, boquête não faz distinção de gênero: se boquéte pressupõe uma aprendiz de vedete, o boquête está aberto a homens e mulheres, bastando para isso o gosto pelos banquetes.

Modestamente, portanto, venho por meio deste post propor o abandono da primeira pronúncia em prol da segunda. Afinal, o mundo será um lugar melhor quando as pessoas pararem de se impor certos prazeres exógenos aos seus desejos: acordar cedo nas férias para aproveitar; trabalhar muito para gastar ainda mais; beijar uma garota para experimentar, e assim por diante. Já temos tantas obrigações inapeláveis em nossa vida profissional e pública, por que impô-las também ao âmbito da vida privada? Por que não podemos, ao menos nas férias, acordar apenas quando os olhos se abrirem; ao menos o dinheiro pelo qual tanto trabalhamos, gastá-lo apenas no que nos convém; ao menos o tesão, investi-lo apenas em pessoas e fazeres que realmente desejamos?

Eu não sei por que não podemos. Sei que, como aliás todo mundo, já fiz muitos boquétes e boquêtes nesta vida, e quiçá em outras. Diferentemente de todo mundo, porém, tenho me esforçado cada vez mais por me dedicar apenas aos boquêtes - aos prazeres aos quais tenho ganas de me entregar com plena convicção. Convido todos a fazerem o mesmo - a vida fica mais estranha e assustadora quando temperada por boquêtes, e também muito mais divertida.

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Um conto, para variar

Depois do esmagamento


Fui uma criança bissexual; não posso mais escapar desse reconhecimento tardio. A prima era igual a mim, só que melhor: loira, rica e culta. Pois com que então uma menina de sete anos sabia falar inglês tão perfeitamente? Não me ocorria que, aos sete anos, o inglês de minha prima inglesa regulava perfeitamente com meu português de brasileira, nem tampouco que toda sua imaginada riqueza advinha tão-somente de sua condição de estrangeira e habitante do país que minha mãe fazia questão de visitar todos os anos. Mas, na real, cultura e riqueza eu digo aqui, agora – na época, na doce época de nossas brincadeiras de médico e paciente, esses eram elementos mais sentidos do que pensados. Na pré-histórica época, o único de seus traços que chegava a tomar forma em meu pensamento eram seus longos cabelos doirados: eu, última criança do planeta a refestelar-se com o Tesouro da Juventude, já ia bem avançada no curso de deterioramento da auto-estima promovido por obras que invariavelmente atribuíam “chusmas de caracóis doirados” às crianças de alma pura. A Anna faltavam os caracóis, mas isso em nada me incomodava: o mais importante era descobrir de que maneira o ouro havia se deslocado desde os aros de algum anel até grudar nos cabelos da minha prima, sacando fora todo o negrume.

O negrume, desde sempre, era eu, que enganava minha mãe e só tomava um banho a cada dois dias; eu e meus cabelos que tampouco eram “negros como a pena brilhante do urubu”. Meus cabelos eram marrons e castanho não constava da lista de adjetivos contemplada pelo TJ. Pensando bem, eu não era negrume coisa nenhuma, isso de novo é agora, sou eu tentando criar pontezinhas mimosas entre acontecimentos que se eu esperasse mais um pouco perigavam morrer na memória. A verdade sem mimos nem afinos é que eu era essa massa castanha que não sabia o que era nem a que vinha – também, ufa, né, sete anos, vamos combinar. Não por acaso e muito menos à toa, portanto, o papel que sempre me coube representar em nossas brincadeiras hospitalares foi o de paciente: “doutor, não sei o que eu tenho…”

Ela era o médico cujo procedimento consistia em despir-me e, vestido ele, esmagar-me com o peso de seu corpo - enquanto perguntava, perguntava e esmagava, onde é que doía. É claro que a dor nunca chegava, e hoje não sei se a localização da dor permanecia imprecisa pelo meu desejo de que o exame não terminasse nunca ou pelo medo do tratamento que viria em seguida. Do jeito que escrevi parece que as duas alternativas são a mesma coisa. Talvez seja, e eu nunca reparei? Querer que tudo continue igual versus o medo de que fique diferente.

Agora seria o momento de dizer que meu primo era o oposto de Anna, pois era grande, feio, índio e meio burrinho para o meu gosto. Aos quinze anos, nem português ele falava direito. E também era pobre e morava no interior do Brasil. Seus cabelos eram o “negro liso e brilhante” das crianças misteriosas, e ouso acrescentar à iconografia do TJ que eram cabelos rebeldes também. Os verdadeiros cabelos rebeldes não são os desgrenhados, esses qualquer um passa a mão e arruma. Cabelo rebelde é aquele que não se torce às vontades de nenhum pente e nenhuma mão. E os cabelos de meu primo eram absolutamente impermeáveis ao meu toque. Luís, portanto, era rebelde e muito mais estrangeiro que a estrangeira Anna, pois na pré-histórica época em que produtos e pessoas importadas eram garantia de qualidade e segurança, tudo o que vinha do Brasil era olhado com reservas e desprezo.

Então vejam que o certo seria dizer que meu primo Luís e minha prima Anna eram o negrume e o doirado, o tosco e o refinado. Só que, não se esqueçam, eu não sou uma pessoa certa: ainda sou castanha de raiz. E Anna, quando era a Anna que eu mais gostava, era homem. Luís também. (Também, ele não teria inteligência nem imaginação para ser qualquer coisa que não ele mesmo.)

Luís me arrastava para debaixo da cama e, entre imprecações contra o estrado – não sei como ele conseguia se machucar com o estrado da cama, mas ele dava um jeito –, introduzia a língua na minha boca e ali ficava, rodando, sempre para a direita. Um dia sua irmã menor nos surpreendeu e perguntou se estávamos nos beijando. Ele respondeu que não, que estávamos cagando. A menina correu assustada, e não sei como não fugi junto com ela. Então como é que é, a gente estava cagando na boca um do outro?! E aí deu-se o milagre. Porque enfim eu decidi que, mesmo que aquilo fosse sujo, uma caganeira dos diabos. Mesmo assim, eu queria pagar para ver. Eu queria sentir a língua dele circulando para o outro lado. Eu queria que a minha língua fizesse alguma coisa. Eu já queria, depois de tão pouco tempo, perguntar, atravessando colchões, lençóis e estrados:

Depois do esmagamento, vem o quê?

Criança, fui bissexual, e isso é certo. Mas minha xis-sexualidade atual não me importa: ocupam-me os esmagamentos e as distensões, e sobretudo as línguas - e sobretudo os corpos.

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Escavando abóboras

Segue o registro da experiência antropológica da semana:








Bom fim de semana a todos!

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quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Separados no nascimento, a saga

Dando prosseguimento à nossa anti-popularíssima série "Separados no nascimento" (ignorem as moçoilas, por favor):

Tord Gustavsen



Junior Lima


Pena que a música é um pouquinho diferente. Para quem ouviu a musiquinha da semana do blog e se interessou, o disco pode ser baixado inteiro aqui (de graça, que eu sei das condições proletárias dos leitores). Vale alertar que ele é igual do começo ao fim - folk songs, mocinha sussurrante, melodias simples, arranjos mais ainda, piano ECM-like bem gravado. Ame-o ou deixe-o, pois. Depois de umas vinte audições, eu amei. Vocês? Alguém?...

