CRISE
Tenho vestibular amanhã, e já não sei mais se quero prestar.
Eis a historinha que contei para todo mundo, e principalmente para mim mesma: estudando Letras, talvez eu descubra um meio de trabalhar com a escrita; talvez eu fique mais aparelhada para descobrir quais são minhas aptidões e meus limites no lidar com as palavras; talvez eu possa, enfim, aprender a escrever bem. Tem também o estudo do inglês, e do francês. Principalmente do inglês: tenho ganas de estudar inglês de verdade, estudar gramática a sério. Falo bem, porém tendo por base apenas as aulas particulares na escolinha do bairro e minhas antigas vivências de mocinha apaixonada – uma dupla formação que, na verdade, é o que de melhor eu poderia ter tido para aprender a falar com fluência e convicção. Mas chega uma hora em que é preciso mais do que isso: a hora em que nasce o desejo de conhecer a fundo a sintaxe da língua inglesa, o que fica especialmente difícil quando mal se conhece a sintaxe da língua portuguesa.
E por que tudo isso? Porque recentemente reparei que preciso escrever.
Vamos recapitular um pouco: meu masterplan - meu endgame, como se dizia dos vilões de Alias - mais mesquinho, conforme explicitado no canto superior direito desta página, é “ser feliz ainda nesta vida”. E, para conseguir isso, são necessários alguns questionamentos periódicos. Por exemplo: do que eu mais gosto nesta vida, mais que tudo?
Fácil: eu gosto de algumas pessoas. Eu gosto de estar profundamente ligada a algumas pessoas. Não foi à toa que acabei escolhendo fazer duas coisas que exigem, cada qual a seu modo, uma intimidade absolutamente peculiar e desconcertante para que se tenha alguma chance de sucesso: analisar e ensinar pessoas. O que ambas as atividades possuem em comum é um tipo de contato humano em que você se disponibiliza para o crescimento do outro. Ver e participar do crescimento do outro, seja emocional ou intelectual (ai, fico parecendo uma professorinha boazinha falando assim tão cartesianamente – momento no qual me dou conta de que sou precisamente isso: professorinha, além de psicologuinha): é esta a minha maior piração.
E depois, do que mais eu gosto? Fácil, também: música. Muito mais do que qualquer outra coisa – qualquer outra coisa mesmo. Psicanálise, literatura, LOST – tudo isso só aparece lá na rabeira da lista, se uma lista de paixões houvesse e fosse passível de ordenação. Vamos pegar, por exemplo, um livro que me marcou bastante. A Crônica da Casa Assassinada. Um dos livros mais importantes da minha vida. Pois bem: existem pelo menos uns 428 discos ridiculamente mais significativos, emocionantes e vivos dentro de mim do que a Crônica – que, aliás, fui ler por quê? Porque o Tom Jobim compôs a trilha para uma série de TV baseada no livro.
Então como é possível que eu goste tão mais de música, e queira fazer coisa pela qual sinto paixão tão menor?
Consigo conceber duas respostas para isso: uma causal, do tipo psicanalítica-selvagem, e outra fenomenológica. A psicanalítica-fajuta – talvez mais próxima da realidade do que eu gostaria de reconhecer – é simples: o superego me impede. Gosto tanto de música, que não consigo ouvir rádio – e também não consigo tocar nada, pois minha auto-censura não me deixa. Já das palavras, como não gosto tanto assim, meu superego não se incomoda tanto se o que escrevo está ruinzinho.
E agora vem a realidade fenomenológica. O fato é que nunca me senti tomada pelo chamado “estado de graça” que os músicos afirmam experienciar quando imbuídos da música que eles próprios estão tocando. Costumo fazer piada da minha suposta deficiência de endorfinas, pois nunca experimentei aquele estado de placidez que as pessoas dizem atingir depois de terem se empenhado em um grande esforço físico; talvez esteja na hora de admitir que minha deficiência se estende também ao neurotransmissor específico do músico. Minha graça é alcançada via audição da música alheia; nunca por algo que eu mesma tenha produzido. Cada vez mais, estudar música foi se consolidando como a possibilidade de conhecer e compreender um pouco melhor a música que me tocava. E só.
