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quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Maçãzinha farinhenta da porra (post-desabafo)

Neste exato instante, eu deveria estar lendo A Maçã no Escuro pra aula do Idelber, e em vez disso vim falar mal do livro aqui no blog.

O bom de falar mal de um autor consagrado num blog minúsculo e pessoal é que você não precisa se dar ao trabalho de ficar explicando que obviamente a crítica diz muito mais sobre os seus próprios gostos e (in)capacidades de apreciação literária do que sobre a obra em consideração.

Deixemos portanto de enrolação e passemos à lenha.

Em primeiro lugar, eu adoro a Clarice dos contos e crônicas; dos livros infantis, d'A Hora da Estrela e d'O Livro dos Prazeres. Em suma, eu adoro a Clarice que me conta alguma coisa - qualquer coisa, sabe? desde um beijo numa estátua até a importância de um guarda-chuva vermelho, meu problema não é com o conteúdo - que eu seja capaz de entender.

Aí a gente podia passar a uma discussão sobre a importância de se apreender intelectualmente uma obra de arte para poder devidamente apreciá-la, mas infelizmente eu não saberia conduzir uma tal discussão. Limito-me assim a duas afirmações bem pragmáticas, sobre fenômenos que acontecem comigo enquanto leio:

1) A dissecação minuciosa de uma obra nada tem a ver com a sua fruição estética - dissecar, como o próprio nome sugere, implica destruir, matar, separar em pedacinhos, analisar -, embora muitas vezes conduza a insights sobre a própria obra que realimentem uma fruição estética posterior (posterior no sentido lógico, não cronológico). Mas ter que entender tudo para conseguir fruir (sabe gente que lê a resenha do filme ou do cd antes de ver ou ouvir, para decidir se pega bem gostar?) - comigo, não é assim que funciona. Até hoje não entendo lhufas de harmonia, sei lá como meus improvisadores preferidos passam de uma frase melódica para outra de forma a construir uma história, e gosto da história que eles contam mesmo assim.

2) As sensações, as angústias, as aflições, os devaneios que um texto ou um troço qualquer evocam... "Oh, não faz mal não entender um texto, o importante é sentir, deixar-se levar..." Então tá: asdfasfd ijfsdsadiofsdfo pjopjosadjposadf. E aí, alguém sentiu bastante? Sentiu mesmo, no fundo da alma? Pois eu não consigo. Alguma identificação com o texto ou o troço é necessária para eu me "deixar levar". Senão, vira asdfg asdfg. E eu simplesmente desisto, que a vida é muito curta.

Agora vamos pular a parte da discussão sobre o que vem antes: o pensar ou o sentir, a mente ou o corpo, o espírito ou a matéria, o ovo ou a galinha. E vamos pular também a discussão sobre as dissociações modernas que persistem na pós-modernidade, que seria necessário retomar o meu mestrado e fazer um esforço do cão. Não é o caso, graças a Deus - isto é um blog e ninguém tem paciência para isso, e muito menos eu.

Então, depois de fingir que a gente já passou por essa interessantíssima discussão, podemos passar ao livro em si.

E o livro consiste em?

Eu diria que se trata de uma Paixão Segundo G.H. de calças compridas, ou de um Crime e Castigo levado às últimas e aborrecidíssimas conseqüências. O personagem Martim é o Raskólnikov particular da Clarice, que cometeu um crime e fica todo oh, a culpa, a não-culpa, e agora, quem sou eu, eu sou um eu?, e a vida, e a morte, e as pedras e as pessoas?, e outras dezenas de questões (questões? negações? a linguagem existe? o pensamento é real?) tão relevantes quanto.

A diferença para Crime e Castigo - as reflexões do Raskólnikov, eu entendo. Percebo-me nele e sou capaz de segui-lo. Aliás, sou irremediavelmente incapaz de não segui-lo e não me ver atormentada por ele até hoje.

A diferença para G.H. - pelo menos, o bicho com quem Martim estabelece uma relação transcendental, metafísica e plift-plaft-plum é um passarinho, e não uma barata.

De verdade? Eu não duvido de que haja sentidos profundos e belíssimos na captura do pássaro por Martim, no acolhimento do bicho em suas mãos, em tudo o que ele pensa a partir do bicho e na morte, enfim, do coitado (morre o pássaro, não o homem. Ou não).

Só que eu realmente não alcanço. Sou por demais rasa e superficial para alcançar. É muita profundidade socada na minha cabeça. E de repente me vejo implorando por uma Revista Caras em plena leitura de Clarice Lispector.

Só que eu não sou superficial, nem muito menos humilde - sei da minha inteligência e das minhas possibilidades de sensibilização a determinadas coisas.

Só que a outras, não.

A Clarice profunda e existencial simplesmente não é para mim. Claro que tudo o que ela escreveu pode ser considerado profundo e existencial. Mas há histórias e (falta de) histórias.

Então com licença que vou lá terminar de ler o livro. Se não fosse trabalho, eu já teria desistido, como desisti da G.H. sem o menor pudor. Mas felizmente os tempos mudam, e não é mais assim que a banda toca. Desejem-me força e sorte, por favor.

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