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sábado, 4 de outubro de 2008

Observações antropológicas sobre os rituais de acasalamento dos norte-americanos

Agora que os furacões se foram e o livro da Clarice já passou, resta voltar a viver a vida em toda a sua gloriosa normalidade - lembrando sempre que a normalidade em Terra de Marlboro é um conceito que ainda não assimilei muito bem. Tomemos, por exemplo, os rituais de acasalamento: ainda estou longe de entender suas tramas, suas manhas, seus códigos implícitos. A ver dois causos que me sucederam:

Fiu-fiu na rua

Outro dia perguntava-se na aula de francês se a preferência geral era por morar no campo ou na cidade (parece que é consenso que New Orleans seja uma grande cidade). Respondi que morar aqui combinava o melhor dos dois mundos, pois as várias comidas e músicas que só encontramos em grandes cidades (com a diferença de que as comidas e músicas daqui, só aqui mesmo) convivem com uma calmaria de Birigui no meu pacato bairro. Agora nem tanto, porque tenho ido para a faculdade de bicicleta - mas, quando ia a pé, quase metade das (poucas) pessoas com quem eu cruzava sorriam para mim e me cumprimentavam. O famoso "tarrrrde" interiorano. No primeiro dia não entendi muito bem, mas acostumei rapidinho - a gente logo se acostuma com aquilo que é bom. Em São Paulo, por outro lado, se um desconhecido lhe aborda na rua para dizer "oi, tudo bem?", de três uma: ou ele quer te vender algum cacareco, ou quer te converter a alguma igreja cacareca, ou vai te passar uma cantada que lhe fará revirar os olhos três vezes consecutivas. Aqui, porém, nada disso: embora os cacarecos mundanos e espirituais existam em profusão, eles não são oferecidos na rua - e nem tampouco cantadas.

Pois não é que, dia desses, um "hi, how are you" como todos os outros rapidamente virou um "how you doin'" do Joey? Após o cumprimento habitual, o sujeito foi logo perguntando meu nome e dizendo que eu era "so beautiful".

Em São Paulo, eu seria facilmente capaz de detectar, em questão de milésimos de segundo, as intenções por trás de um (nunca inocente) oi-tudo-bem. E reparem que nem incluí o motivo mais comum pelo qual uma pessoa estranha costuma abordar alguém em São Paulo - estou me restringindo às interações iniciadas por uma saudação amistosa. Da mesma forma, aposto que uma nativa teria sido capaz de perceber que o cumprimento daquele cara era uma fria - ou uma quente, a depender do gosto da freguesa. De minha parte, ainda levarei um bom tempo para conseguir discriminar essas sutilezas do comportamento masculino daqui.

A date? Not really

Outro dia fui convidada para um date - aquele encontro com pretensões obviamente romântico-sexuais, mas que pode perfeitamente manter-se no campo da amizade por um bom tempo ou eternamente - ou pelo menos achei que tinha sido. O cara me convidou para jantar: disse que gostava de cozinhar e que gostaria de cozinhar para mim. Então me passou o e-mail dele, já que não tenho telefone, e pediu para que eu lhe escrevesse, para combinarmos algo. Gostei do convite: o cara parece boa gente e, na pior das hipóteses - ou seja, no caso de ele ser um mau cozinheiro -, eu poderia passar uma ou duas horas na companhia de uma pessoa agradável. Sendo assim, escrevi-lhe dizendo basicamente isso (omitindo, é claro, a parte da possibilidade de ele cozinhar mal) - que havia gostado do convite e que podíamos combinar algum evento culinário sim, era só marcar.

Pausa para outra breve consideração sobre o livro da Clarice. Por mais aborrecida que tenha sido sua leitura, uma coisa ninguém há de negar: mesmo em seus textos mais farinhentos, página ou outra uma frase clariceana cai sobre a sua cabeça com o peso de uma família de elefantes. Vejam, por exemplo, estas duas:

"Ele esperou um pouco mais. Até que nada aconteceu."

Assim foi: esperei até que não acontecesse nada. E-mail sem resposta.

Meu palpite? No caso do fiu-fiu, achei que não era e acabou sendo; aqui, achei que era e não devia ser. Nos dois casos, problemas de comunicação e sobretudo de interpretação do comportamento alheio. Eu entendi tudo errado, mesmo.

O pior? É que estou com uma preguiça danada de aprender a entender.

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