Chegamos assim à parte realmente instigante da resposta fenomenológica: acontece que todas as endorfinas e neurotransmissores artísticos que me faltam ali – sobram, fluem, esbaldam-se aqui, na escrita. Esse barato eu sei o que é. Ele nada tem de confortável ou gostoso (bem, correr uma maratona também não deve ser das experiências mais agradáveis): agora mesmo, para escrever este texto bobo, estou com um vazio no estômago, mas não consigo simplesmente fechar o Word e ir até a cozinha pegar uma banana. Pior: às vezes, não consigo sair da cozinha e fico andando em círculos segurando uma banana, sendo capaz de voltar ao computador somente horas depois para concluir o que preciso.
Esta é a palavra-chave, aqui: preciso. Eu achava que esse sentimento de urgência, essa necessidade, tivesse a ver com a pesquisa de mestrado. Em parte, tem mesmo. O problema é justamente a parte que não tem. Acabou o mestrado, precisei criar este blog. Precisei continuar vivendo continuamente sob a ameaça deste estado mental que às vezes me toma de surpresa e só me liberta muitos toddynhos, bananas e unhas ruídas depois.
O ano de 2006 marcou-me pela descoberta de que eu não queria – eu não podia – passar 8 horas por dia atendendo pacientes graves. Em 2005, eu já havia descoberto que muito menos tempo do que isso dando aula de inglês também me entediava pacas. Uma coisa me enlouquecia, a outra me dava sono.
Ótimo, pois tais descobertas negativas (não posso, não quero) serviram de base para outras que só puderam aparecer em 2007: precisei desses dois anos para chegar a conceber que talvez, se eu fizesse um pouco das duas coisas, eu estaria dando um passo importante no sentido da felicidade terrena.
Não é que concebi certo? Essa conclusão, a despeito de sua previsibilidade retrospectiva, foi revolucionária para mim. Principalmente a constatação de que eu teria de achar o meu jeito de ser analista; e que esse jeito decididamente não passa por uma dedicação total e exclusiva a essa profissão.
Mas o ano de 2007 me trouxe também, com o fim do mestrado, esta outra descoberta revolucionária: a necessidade de encaixar a escrita no meu dia-a-dia, sem a qual será impossível fazer desta vida uma que seja feliz.
O blog é fruto disso, mas é apenas um começo: ocorre-me aqui o verso “tantos homens me amaram bem mais e melhor que você”. Pois sim: tantos outros textos precisarão ser escritos bem mais e melhor do que os contidos neste blog.
Só tem um probleminha: escrever o quê, mesmo?...
É aí que entra a Faculdade de Letras: como fonte de inspiração.
Até que, ontem à noite, surgiu um outro probleminha: pirei.
Pirei pensando: é possível, é justo, é cabível, que diabo é, ter esse faniquito com a escrita tão maior do que o faniquito sentido pela experiência de leitura?
Morro de vergonha disso. Sério. Sinto-me a própria adolescente que quer ser atriz porque um dia fez uma ponta em Malhação e achou legal.
Entendam, não é que eu não goste de ler, ou que leia pouco. Dã: qualquer um que me conhece sabe que não. Certamente li muito mais literatura do que a média do público de nível universitário deste país. Tão certamente quanto li muito menos literatura do que qualquer escritor brasileiro da minha geração, que nasceu para isso, respira isso e tem as letras como grande paixão da sua vida. E esta, amigos, é a minha grande questão.
A verdade é que raramente consigo ler se tenho compromissos a cumprir. É diferente de ouvir música ou assistir a LOST, por exemplo: quando estou fazendo isso, estou descansando, e todo mundo precisa de descanso, pensa meu superego. Mas como assim, vou ler o livro do Amós Oz quando tenho aulas a preparar e textos a traduzir?