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terça-feira, 21 de outubro de 2008

Fenomenologia da saudade

Estou em New Orleans fazendo pós-graduação em literatura e em saudade. E olha que eu achei que já sabia tudo sobre saudade, por causa da morte da minha mãe e de uma certa história infernal que os chegados conhecem muito bem. E não é que estou sendo obrigada a rever - e viver - tudo de novo? Eu não deveria me surpreender, afinal as análises são intermináveis e os complexos de Édipo reelaborados ao longo de toda a vida - eu deveria saber que isso iria acontecer. E no entanto eu não sabia: a mocinha aristotélica que há em mim sobrepujou a freudiana - assim sendo, espantada estou.

Porque diz o senso-comum que a saudade aumenta proporcionalmente ao tempo e à distância que nos separa do objeto amado.

E hoje percebo que isso é mentira. Ou melhor, até pode ser verdade - mas é apenas uma verdade entre várias. No meu caso, a saudade tem vindo em ondas.

A primeira pessoa de quem senti muita saudade chegando aqui foi o meu pai. Porque, por razões que não cabe ficar explicando, a verdade é que meu pai e eu não nos despedimos. Ou nos despedimos muito rápido, no tempo dos relógios, não no meu tempo interno. Não sei como estava o tempo interno dele, como aliás a gente nunca sabe nada sobre os outros mesmo. Fato é que despedidas são importantes, fazem parte do processo de luto e não por acaso passei três anos da minha vida lendo e escrevendo sobre isso. Dizer que não se gosta de despedidas tornou-se praticamente um truísmo emocional, e é fácil entender o porquê - ninguém gosta de perder o que quer que seja, ainda mais a companhia de alguém que se ama. Mas essa afirmação, ao mesmo tempo que aponta para uma verdade, é também bastante imprecisa, como de resto qualquer clichê. A gente não gosta é de perder alguém. Das despedidas, não se trata de gostar ou desgostar, não é isso o que está em jogo: o fato é que precisamos delas. Mas nem por isso sobrevirão grandes tragédias quando uma boa despedida não puder acontecer - como no caso de que estou tratando aqui. Agora a saudade do meu pai está ok. Falo com ele por skype quase todo dia, conversamos sobre música e política, enfim, está tudo bem.

O que não está bem, agora, é a saudade que venho tendo da minha tia.

Ela dormiu comigo na minha cama, por três noites. Em uma delas, senti que ela me fazia um carinho na testa. Fiquei tão emocionada que quis acordar, e tão enternecida pelo poder do gesto que continuei dormindo.

Esse carinho e tantos outros me perseguem agora. Cadê o carinho de tia que não está mais aqui? O gato comeu? Não, o avião levou. Felizmente o avião não leva as memórias emocionais da gente. Mas está ruim. O contato tão próximo com ela durante aqueles dias não mitigou a saudade - pelo contrário, aumentou-a.

Outra saudade que está ficando forte a ponto de me impacientar um bocado é a saudade da Bel. E, pra ajudar, da Lu também. Saudades do contato físico mesmo - assim como o carinho de tia, carinho de Bel e quitute de Lu (os quitutes da Lu constituem uma forma de carinho das mais poderosas que já experimentei). O bom da Bel e da Lu é que, como elas são pequenininhas, cabem fácil num abraço só.

Acho que a saudade da minha tia está mais forte porque ela foi a última a chegar, e a saudade das meninas aumentou por elas serem as próximas a vir.

Já a saudade da minha avó não tem me incomodado muito, ultimamente. Entrei num estado mental de insensibilidade com relação a ela, depois de toda a tormenta com o não-visto. Melhor assim, porque se eu for inventar de sentir qualquer coisinha que seja, estou bem arranjada - só irei vê-la em maio do ano que vem. Mais vale continuar nesta nuvem de numbness mesmo.

Mas é claro que isso é ilusório. A nuvem logo se irá, para mostrar sem dó nem piedade a montanha que é a falta que a minha avó me faz. Minha praia tem várias montanhas, e nelas batem ondas, e meu barco não será por elas derrubado. Porque eu entrei nesse barco para tomar um sol, comer uns peixinhos, ler uns romances. É o que venho fazendo. Literalmente.

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Momento recreio: comentários desimportantes sobre músicas desconhecidas

Eu devia estar lendo, eu devia estar estudando (e, na verdade, estou mesmo, prometo!). Mas, se eu não parasse um pouquinho para procrastinar, não seria eu. Em 90% dos casos, minha procrastinação envolve música, e hoje brinquei com musiquinhas novas - sobre as quais falarei aqui não como eu falaria numa mesa de bar, que a Liga da Justiça não costuma se encontrar em bares, mas como eu falaria num certo apartamento em Pinheiros ou numa certa casa no Morumbi.

Seguem algumas impressões iniciais sobre duas músicas de dois lançamentos recentes:

Vamos começar com reclamações infundadas e levianas: Stefano Bollani é um bolha, um mala, uma fria! Quer dizer, na verdade ele deve ser o máximo, como é que eu vou saber? Mas uma coisa eu sei e digo logo: tem uma música no disco novo que me causou altos muxoxos. Fui direto nela, porque tinha participação da Mônica (Salmaso), e a música é justo Folhas Secas, e eu nunca tinha ouvido a Mônica cantar Nelson antes. É um duo, piano e voz, que começa com ela fazendo o que sempre faz isto é, cantando a melodia exatamente como ela foi escrita, com quase zero de vibrato (às vezes ela põe um pouquinho no final da frase) e o segundo timbre mais lindo do mundo. O pianista, até aí, não compromete, mas também não acrescenta muito: ele não faz nenhuma grande inovação harmônica, e isso eu até acho bom, no caso dessa música tão obra-prima etc. E haja acordinhos na região aguda do piano, no melhor estilo caixinha-de-música, até que chega o B e ele explora mais os graves, com uns apoios na mão esquerda. Mas os agudos continuam lá, claro - tanto que ele faz até "plim!" uma hora (aquela nota absolutamente irritante que estraga um silêncio até então bastante bonito). Volta o A, volta a caixinha, mas agora mais elaborada, o piano preenchendo mais espaços entre um acorde e outro. Então começa um interlúdio lindo, solto, a melhor coisa da música - ao fim dele, parece que o piano vai "citar textualmente" a melodia correspondente a "e assim vou me acabando" e dá um olé no ouvinte, é bem legal mesmo. Chega-se assim ao B mais uma vez ("quando o tempo avisar"), e acontece o quê? Bem, acontece uma tentativa de samba lento no piano. E aí é o horror. Pra começar, criatividade menos um nisso aí. Pra continuar, o que acontece, na prática, é que o cara fica marcando o primeiro tempo de um jeito que não só é monótono como entrega que ele não tem a menor intimidade com aquilo. Se a cantora fosse outra, talvez o efeito não fosse tão patético. Mas a cantora é a Mônica, que não é nem um pouco dada a arroubos rítmicos e dinâmicos, e aí já viu: ao canto absolutamente previsível une-se um acompanhamento mais previsível ainda, e nem terminar de ouvir a música eu terminei.

Antes que me digam a ou b: eu amo a Mônica e é até meio ridículo escrever isso, como se todo mundo que me conhecesse não soubesse. Quando digo que ela tem o segundo timbre mais lindo do mundo para estes meus ouvidos, não estou brincando. Também não estava brincando quando passei dois anos da minha vida indo vê-la cantar semana sim semana não, e muito menos quando digo que o Nem 1 Ai está entre os três ou quatro grandes discos deste ano. Só que aí é que está. A fidelidade dela à melodia precisa ser justaposta a muita variedade em outras áreas da música para que a coisa fique interessante. Na Orquestra Popular de Câmara, a própria diversidade timbrística da banda proporcionava esse contraste, que é o que me agrada. E, no Nem 1 Ai, bem, duas palavras: André Mehmari. Ali temos o contraponto perfeito ao estilo dela - não se trata de uma união complementar tipo queijo com goiabada, e sim de uma suplementação: um responde ao que está ausente na voz musical do outro. Justapõem-se, assim, estabilidade e mutabilidade, fixidez e fluidez, Parmênides e Heráclito. Mas vamos ao próximo disco que eu certamente jamais mencionaria filósofos pré-socráticos numa reunião da Liga.

Charlie Haden acaba de lançar um disco tipo Caymmi visita Tom e leva a filharada toda - com a diferença de que, aqui, participam uns amigos também: Pat (claro), Bruce Hornsby, Jerry Douglas... Será que a sustância dos amigos é para compensar o amadorismo da família? Não tenho nem idéia, não sei se mulher e filhas mandam bem. Mas o filho sim, e isso não foi novidade nenhuma - o "if we meet again I'll tell you how I feel" é talvez a coisa mais tocante do Seven Days of Falling (calma que eu explico). O 7 Days é um dos meus dois discos preferidos do já extremamemente saudoso E.S.T., e Josh Haden pôs letra na balada que tem lá. Primeiro a balada aparece na faixa 5 (certeza nenhuma aqui), só com o trio. Aí, depois que a última música do disco acaba, temos uns três minutos de silêncio e a balada volta, desta vez com Josh cantando - lento, smoky, tristíssimo. Parece que ele tem uma banda cujas composições são todas assim, quase-parando, mezzo deprês mezzo esperançosas. Queria muito ouvir. Enfim, em Rambling Boy (o Caymmi visita Tom dos estado-unidenses) o ponteiro do meu mouse foi direto em Spiritual, que é também a última música de Beyond The Missouri Sky (bom, isso eu não vou ficar explicando). Ali, ela destoava das demais por contar com uma percussãozinha ao mesmo tempo meia-boca e absolutamente apropriada, e por começar com uns arpejos ainda mais simples do que toda a simplicidade que o disco até então evocara. E o encarte trazia a letra, que, assim como a música, é do Josh. Passei muitas horas do ano de 1997 ouvindo e lendo Spiritual, lendo e ouvindo, até que - surpresa! - ontem, quando ouvi a música com letra pela primeira vez, eu ainda sabia vários trechos de cor: "I don't wanna die alone / (...) now all I have is you". Tudo bem que eu folheei o encarte inúmeras outras vezes de 97 para cá, mas aquelas tentativas de sincronizar letra com música, só no primeiro colegial mesmo.

E tem o Jerry Douglas, nesta Spiritual nova. É engraçado, porque a reação é praticamente knee-jerk ao ouvir o som e as frases características dele: cadê a Alison Krauss? E vejam que coisa - não é que a Alison Krauss não aparece? Eu não havia percebido o quanto a voz dela estava associada, para mim, ao acompanhamento dele (aliás, é dobro o nome daquilo?). E isso me fez pensar. Que boa parte das pessoas que dizem gostar da Elis, por exemplo, na verdade gostam de Elis + César, e nem se dão conta disso. A gente nunca gosta de um instrumentista qualquer “solto no espaço”, independentemente dos outros músicos com quem ele ou ela esteja tocando. E, ainda assim, costumamos muito freqüentemente isolar as vozes de um e de outro – esquecendo, por exemplo, que a voz da Alison Krauss vem das suas cordas vocais tanto quanto do lance lá do Jerry Douglas. E bora parar de novo, que reflexões sobre a intersubjetividade musical também não costumam fazer parte das reuniões da Liga.

Ah é, e eu preciso estudar. O recreio acabou. :-)

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domingo, 19 de outubro de 2008

Ainda as observações antropológicas: as aulas nos EEUU

Chega outubro, chegam os comentários: impressionante como passou rápido, daqui a pouco já é Natal! Junto de outubro e dos comentários, naturalmente, chega também uma infestação prematura de papais noéis e bolotinhas vermelhas pela cidade. Todo ano, tudo igual, inclusive aqui. Só que, este ano, o Natal deixou de ser meu marcador preferido para o fato de que o tempo passa, o tempo voa (e a poupança dos estado-unidenses... melhor nem falar nada). O grande evento que parece ter chegado antes da hora em 2008 é o meio do semestre.

Porque o semestre está na metade, e só agora é que estou no ponto para ele começar.

Existem duas grandes diferenças entre as aulas de agora e as aulas a que eu estava acostumada antes, e elas referem-se ao volume de leituras solicitadas ao aluno e à participação destes em classe. Pode não parecer, mas esses dois pontos estão profundamente relacionados; vamos ver se até o final do post consigo desenvolver essa idéia.

Quando fui tentar explicar a primeira diferença a uma amiga por e-mail - mas sem explicitar que se tratava de uma diferença, isto é, apenas descrevendo uma característica das aulas que venho tendo -, ela saiu-se com essa: claro, sei do que você está falando; na USP é a mesma coisa, a gente é solicitado a ler as meditações cartesianas como se fossem gibi.

Isso me espantou de um tanto. Porque sim, é verdade que a USP tem essa fama, e é possível que há um ano e pouco eu compartilhasse dessa mesma opinião. Agora, isso mudou.

Vamos aos exemplos concretos que tanto me agradam: minha disciplina preferida no curso de filosofia consistiu na discussão da primeira metade da primeira meditação cartesiana. Um semestre inteiro - e note-se que o semestre brasileiro é bem mais longo que o estado-unidense - para discutir meia meditação. Havia as leituras complementares, claro - o livrinho do Franklin, que rapidamente transformou-se no herói da sala, e o livro de um grande comentarista fodão do Descartes, cujo nome não me lembro, e que escrevia em inglês. Na prática, todo mundo só lia o Franklin mesmo - não se considerava que os alunos tivessem a obrigação de ler em outro idioma. Eu até li uns trechos do cara fodão, que me ajudaram sobremaneira - mas logo acabei desistindo, porque a leitura, além de densa, nunca era abordada em aula.