Não, não faz o menor sentido, eu sei. Mas é o que cada vez mais vem acontecendo comigo. Eu diria que 90% da leitura que fiz este ano concentrou-se em duas cidades: Parati e Ouro Preto, nas minhas duas meias-semanas de férias. Como vocês podem imaginar, permitir-se ler literatura desvencilhada do sentimento de culpa protestante-capitalista apenas uma semana por ano, além de ser um sintoma que terá de ser trabalhado na próxima análise, é extremamente limitante (como, aliás, todo sintoma).
Sendo assim, o que pensei em fazer? Bom, ano que vem continuarei dando um pouco de aula e atendendo um pouco de gente. Um pouco somado com outro pouco dá médio: terei mais ou menos metade do meu tempo ocupado – da outra metade, incumbir-se-ia a Faculdade de Letras.
(Ah, tem também o projeto de doutorado que quero escrever.)
E aí, o que vai acontecer? O óbvio: mais uma vez, ficarei sem tempo. E, mais uma vez, não vou me permitir fazer a única coisa que pode ser de alguma utilidade para alguém que se pretenda escritor: ler.
Então, o que eu faço? Será que presto vestibular e volto a fazer análise para dar cabo desse sintoma?
Ou será que o sintoma maior de todos é a minha tendência de sempre estufar minha agenda como a um peru de Natal?
Porque de repente me veio uma ânsia muito grande de não superlotar a minha vida e reservar algum tempo, todos os dias, para estar desobrigada de tudo; para que eu me sinta suficientemente à vontade para ler um pouco do que eu quero. (E esse pouco não é pouca coisa, como deixa entrever a minha lista de presentes.)
Mas será que consigo fazer isso? Será que não vou preencher todo o tempo de desobrigação com mais e mais obrigações – pacientes, alunos, traduções, grupos de estudo, leituras psicanalíticas?...
É de uma segurança fantástica fazer um curso, numa faculdade que é praticamente a minha casa, e ler a bibliografia recomendada, elaborar trabalhos bem-escritinhos, estudar para provas, tirar 10 nas matérias de que gosto e 5 nas que julgo inúteis, ganhar um diploma ao fim de quatro anos.
E, ao fim de quatro anos, descobrir que ainda não li nem um décimo da minha atual lista de presentes.
Ou será que estou nessa dúvida toda só porque não estudei nada para o vestibular e no fundo estou morrendo de medo de não passar?
Não é melhor eu ir lá amanhã, fazer a prova, já que estou inscrita, e depois decidir se quero mesmo fazer Letras ou não?
Silenzio. No hay banda.
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Um amor construído
Esta semana recebi uma ligação que me pôs para pensar:
"Ouvi uma música da Joni, lembrei de você".
Como explicar o impacto emocional que isso provoca em alguém que, até então, só ouvira um tipo de associação com o próprio nome: "ouvi uma música do Pat, lembrei de você"?
Mais e mais pessoas ouvem Maria Schneider, Keith Jarrett, Brad Mehldau e lembram-se de mim. Mas, com a Joni Mitchell, essa associação é especialmente inusitada - pois, de início, ela era apenas uma cantora que tivera a honra de tocar com o Pat; eu não depositava qualquer interesse nela que não fosse motivado pela participação do Pat em seu disco; o disco era um mero suporte através do qual eu teria nova chance de ouvir o Pat.
Só que havia um detalhe:
Shadows & Light, o disco e o vídeo, não era apenas mais um show com a participação do Pat. Ali, tínhamos o Pat na companhia do Lyle, fora do contexto Pat Metheny Group (!!!), numa formação muito mais próxima daquela tradicionalmente associada ao jazz, com um saxofone à frente, com o saxofonista sendo ninguém menos que o Michael Brecker. E, se isso já seria instigante o suficiente, bota aí mais algumas ampolas de adrenalina no meu sistema nervoso: esse era também o único registro oficial em vídeo do Pat com o Jaco, pouco após terem gravado
Bright Size Life; e era também a primeira vez que eu veria o Jaco tocando.