E a aula consistia simplesmente em comentários muito detalhados do texto, por parte - é claro - do professor. Passávamos uma hora e meia ou duas horas ouvindo meu saudoso professor esmiuçar dois ou três parágrafos cartesianos. Nesse tempo todo, ele era interrompido umas três ou quatro vezes por alguma pergunta dos alunos, que éramos aproximadamente cem. Uma dessas três ou quatro perguntas quase sempre era minha.

Claro que essa disciplina era muito mais lotada do que o normal - além de ser uma disciplina de graduação (que, por si só, sempre será mais lotada que qualquer disciplina da pós), tratava-se de uma disciplina do primeiro semestre da graduação - ou seja, antes de 90% dos alunos desistirem do curso. Mas, mesmo se a disciplina contasse com vinte pessoas, suponho que a diferença não seria muita - e digo isso baseada na minha experiência com outras disciplinas de pós-graduação na psicologia. A carga de leitura podia até ser um pouco maior e o número de alunos bastante menor - mas a estrutura das aulas era a mesma. O professor comentava o texto-base e os alunos interrompiam a exposição com suas perguntas aqui e ali. A estrutura da aula comportava variações, sem dúvida, mas quase sempre sobre esse mesmo tema.

Nada mais diferente do que ocorre por aqui, a julgar pelas três disciplinas que estou cursando. Fico imaginando a viabilidade de uma aula inteira sobre dois míseros parágrafos, e só me ocorre o seguinte: mas que diabo eu, euzinha e meus coleguinhas, teríamos a dizer sobre dois parágrafos de Descartes de modo a preencher duas horas de aula? Porque convenhamos - o texto de Descartes e o texto de um marciano ou venusiano que caísse na terra agorinha neste instante, dava exatamente na mesma. Europeus letrados do século XVII, marcianos e venusianos todos vêm de uma outra terra com pouquíssimo em comum com a nossa. Fica difícil sair falando sobre eles de uma perspectiva que não esteja absolutamente encharcada de etnocentrismo. E isso supondo que tivéssemos a ilusão de compreender alguma virgulinha de seus discursos. Porque geralmente o que acontecia é que entre Descartes e asdfg asdfg asdfg não havia diferença alguma.

E assim chegamos à imbricação entre as duas diferenças fundamentais das aulas daqui para as aulas de lá: o material de leitura para uma aula nunca consistirá em apenas dois parágrafos, porque quem faz a aula é o aluno - e vamos combinar que é mais fácil encontrar alguma coisa para comentar em trezentas páginas de discurso marciano que em dois parágrafos apenas. De 300 páginas, sempre se salvará alguma coisa. De apenas dois parágrafos, ou você realmente reflete a respeito e passa a semana desconstruindo aquele quebra-cabeça, ou danou-se.

Não que a gente não se dane da mesma forma com as 300 páginas, porque o ímpeto de entender tudo é muito forte - então eu leio três páginas e fico andando em círculos pelo meu quarto, em tentativas geralmente estéreis de quebrar minha cabecinha dura. Mas chega uma hora, e só recentemente esta hora chegou, que você percebe que o melhor a fazer é respirar fundo, sentar-se de novo e passar à página 4, ou você não chegará jamais na página 300 até a próxima aula.

Eis que se desvela, portanto, um dos mistérios do post anterior: meu oscilar entre desilusão e esperança tem tudo a ver com isso, com a sustentação desse estado de não-saber. Depois de três sonetos de Góngora em que tudo o que posso concluir é que ele parece realmente estar interessado em dar uma bigüizada numa moça boazuda, fico esperançosa porque pelo menos isso consegui entender, ou começo a chorar de desespero pensando que consegui entender apenas e tão-somente isso? Dúvidas, dúvidas.

Mas voltando às colocações gerais sobre as aulas de lá e de cá. Aqui, além das 300 páginas a mais que somos solicitados a ler, há também algo que se chama participação do aluno. Ainda não entendi direito os critérios da coisa, mas a lógica geral é a seguinte: falar em aula dá nota, ficar quieto tira nota. É realmente comovente ver todo mundo se esforçando para falar pelo menos uma frase em algum momento da aula, nem que seja "uau, como isso é interessante!", porque ficar quieto realmente não convém.

A conseqüência disso é que as aulas ficam muito mais dinâmicas e participativas, além de que os alunos efetivamente costumam ler pelo menos alguma coisa do que foi pedido. Por outro lado, essa obrigatoriedade da participação diminui a espontaneidade das aulas. Eu não tenho sofrido muito com isso porque desde sempre fui uma aluna mais ou menos participativa. Mesmo assim, há aulas em que eu gostaria de não abrir a boca nem para bocejar - e não há nenhuma explicação para isso, é só um desejo mesmo de ficar quietinha no meu canto, ouvindo mais do que falando. Mas não rola - pega mal. E aí é preciso fazer aquele esforço bizarro de encontrar alguma coisa para dizer que não seja tão idiota assim. Tem um lado positivo, esse esforço - como, de resto, qualquer esforço intelectual: aumenta a massa de tutano ou sei lá o quê. Mas, de maneira geral, eu gostava mais de saber que não havia problema em falar apenas quando me desse na telha.

Os professores, naturalmente, incentivam a participação dos alunos com mil perguntas. O momento "o professor vai falar", quando o há, acontece no início da aula, com o oferecimento de alguma contextualização sobre o que será discutido em seguida. Depois, seguem-se as perguntas - do professor para os alunos. Talvez esta não seja uma característica tão generalizável assim para todos os EEUU, mas o fato é que os três professores com quem venho tendo aula atualmente utilizam-se todos do método socrático.

Que é um método fantástico - apenas atrapalhado, a meu ver, pela tal obrigatoriedade da participação. Porque costuma acontecer o seguinte: os professores fazem perguntas que se dividem em fáceis e difíceis. As fáceis são aquelas que basta ter lido o texto para saber responder: o que fez o personagem X em tal e tal hora? Qual é a posição do autor a respeito da escravização dos índios? E assim por diante. As difíceis são todas as outras, ou seja, as que não têm resposta pré-definida: o que você tem a dizer sobre este texto, de um ponto de vista formal? Como as ações do personagem X se relacionam com a visão de mundo do autor? E assim desenvolve-se a aula.

Notem que, na disciplina sobre poesia, eu mal consigo responder às perguntas fáceis. Nas outras duas, porém, as fáceis geralmente são fáceis mesmo. E aí fica a dúvida: pensando no lance da participação, quando é que eu abro a boca, afinal? Porque, assim como qualquer outro aluno, eu poderia tranqüilamente responder a todas as perguntas fáceis - mas fica no mínimo esquisito sair recitando nomes de personagens toda lampeira para depois fechar a boca quando vem a pergunta sobre o que os benditos nomes podem querer dizer.

Então minha estratégia tem sido mesclar respostas fáceis com respostas difíceis, para não me ferrar muito. E na disciplina em que todas as perguntas invariavelmente são dificílimas, tenho tentado ler os textos críticos com todo o afinco, confiar nas orações da minha avó e entregar o resto nas mãos de Jacob.

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sábado, 18 de outubro de 2008

Os jesuítas e eu

Eu realmente não sei se estou desiludida ou esperançosa, e isso com relação a umas três situações diferentes. É o estado mental mais difícil de manter: o reconhecimento e a entrega ao não-saber. Não ter pressa de definir o que estou querendo, nem querer entender precipitadamente o que se passa com o mundo, os bichos, os outros. Vou parar antes que o texto fique falsamente poético ou descaradamente misterioso. E vou partir para um exemplo que vai deixar tudo muito mais concreto, do jeito que eu gosto que a vida e as relações sejam.

Numa aula, já faz um tempo, um aluno fez uma pergunta excelente ao professor: quando é que a catequisação dos índios na América terminou? Quando se considera, historicamente, que a fúria evangelizadora chegou ao fim?

A resposta ultrapassou a pergunta e bateu direto em alguma tópica psíquica minha que ainda não consegui identificar - pré-consciente ou superego, não sei.

A resposta: não terminou.

Em nenhum momento os jesuítas ou what-have-you consideraram que os índios já estavam bons de evangelho - em nenhum momento pensaram que, catequisação?, ok, já deu, that's enough.

O processo de conversão jamais chega ao fim. Continua até hoje.

Meu coração até descompassou.

Porque além do terror evidente de trazer alguém para as próprias hostes à força (ou na base da lábia, que também é força), há ainda o terror adicional de perceber que isso é uma tarefa que não pode mesmo acabar. O que, aliás, é um bom sinal: de que a resistência existe e de que uma assimilação completa do outro é inviável.

Que vida amaldiçoada levam os jesuítas e afins, que não sabem a hora de parar de investir.

Eu também não sei, mas quero crer-me um pouquinho menos amaldiçoada do que eles. Porque demora, mas uma hora eu paro.

E enquanto não paro de vez, suspendo o investimento a um limbo inalcançável até mesmo por mim.

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terça-feira, 14 de outubro de 2008

O mapa dos fetiches

Polêmico, exaustivo, absurdo, fascinante e bem-humorado, tudo ao mesmo tempo:



Clica para explorar, senão não adianta.

Via Bacchus; original aqui.

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segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Ainda sobre a antropologia dos estado-unidenses: por que a Psicanálise não tem vez por aqui

A livraria da minha universidade tem uma seção dedicada aos livros obrigatórios de todas as disciplinas da universidade inteira. É o máximo: você procura a matéria que está fazendo e encontra tudo separadinho numa prateleira, podendo geralmente optar entre livros novos e usados. Quis o destino que a prateleira bem em frente aos cursos de espanhol fosse dedicada justamente aos cursos de psicologia. Sempre que passo por lá não resisto a uma espiadinha, mesmo já sabendo o que irei encontrar. E o que encontro é uma profusão de manuais: de estatística, doenças, comportamentos, desenvolvimento infantil, desenvolvimento escolar, desenvolvimento sexual. Muitas somas, classificações e linhas do tempo; nenhuma teoria. Apenas guias práticos de diagnóstico e pesquisa. Skinner, Piaget, Vygotsky, Freud, Jung, Rogers - ainda não me deparei com nenhuma dessas referências barbudas pelas prateleiras de Tulane. Dos grandes hits, até agora, apenas o DSM-IV.

Sobre o paradeiro de Skinner e quejandos, naturalmente não posso dizer muita coisa. Mas posso tentar pensar um pouco a respeito da total ausência da Psicanálise na clínica psicológica estado-unidense. Assim, sem compromisso mas com algum afinco, segue um levantamento brainstórmico de diferenças irreconciliáveis entre a Psicanálise e a cultura estado-unidense:

- Concepção de tempo: o estado-unidense quer resultados pra-já. Não temos petróleo? A solução é drill, baby, drill - mesmo que as reservas nacionais sejam suficientes para apenas seis meses de consumo interno. Nada de planejamentos a longo prazo com investimentos dispendiosos em fontes de energia alternativa. Obama está à frente nas pesquisas, ufa, mas seu projeto energético está entre os pontos mais impopulares do seu programa de governo. E se existe um tratamento que exige longos e dispendiosos investimentos com vista a resultados sabe-se lá quando, este tratamento é a Psicanálise.

- Concepção de história: o estado-unidense acredita que ontem determinou hoje que determinará amanhã. Um dia de cada vez e um após o outro. E é claro que a Psicanálise costuma ser vista desta mesma forma: a relação com os pais, quando éramos criancinhas, é a causa dos nossos problemas da vida adulta. Não surpreende que o pensamento freudiano tenha sido assimilado desta maneira, com o esquecimento do conceito de sobredeterminação inconsciente - somos por demais apegados à linearidade do tempo para aceitar a radicalidade da hipótese de um "tempo polifônico".

- Concepção de categorias: aqui é a terra onde preto é preto, branco é branco, macaco é macaco, viado é viado e não se fala mais nisso. Naturalmente, a Psicanálise pode muito bem servir a propósitos classificatórios estigmatizantes. Mas, de maneira geral, teorias como a da sexualidade infantil contribuíram para uma significativa relativização - embora não se tenha chegado propriamente à abolição - das categorias de normal e patológico.

- Concepção de força de vontade: o estado-unidense tem fé religiosa no poder da sua força de vontade individual. A auto-ajuda é a grande religião contemporânea. É verdadeiramente contagiante, e digo isso sem um pingo de ironia: na minha primeira semana aqui, chegando no hotel todas as noites sem aguentar ver uma sacola do wal-mart na minha frente, que alento deparar-me na TV com um pastor que repetia convictamente "everything is going to be alright", e que eu estava mais perto da vitória do que eu imaginava. Metáforas bélicas e tudo o mais. E que é a Psicanálise senão a mais completa negação de tudo isso? Afinal, o ponto central da teoria e do método psicanalíticos, sobre o qual nenhum psicanalista jamais divergirá, é que nossa força de vontade, por maior e mais bem-intencionada que seja, não vale tanto assim - esta é a implicação primeira do conceito de inconsciente. Se somos determinados por algo que desconhecemos, talvez não seja tão proveitoso eu ler todos os livros de auto-ajuda que o pastor e a Oprah me recomendaram.

Alguns consideram a Psicanálise pessimista em seu cerne. Imagino que nunca deixarei de discordar dessa posição - se a fé do estado-unidense é na força de vontade, a fé da Psicanálise está no próprio fazer psicanalítico: a Psicanálise acredita dispor de um método capaz de intervir eficazmente no inconsciente. Quer maior otimismo do que isso? Depois ainda dizem que a pulsão de morte, a repetição e a análise interminável apontam para um beco sem saída terrível e de todo pessimista. De certa forma, é verdade: esses são conceitos que apontam para o fim do universo passível de exploração psicanalítica. E por que isso deveria ser ruim? Se pessimismo for sinônimo de demarcação dos limites de alguma coisa, então me incluam na fileira dos pessimistas, por favor.

E assim a Psicanálise vai passando ao largo das prateleiras da minha universidade. E, a bem da verdade, também vai passando muito longe das prateleiras do Brasil - afinal, apenas uma pequena parcela da classe média-alta intelectualizada do eixo Rio-São Paulo submete-se ao tratamento psicanalítico. Mas o mais importante não é isso, e sim constatar que os estado-unidenses somos todos nós. Talvez as características aqui descritas sejam mais exacerbadas na Terra de Marlboro, mas até agora não escrevi sobre nada que vá muito além do império do senso-comum, que como sabemos é transoceânico.