Entendam: era muito estímulo para mim. Tanto, que lembro nitidamente desta sensação ao assistir a Shadows & Light pela primeira vez: uma irritação profunda com a dona da gig. Eu queria mais era que aquela tiazinha calasse a boca e deixasse a banda tocar. E que músicas eram aquelas?? O que eles estavam fazendo que não tocavam Bright Size Life, Three Views of a Secret?...
E foi assim que nasceu uma paixão estética tão fundamental - em seu sentido mais preciso de fundamento, base, sustentação do ser - quanto as que eu vinha cultivando até então (Pat, Lyle, Jaco, Jobim).
Isso, de início, se deu aos poucos. Começou por In France They Kiss On Main Street, por causa do solo do Pat, que citava Phase Dance ("até que enfim, uma música que vale a pena nesse show!"). Continuou, curiosamente (porque nesta o Pat só fingia que tocava), por Goodbye Pork Pie Hat, cuja melodia imediatamente eu soube que haveria de memorizar - bem como, aliás, o solo do Brecker. E foi mais ou menos isso.
Depois, não sei como, conheci
Help Me, sua música mais deliciosamente pop, daquelas que não tem como não sair cantando junto já na volta do A, depois de um B com dois versos que afinal me fizeram ver que talvez eu devesse começar a prestar atenção nas letras dela: "
didn't it feel good, we were sitting there talking - or lying there not talking".
Até aí, porém, eu apenas havia deixado de desejar que a tiazinha fosse abduzida pela nave da Xuxa no meio do show, passando a considerá-la uma cantora pop competente.
Hoje, me é MUITO LOUCO perceber o quanto eu estava fechada, na época - eu tinha uns 17 anos, então -, para qualquer experiência musical que extrapolasse minimamente o universo Pat Metheny - apenas a música da Joni mais obviamente destinada ao sucesso, a mais inescapável, a mais acessível, conseguiu me atingir. Os versos que inicialmente me capturaram são o melhor exemplo disso: a cuidadosa construção imagética erguida em Goodbye Pork Pie Hat era por demais complexa e
estranha para que eu me aventurasse a mergulhar nela; ative-me ao conforto de versos lindinhos e sugestivos. Gostei de Pork Pie Hat - e também de In France -
apesar e não
por causa da Joni Mitchell.
Felizmente, porém, Help Me foi o que bastou para fisgar minha alma e levar-me a ir atrás de mais. Help Me, pensando agora, fez com que eu ajudasse a mim mesma. A partir desta canção, conheci Hejira, o disco. E então...
(
To be continued.)
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Sobre a defesa: preparativos
O conviteÉ claro que a primeira ação oficial tomada após o agendamento da defesa foi começar a elaborar mentalmente um convite a todos os
usual suspects. Como nem todos os suspeitos eram tão usuais assim, fez-se imprescindível caprichar na dramaticidade e utilizar todos os recursos retóricos e técnicas de persuasão existentes para que as pessoas se dispusessem a cancelar seus compromissos e ir até a USP numa quarta-feira de manhã. No fundo, só o que eu queria dizer com aquele convite era isso: preciso estar cercada de pessoas que, mesmo tudo dando errado com a defesa, continuem gostando de mim.
A leituraA idéia era que eu preparasse um pequeno texto que servisse de base para uma apresentação do trabalho, destinada basicamente a contextualizar os presentes sobre a discussão que se seguiria com a banca. Toca, então, reler o trabalho, que eu não havia ousado abrir desde o dia do depósito. É claro que eu não me lembrava mais nem do título - e, já que o mencionei, eis o trambolhão:
"A teoria como objeto interno do analista e seus destinos na clínica: luto e melancolia como metáfora". Todo título de dissertação ou tese é meio que um trambolho, mas até que fiquei bem satisfeita com o meu, fruto de muita elaboração em análise.
Essa releitura foi um processo emocionante e extremamente recompensador - e também doloroso. A cada parágrafo - a cada idéia desenvolvida - eu ia me lembrando da dedicação e do esforço necessários para chegar àquela construção; mais, eu podia me lembrar precisamente de onde eu estava no momento da redação de cada trecho, e do clima emocional em que o havia escrito. Aqui eu estava mais aflita, lá no consultório - foram necessárias horas de jogo de paciência, unhas roídas e copinhos de água para que pudesse destravancar este parágrafo. Mais adiante eu estava em casa e o André fazia macarrão de almoço enquanto eu revisava este outro parágrafo, de dicionário no colo e meia dúzia de livros abertos espalhados pela escrivaninha e pelo chão. Acolá eu aproveitava uma janela antes de uma supervisão na Joana para concluir uma idéia na padaria. Lá no comecinho - a introdução e o primeiro capítulo do trabalho, que se basearam no projeto de pesquisa escrito em 2004 -, eu escrevia na companhia do gato Miguilim enquanto meu ex-ex-namorado mixava alguma coisa no estúdio. Bem no fim - parecia anteontem - lá estava eu com a Bel no quarto dela, cortando parênteses desnecessários e diversificando as conjunções adversativas.
Tudo isso foi se desvelando à minha frente à medida que eu avançava, e assim fui capaz de compreender essa idéia-chavã tão disseminada sobre a hora da nossa morte, amém: que a vida toda nos passa pela frente como num filme. Foi mais ou menos isso que experimentei relendo meu trabalho. À emoção revivida com a lembrança do processo de criação de cada parágrafo somava-se um despeitozinho a cada trecho que hoje em dia eu escreveria de forma diferente - pensem no esportista que revê todas as oportunidades perdidas no VT da partida jogada -, ao mesmo tempo que certo alívio por perceber o quanto evoluí esse tempo todo: hoje escrevo incomparavelmente melhor do que há 3 anos e meio.
Mas a toda a essa proximidade emocional com a pesquisa contrapunha-se uma distância intelectual: havia alguns meses que eu estava afastada daquelas idéias, e muitas vezes não era capaz de me reconhecer no texto. Sim, eu sabia que havia escrito aquilo, lembrava-me exatamente das circunstâncias - mas a voz que eu ouvia parecia ser de outra pessoa. (E era mesmo, claro: era a voz da Camila de meses ou anos atrás.) Precisei treler e tetraler muita coisa, para me reapropriar de mim mesma.
Ao fim e ao cabo, nada superou um sentimento que, como diz a canção, ninguém jamais poderá tirar de mim: a certeza de ter produzido um trabalho bom, relevante e bem feito. E, com isso, a gratidão por todas as críticas que recebi no grupo de orientação ao longo dos anos. A mais marcante delas, para mim, dizia respeito justamente à forma do trabalho. Como sabemos, forma e conteúdo são instâncias que separamos apenas para fins didáticos; decorre daí que a crítica ao estilo da escrita não era uma questão apenas de colocação de vírgulas, mas um ponto absolutamente crucial ao bom encaminhamento da pesquisa. E tal crítica,
grosso modo, era a seguinte: o trabalho é
tão bonito,
tão bem escrito, que o leitor se perde; fica tão seduzido pelas palavras, que perde de vista as idéias. Ou seja, era um trabalho que convidava para o deslumbramento e a sedução, mas não para o pensamento.
Vocês não imaginam o tanto que sofri para transformar isso. Eu sabia do enorme risco que o texto corria de ficar uma loira-burra, isto é, com frases tão atraentes e sofisticadas quanto vazias, desprovidas de conteúdo. Em suma, e para resumir essa transformação, eu diria que
a gostosona dentro de mim precisou acolher e abraçar a velhinha que também sou eu.