Desenvolver um pouquinho de sensibilidade incomum é um esforço diário, quase sempre infrutífero.

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Adeus, Marta

Dizem que propaganda política serve para enganar / convencer as massas desinformadas. Devem estar certos. Porque eu, esta politizadinha de merda que sou, acabo de ser inteiramente convencida por um comercial político de TV. Um comercial que começa e continua muito bem, fazendo questionamentos importantes sobre a (pra lá de questionável) trajetória política de um sujeito que pretende se reeleger à prefeitura da maior cidade do meu país, que por acaso é também a minha cidade.

E eis que de repente o comercial vira um produto dos mesmos marqueteiros da campanha de McCain. Sabe aqueles comerciais que reforçam sutil e poderosamente o preconceito racial mais entranhado nos estadounidenses, sugerindo que Obama é o negão árabe e desconhecido prestes a roubar o seu emprego e comer suas criancinhas? Pois. De repente, não mais que de repente, o comercial passa de "Kassab - quem é esse político?" para "Kassab - quem é esse sujeito que até hoje não casou e não teve filhos?".

Para mim isso configura, como bem dizia Arianna Huffington outro dia, apelação à parte mais lagártica do cérebro dos eleitores. E, como disse melhor ainda o Gravataí, essa foi uma manobra digna de Maluf, à qual nem o próprio teve coragem - ou idéia, vai saber - de recorrer.

Mas a propaganda não é de McCain nem de Maluf - é de Marta. Que acaba de jogar pelo ralo do youtube toda uma vida de luta pelos direitos dos homossexuais - e, com isso, acaba de perder o meu voto para todo o sempre. E não só o meu, tenho certeza disso.

Então estamos esperando por uma retratação pública de Marta e sua campanha. Quem sabe assim ela me reconquiste. Mas duvido. Duvido que ela o faça e, se fizer, duvido que seu discurso seja incisivo a ponto de me reconquistar.

Adeusinho, Marta. Meu voto no segundo turno, caso eu estivesse em São Paulo, seria nulo.

P.S.: PD disse tudo o que precisava ser dito aqui.

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Tentativas de preenchimento

Naquele momento, quando eu disse a ela "olha, foi aqui que Bel e eu nos sentamos e começamos a chorar", ambas fingimos tratar-se apenas de uma curiosidade histórica, como quem dissesse "aqui Freud desvendou o mistério dos sonhos" ou "aqui jaz Napoleão", ignorando solenemente que, em menos de uma hora, seríamos nós as personagens a sentar e chorar - nada de explicar o inconsciente ou jazer inertemente, mas chorar, vivas e estúpidas, o tamanho do mundo e o preço do dólar e a necessidade de ganhar a vida que impedem que todos os fins de semana sejam iguais a este.

Minha tia foi embora e chorei sem ela, no táxi, e cheguei em casa e dormi, dando graças a algum Deus por ter uma casa para habitar, livros a estudar, amigos para escrever e um blog para cuidar.

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quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Enquanto o wordpress não vem

Enquanto crio coragem para mudar o blog para o wordpress, fiquem com este layout pobrinho-mas-limpinho - aliás, bem mais limpinho que o anterior - e, se puderem, palpitem, que estou curiosa para saber a opinião de vocês.

Cara nova, descrição nova também: mudei aquele texto em terceira pessoa falando de mim mesma como se eu fosse o Pelé. Eu estava precisando de uma funilaria e pintura, entene?

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Diferentes conceitos de inteligência, com um teste exclusivo ao final do post

Agora não lembro se eram os etólogos ou os experimentais, mas uma dessas turmas de psicologia dos bichos propunha uma definição no mínimo curiosa para o conceito de inteligência: tratar-se-ia da capacidade que temos de discriminar estímulos. Assim, um pombo seria mais "inteligente" que, digamos, um bem-te-vi por ser capaz de diferenciar, por exemplo, círculos verdes de círculos vermelhos, enquanto que para o passarinho cantador todo círculo é círculo, e todos os círculos são iguais. Tal definição, aplicada ao caso humano, explicita em que medida um enólogo possui inteligência vinícola superior à minha: para mim, pobre bem-te-vi, qualquer vinho tinto, tirando sangue de boi, está valendo; o máximo de capacidade discriminatória que alcanço é perceber que o Merlot, talvez, eventualmente, quem sabe, seja um pouquinho mais forte que o Cabernet (estão ouvindo esse barulho? são os enólogos se revirando no caixão - ou nos polvos - neste exato instante). Enquanto isso, o enólogo inteligente identifica notas de madeira aqui e notas de plástico acolá (ouviram o barulho de novo?).

Felizmente, porém, esse conceito é apenas um entre vários - porque, se fosse o predominante, minha carreira acadêmica teria sido interrompida no pré-primário. Existem alguns pares de objetos no mundo que para mim são impossíveis de diferenciar - a saber,

atacado e varejo
banana prata e banana nanica
Autumn Leaves e All The Things You Are
Star Trek e Star Wars.

Mas, pensando bem, meu problema não é tanto de discriminação, pois em realidade sei muito bem que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Sei que existem vendas diretas e indiretas, que uma banana é gostosa e outra nem tanto, que uma das músicas é mais bonita e um tantinho mais complexa do que a outra, e que Darth Vader e espadas de sabre nada têm a ver com Spok e orelhas pontudas em geral. Meu problema de inteligência, portanto, pertence a outra categoria. Sou um pombo que conhece os círculos vermelhos e verdes, mas não sabe qual botão apertar para convencer o cientista disso. Meu problema, mais que de discriminação de estímulos, é de dissociação entre significado e significante - o conceito está aqui, a palavra acolá, e nenhuma ponte pode ser estabelecida entre eles. Inteligência também pode ser isso - a capacidade de conectar (e desconectar, e reconectar de formas criativas) significantes e significados, e significantes e significantes, e significados e significados.

Voltando aos meus pares de objetos indiscrimináveis. É claro que eu seria uma pessoa bem mais feliz se todos os problemas da minha vida fossem como esse - em que pesem minhas dificuldades associativas, até que me viro bem com minhas compras, frutas, standards de jazz e séries de ação.

Só que, recentemente, o problema piorou um pouquinho.

Três das minhas coleguinhas do curso de francês chamam-se Britney, Melanie e Kimberly (nomes inventados, claro).

Convivo com elas quatro vezes por semana e já estou até entrando na fase em que os estereótipos a seu respeito - a esportista, a trabalhadeira e a esforçada - cedem lugar a pensamentos sobre cada uma delas.

Mas não há pensamento que me faça conectar indubitavelmente esses estereótipos com os nomes - corretos - delas. Morro de vergonha a cada comment ça va que lhes dirijo.

Do atacado e do varejo, já desisti. Outro dia mesmo meu pai me explicou - ou antes, conectou significante e significado - e eu avisei que não adiantava, que eu iria esquecer. Não deu outra.