Consegui. E a gostosona não precisou ficar menos peituda para isso. O trabalho continua muito bem escrito - embora, claro, sempre vou achar que poderia ter ficado melhor -, mas a sedução se foi. Cada palavra escolhida, cada parágrafo escrito foi submetido a um escrutínio impiedoso em que eu me perguntava com toda a honestidade:
a serviço de quê escrevi isso aqui? Se encontrava resposta diferente de "a serviço do trabalho" (isto é, a serviço de tal e tal idéia), eu parava e revia e reformulava e reescrevia até sentir que o texto mobilizava - em oposição a paralisar - o pensamento. Porque no fundo, no fundo, eu sabia quando o texto trabalhava e quando apenas enredava o leitor.
Tanto eu sabia, que pude transformá-lo, a partir de um trabalho que foi tanto de análise quanto de pesquisa acadêmica. Minha dissertação ficou quem eu sou: o encontro da jovem gostosa com a velhinha maternal possibilitou a criação de uma pesquisa-mulher.
Não escrevi um texto estruturado para guiar minha apresentação. Preferi recorrer a pequenos apontamentos escritos num papel amassado e repleto de setas, grifos, rabiscos e estrelinhas - para uma apresentação oral, funciona bem melhor.
A roupaQue roupa usar numa defesa? Na época, eu não sabia que pessoas se especializavam em responder perguntas como essa; então, tive de respondê-la eu mesma. Num primeiro momento, pensei em comprar alguma coisa nova, um vestido que fosse colorido e sóbrio. Rapidamente mudei de idéia, não só devido à inexistência factual de um tal vestido, como pelo medo de ter esse dia marcado como "o dia em que eu estava tão bonita porque usei aquele vestido tão lindo". Sabe roupa de missa - aquela roupa que a pessoa deixa guardadinha no armário a semana inteira para usar naquela ocasião especial? Isso era tudo o que eu não queria transparecer e exalar. Além disso, a defesa não era da minha pessoa, mas do meu trabalho - isto é, não era
eu o foco da questão. Prometo caprichar bem no dia do meu casamento, ou mesmo em futuras festas de aniversário; mas, para a defesa da minha dissertação de mestrado, eu tinha que estar... Bem vestida. E só. Com uma roupa que eu usaria em um dia comum de trabalho. Foi o que fiz. Fotos em breve.
O joguinhoAntes de qualquer evento significativo na minha vida, é fundamental que eu passe horas jogando um joguinho viciante qualquer. Lembro de vésperas de viagem em que eu tinha malas para preparar, coisas para comprar, e tudo o que eu podia fazer era ficar trancada no quarto jogando Copas. Este, aliás, foi o joguinho que me acompanhou ao longo de toda a redação do texto. Mas, para a defesa, mudei: o joguinho eleito foi este aí de baixo.
A manhãÉ óbvio que acordei muito antes do que o despertador mandava; tomei banho, me arrumei, revi meus apontamentos, liguei pra Bel - e ainda sobrava muito tempo livre. Sendo assim, quer coisa mais apropriada do que
escrever no blog sobre modelos de lingerie? (Assunto, aliás, muito mais relevante para os descaminhos do mundo do que trabalhos sobre teoria psicanalítica.)
A idaNum dia tão ritualístico como este, símbolo - ou pelo menos assim eu esperava - de um crescimento profissional e também pessoal, nada mais apropriado que ouvir o último disco da mulher-que-eu-quero-ser-quando-crescer:
Maria Schneider. Ao meu lado, outra mulher que para sempre desejarei-ser-quando-crescer: Eulália.
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Não sussurre
Li há pouco no AAJ uma crítica entusiasmada do disco novo do Standards Trio. A crítica começa pela asserção de que a melhor parte da obra do Jarrett está no trabalho com esse trio, embora não fosse difícil encontrar um argumento que favorecesse seus discos solo.