Mas dos nomes dessas pessoas - que, ao fim e ao cabo, são as que mais vejo aqui em New Orleans - não quero abrir mão. Começa assim, e daqui a pouco estou saindo de casa de moletom.

A conexão entre aprender nomes e (não) vestir moletom fica a cargo do leitor, bem como a discriminação entre um moletom e um vestido rodado. É esse o teste de inteligência do dia - autores do QI, morram de inveja.

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Ao polvo voltaremos

Então a aula de poesia do Siglo de Oro chegou ao Barroco, com tudo o que isso implica: a saber, homens angustiados com o inevitável envelhecimento de mulheres gostosas. E dá-lhe transitoriedade da vida e carpe diem na cabeça - afinal, do pó viemos e ao pó voltaremos.

Acontece que a aula de poesia, assim como todas as outras, é em espanhol. E pó em espanhol é polvo.

Sempre que começa essa conversa de pó, visualizo vários polvinhos em festa no fundo do mar, sacudindo suas barbatanas (ai, a tia bióloga que me corrija se não for isso) e comemorando a chegada de mais um morto.


(Imagem: www.garycmartin.com/octopus_setup.html)

Na boa, é uma imagem terrível. Melhor seria se vocês não tivessem lido este post.

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domingo, 5 de outubro de 2008

O post mais patético

Enquanto as pessoas sérias do meu país ocupam-se dos resultados das eleições municipais, eu só tenho uma coisa a declarar: tenho quatro fios de cabelos brancos. Na minha cabeça, para que não reste dúvidas.

Reparem que não é nem um, que seria pouco, nem dois, que seria bom, e nem três, que seria demais. Reparem ainda que nem sequer existe uma frase-clichê sobre o número seguinte: quatro ou infinitos, dá na mesma.

Afagos no meu ego, dicas de wellaton ou xingamentos mandando eu arrumar o que fazer serão bem-vindos.

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sábado, 4 de outubro de 2008

Observações antropológicas sobre os rituais de acasalamento dos norte-americanos

Agora que os furacões se foram e o livro da Clarice já passou, resta voltar a viver a vida em toda a sua gloriosa normalidade - lembrando sempre que a normalidade em Terra de Marlboro é um conceito que ainda não assimilei muito bem. Tomemos, por exemplo, os rituais de acasalamento: ainda estou longe de entender suas tramas, suas manhas, seus códigos implícitos. A ver dois causos que me sucederam:

Fiu-fiu na rua

Outro dia perguntava-se na aula de francês se a preferência geral era por morar no campo ou na cidade (parece que é consenso que New Orleans seja uma grande cidade). Respondi que morar aqui combinava o melhor dos dois mundos, pois as várias comidas e músicas que só encontramos em grandes cidades (com a diferença de que as comidas e músicas daqui, só aqui mesmo) convivem com uma calmaria de Birigui no meu pacato bairro. Agora nem tanto, porque tenho ido para a faculdade de bicicleta - mas, quando ia a pé, quase metade das (poucas) pessoas com quem eu cruzava sorriam para mim e me cumprimentavam. O famoso "tarrrrde" interiorano. No primeiro dia não entendi muito bem, mas acostumei rapidinho - a gente logo se acostuma com aquilo que é bom. Em São Paulo, por outro lado, se um desconhecido lhe aborda na rua para dizer "oi, tudo bem?", de três uma: ou ele quer te vender algum cacareco, ou quer te converter a alguma igreja cacareca, ou vai te passar uma cantada que lhe fará revirar os olhos três vezes consecutivas. Aqui, porém, nada disso: embora os cacarecos mundanos e espirituais existam em profusão, eles não são oferecidos na rua - e nem tampouco cantadas.

Pois não é que, dia desses, um "hi, how are you" como todos os outros rapidamente virou um "how you doin'" do Joey? Após o cumprimento habitual, o sujeito foi logo perguntando meu nome e dizendo que eu era "so beautiful".

Em São Paulo, eu seria facilmente capaz de detectar, em questão de milésimos de segundo, as intenções por trás de um (nunca inocente) oi-tudo-bem. E reparem que nem incluí o motivo mais comum pelo qual uma pessoa estranha costuma abordar alguém em São Paulo - estou me restringindo às interações iniciadas por uma saudação amistosa. Da mesma forma, aposto que uma nativa teria sido capaz de perceber que o cumprimento daquele cara era uma fria - ou uma quente, a depender do gosto da freguesa. De minha parte, ainda levarei um bom tempo para conseguir discriminar essas sutilezas do comportamento masculino daqui.

A date? Not really

Outro dia fui convidada para um date - aquele encontro com pretensões obviamente romântico-sexuais, mas que pode perfeitamente manter-se no campo da amizade por um bom tempo ou eternamente - ou pelo menos achei que tinha sido. O cara me convidou para jantar: disse que gostava de cozinhar e que gostaria de cozinhar para mim. Então me passou o e-mail dele, já que não tenho telefone, e pediu para que eu lhe escrevesse, para combinarmos algo. Gostei do convite: o cara parece boa gente e, na pior das hipóteses - ou seja, no caso de ele ser um mau cozinheiro -, eu poderia passar uma ou duas horas na companhia de uma pessoa agradável. Sendo assim, escrevi-lhe dizendo basicamente isso (omitindo, é claro, a parte da possibilidade de ele cozinhar mal) - que havia gostado do convite e que podíamos combinar algum evento culinário sim, era só marcar.

Pausa para outra breve consideração sobre o livro da Clarice. Por mais aborrecida que tenha sido sua leitura, uma coisa ninguém há de negar: mesmo em seus textos mais farinhentos, página ou outra uma frase clariceana cai sobre a sua cabeça com o peso de uma família de elefantes. Vejam, por exemplo, estas duas:

"Ele esperou um pouco mais. Até que nada aconteceu."

Assim foi: esperei até que não acontecesse nada. E-mail sem resposta.

Meu palpite? No caso do fiu-fiu, achei que não era e acabou sendo; aqui, achei que era e não devia ser. Nos dois casos, problemas de comunicação e sobretudo de interpretação do comportamento alheio. Eu entendi tudo errado, mesmo.

O pior? É que estou com uma preguiça danada de aprender a entender.

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Meios de comunicação

Bilhetinhos - na geladeira, no espelho, na porta, no meio da aula. Telefone celular - diálogo; telefone celular - caixa postal. Telefone fixo: diálogo e secretária eletrônica. E-mail, googlegroup, yahoogroup. E-mail pessoal e profissional, e-mail do MSN e do SPAM. Mensagem individual e geral, cc e cco. Mensagem em egroup, idem e ibidem. Comentário no blog. E-mail comentando algo do blog. Chat na caixa de comentários - de um blog, de outro blog. Post de outro blog comentando seu post. Facebook, Skype, MSN e SMS. SMS curtinho e SMS de quatro páginas. MSN com vídeo, sem vídeo; com ambos online, com alguém away (outra modalidade de bilhetinho). Skype: chat escrito, chat falado, chat falado com vídeo e também conferência. Facebook: parede, parede-a-parede, chat, mensagem individual, status e comentário de status. Lastfm: mais mensagens. Nextel, muito nextel. Escaninho e caixa de correio.