Eu não poderia concordar mais, como diriam os estadunidenses, e vou além: sem dúvida alguma, o Standards Trio é responsável pela melhor parte da obra do Jarrett, assim como a melhor parte de sua obra é seu trabalho de piano solo, da mesma forma que a melhor banda da carreira dele é o quarteto americano, bem como a melhor formação em que já tocou certamente é o quarteto europeu.
Conheci cada uma dessas bandas em momentos diferentes da minha vida, e relativamente tarde, pois meu pai recusava-se a ouvi-lo em função daqueles grunhidos que se situam em algum lugar do espectro que vai do êxtase religioso-sexual ao desarranjo intestinal. Então, só fui conhecer o disco mais vendido da história da ECM - e um dos mais ouvidos da minha história - já adolescente, na época em que estava aprendendo o que era música modal (não me perguntem que já esqueci). The Köln Concert é o disco a dar de presente para quem acha que música improvisada é chata e difícil: quero ver se não vão pirar no timbre metálico do piano e sair gritando "uuuuuh!!!" e "uoooooooooooou!!!" já ao fim da primeira música. Tenho muitos outros piano-solo queridos do Jarrett, do inovador Facing You até o recente e subestimado The Melody At Night, With You, o disco mais Bill Evans dele, com improvisações contidas e melodias mais do que sentidas.
Depois recebi uma recomendação que foi praticamente uma ordem: eu deveria ouvir o My Song imediatamente, sob pena de adiar inutilmente uma paixão que certamente se abateria sobre mim mais cedo ou mais tarde. É claro que me apaixonei. Eu nunca tinha ouvido o Jan Garbarek, não sabia que aquele timbre existia. Nem que existiam temas como aqueles. O Belonging veio um pouco depois, com outros temas preciosos (incluindo o que o Steely Dan plagiou) e outros tantos solos de piano e saxofone para decorar e cantar junto, para desespero dos desafortunados amigos que se arvoravam a ouvir essas coisas ao meu lado.
Um ou dois anos mais tarde, também praticamente sob coação, é que descobri aqueles estranhos discos com músicas que não acabavam, introduções longuíssimas que só ganhavam algum sentido a posteriori, um piano infelizmente desafinado, percussão maravilhosamente desritmada e um sax tenor que surpreendentemente não exalava a Coltrane - tudo isso criando uma sonoridade única, que não teve antecedentes e não deixou herdeiros. Esses são o Fort Yahuw, Death and the Flower e, principalmente, The Survivor's Suite. Este último é daqueles discos que não posso ouvir a qualquer momento, sob pena de não conseguir fazer mais nada pelo resto do dia.
Por fim, vieram os discos do trio, que vim a conhecer bem mais velha. E aí não foi amor à primeira vista. O primeiro de que realmente gostei foi o Tribute, que tem a melhor All The Things You Are de todos os tempos. Mas tanto o DVD ao vivo no Japão quanto o Bye Bye Blackbird, embora obviamente bons, não mudaram a minha vida não. Mesmo o Tribute não foi tão marcante - talvez porque esses três discos contenham repertórios que não me eram muito familiares. A verdade é que nunca me conformei com o fim das outras bandas do Jarrett - e, principalmente, sempre achei um pouco frustrante que ele nunca tenha gravado, desde que comecei a ouvi-lo, uma composição própria sequer.
Esses dois sentimentos persistem, mas de uns meses para cá, uma coisa mudou: achei o disco do Standards Trio que cutucou a minha alma com uma vara tão curta quanto as dos outros discos aqui mencionados. Tão curta, que foi fácil para ela dele se abocanhar rapidamente.