Um simples chêro: a mais avançada de todas as tecnologias.

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quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Bem amigos

Bem amigos da rede blogger!!! Em dez minutos começa a grande festa da democracia norte-americana! O PD e o Idelber transmitirão ao vivo, mas, com todo o respeito, acho que será bem mais divertido acompanhar o show com um prato de macarrão que com um computador no colo! Isto posto, o referido macarrão encontra-se na panela, donde se conclui que só tenho tempo de deixar o link para o magnífico editorial da New Yorker - tentem ler, assim, já, que amanhã só se vai falar no jogo de hoje. Beijos a todos, boa diversão e até já!

UPDATE 1: Na primeira metade do debate fiquei com o macarrão; na segunda, com o Biscoito (vale a pena ler a caixa de comentários de lá). Parece ter havido consenso em que a atuação de Palin foi surpreendentemente boa - repetindo as patacoadas republicanas de sempre, claro, mas repetindo-as muito bem, de forma segura, confiante e ainda por cima simpática. Biden até que foi bem - não cometeu nenhum deslize, defendeu as posições de Obama e atacou McCain com sobriedade -, mas não chegou a empolgar - a não ser, talvez, numa das últimas respostas, quando afirmou incisivamente que McCain votou junto com o governo em questões de interesse supremo para o americano médio.

Para mim, no jogo de cena, Palin dominou disparado. No que diz respeito à sustância do discurso, porém, Biden foi mais convincente - e imagino que tenha ficado claro para o tal "eleitor médio" (categoria na qual eu me incluiria, caso votasse aqui) que Palin mais de uma vez simplesmente desconversou e fugiu da raia. A ver o que as pesquisas dizem.

UPDATE 2: E eis que os resultados são surpreendentemente favoráveis a Biden: 76 a 22. Parece que o conteúdo venceu a forma. Felizmente.

UPDATE 3 (e depois chega, vou dormir, prometo): a melhor análise do que aconteceu eu encontrei aqui. Boa noite e até amanhã!

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quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Maçãzinha farinhenta da porra (post-desabafo)

Neste exato instante, eu deveria estar lendo A Maçã no Escuro pra aula do Idelber, e em vez disso vim falar mal do livro aqui no blog.

O bom de falar mal de um autor consagrado num blog minúsculo e pessoal é que você não precisa se dar ao trabalho de ficar explicando que obviamente a crítica diz muito mais sobre os seus próprios gostos e (in)capacidades de apreciação literária do que sobre a obra em consideração.

Deixemos portanto de enrolação e passemos à lenha.

Em primeiro lugar, eu adoro a Clarice dos contos e crônicas; dos livros infantis, d'A Hora da Estrela e d'O Livro dos Prazeres. Em suma, eu adoro a Clarice que me conta alguma coisa - qualquer coisa, sabe? desde um beijo numa estátua até a importância de um guarda-chuva vermelho, meu problema não é com o conteúdo - que eu seja capaz de entender.

Aí a gente podia passar a uma discussão sobre a importância de se apreender intelectualmente uma obra de arte para poder devidamente apreciá-la, mas infelizmente eu não saberia conduzir uma tal discussão. Limito-me assim a duas afirmações bem pragmáticas, sobre fenômenos que acontecem comigo enquanto leio:

1) A dissecação minuciosa de uma obra nada tem a ver com a sua fruição estética - dissecar, como o próprio nome sugere, implica destruir, matar, separar em pedacinhos, analisar -, embora muitas vezes conduza a insights sobre a própria obra que realimentem uma fruição estética posterior (posterior no sentido lógico, não cronológico). Mas ter que entender tudo para conseguir fruir (sabe gente que lê a resenha do filme ou do cd antes de ver ou ouvir, para decidir se pega bem gostar?) - comigo, não é assim que funciona. Até hoje não entendo lhufas de harmonia, sei lá como meus improvisadores preferidos passam de uma frase melódica para outra de forma a construir uma história, e gosto da história que eles contam mesmo assim.

2) As sensações, as angústias, as aflições, os devaneios que um texto ou um troço qualquer evocam... "Oh, não faz mal não entender um texto, o importante é sentir, deixar-se levar..." Então tá: asdfasfd ijfsdsadiofsdfo pjopjosadjposadf. E aí, alguém sentiu bastante? Sentiu mesmo, no fundo da alma? Pois eu não consigo. Alguma identificação com o texto ou o troço é necessária para eu me "deixar levar". Senão, vira asdfg asdfg. E eu simplesmente desisto, que a vida é muito curta.

Agora vamos pular a parte da discussão sobre o que vem antes: o pensar ou o sentir, a mente ou o corpo, o espírito ou a matéria, o ovo ou a galinha. E vamos pular também a discussão sobre as dissociações modernas que persistem na pós-modernidade, que seria necessário retomar o meu mestrado e fazer um esforço do cão. Não é o caso, graças a Deus - isto é um blog e ninguém tem paciência para isso, e muito menos eu.

Então, depois de fingir que a gente já passou por essa interessantíssima discussão, podemos passar ao livro em si.

E o livro consiste em?

Eu diria que se trata de uma Paixão Segundo G.H. de calças compridas, ou de um Crime e Castigo levado às últimas e aborrecidíssimas conseqüências. O personagem Martim é o Raskólnikov particular da Clarice, que cometeu um crime e fica todo oh, a culpa, a não-culpa, e agora, quem sou eu, eu sou um eu?, e a vida, e a morte, e as pedras e as pessoas?, e outras dezenas de questões (questões? negações? a linguagem existe? o pensamento é real?) tão relevantes quanto.

A diferença para Crime e Castigo - as reflexões do Raskólnikov, eu entendo. Percebo-me nele e sou capaz de segui-lo. Aliás, sou irremediavelmente incapaz de não segui-lo e não me ver atormentada por ele até hoje.

A diferença para G.H. - pelo menos, o bicho com quem Martim estabelece uma relação transcendental, metafísica e plift-plaft-plum é um passarinho, e não uma barata.

De verdade? Eu não duvido de que haja sentidos profundos e belíssimos na captura do pássaro por Martim, no acolhimento do bicho em suas mãos, em tudo o que ele pensa a partir do bicho e na morte, enfim, do coitado (morre o pássaro, não o homem. Ou não).

Só que eu realmente não alcanço. Sou por demais rasa e superficial para alcançar. É muita profundidade socada na minha cabeça. E de repente me vejo implorando por uma Revista Caras em plena leitura de Clarice Lispector.

Só que eu não sou superficial, nem muito menos humilde - sei da minha inteligência e das minhas possibilidades de sensibilização a determinadas coisas.

Só que a outras, não.

A Clarice profunda e existencial simplesmente não é para mim. Claro que tudo o que ela escreveu pode ser considerado profundo e existencial. Mas há histórias e (falta de) histórias.

Então com licença que vou lá terminar de ler o livro. Se não fosse trabalho, eu já teria desistido, como desisti da G.H. sem o menor pudor. Mas felizmente os tempos mudam, e não é mais assim que a banda toca. Desejem-me força e sorte, por favor.