Já os discos mais recentes de piano solo também cutucaram minha alma, mas com uma vara significativamente mais comprida (depois vocês me dizem se a metáfora ficou excessivamente sexual e de mau gosto). Isto é, eles me intrigaram, mas minha alma não se apoderou deles com tanta presteza. Eles ainda estão a uma distância segura. São discos bonitos, com alguns momentos verdadeiramente iluminados, mas freqüentemente camuflados em emaranhados de notas cujo sentido e significado ainda não consegui captar muito bem.
O curioso é que, com relação a este disco do Standards Trio da vara pequena, sofri uma coação maior ainda: ganhei-o de presente. E, dado que obedeci às duas ordens anteriores tão prontamente, hoje me é difícil entender o que aconteceu que o disco ficou ali quietinho na prateleira por cinco anos. Ignorei o conselho de "ouça imediatamente" - e o resultado é que 2007 ficará marcado para mim, dentre tantas outras coisas e discos, como o ano em que conheci o Whisper Not.
Ainda não estou pronta para escrever sobre ele; mas como gostei desse negócio de enquete, deu vontade de perguntar a vocês qual é, afinal, o seu KJ preferido. Votem!
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Mais teorias e especulações - LOST em revista, parte 2
O mesmo aviso dado na parte 1 vale para a parte 2: Cintia, NÃO LEIA!!! Eu sei que aí é que dá mais vontade de ler, tipo "não pense numa maçã vermelha". Mas como estou sem criatividade para formular outras estatégias de
warning para os leitores - afinal, a criatividade precisa ser toda canalizada para as teorias! - fica o aviso de sempre: se você ainda não viu a terceira temporada, e não quer saber da quarta, FUJA DESTE POST!
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Especulações sobre o retorno de Michael. Os produtores já disseram que o "arco" da história (como traduzir story arc?) de Michael nesta temporada tem a ver com redenção. O blog Lost in Lost já cantou a bola de que ele e Walt devem ser prisioneiros do cargueiro de Naomi, cuja equipe vem sendo alardeada como MÁ a ponto de fazer os Outros parecerem Ursinhos Carinhosos em comparação. Se for isso mesmo, a redenção mais óbvia seria o reencontro de Michael com os passageiros do 815 para combater Minkowski e sua turma (aliás, onde entra Walt nessa história? Muito se falou da volta de Michael, mas de Walt... E estou falando de Walt mesmo, não de manifestações do monstro de fumaça). Por algum motivo, porém, não acredito nesta possibilidade, embora ela seja de todo plausível. Senão, de que forma pensar num retorno de Michael à ilha? Pois não acredito que Harold Perrineau tenha sido contratado como integrante da equipe fixa da série para fazer apenas participações em flashbacks ou flashforwards - e, pelo que o promo da próxima temporada já nos revelou ("você achou que os Outros eram do mal, você achou errado - defenda a ilha"), não devemos sair da ilha tão cedo. Sendo assim, fica difícil supor que ele saiu da ilha e depois alugou um barquinho e voltou - nem a multibiliardária Penny conseguiu fazê-lo. É mais lógico supor que ele nem chegou a sair de lá; e, se não saiu, onde ficou? Seqüestrado pelos verdadeiros
bad boys da história, é a resposta mais lógica. E talvez seja exatamente por isso que eu não acredite muito nela... Pois se tem uma coisa que Darlton sabem fazer é reverter nossas preconcepções racionais e lógicas.
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Minha teoria sobre o monstro de fumaça, a caixa e os números. Ainda não sei muito bem como estes três itens / personagens se relacionam entre si, mas sei o seguinte: quando Ben explica o funcionamento da tal caixa (uma metáfora) para Locke, para mim ele está falando do que o monstro de fumaça faz. Seria a caixa, então, o próprio monstro, ou seria o monstro dotado desta propriedade que, de resto, é um fenômeno da ilha, que se estende ao monstro e do qual ele se aproveita? O tal fenômeno, como vimos, consiste em materializar - ou ao menos em projetar tridimensionalmente - objetos da imaginação dos habitantes da ilha. Só que a coisa não funciona por um ato de vontade do imaginador; o que acontece - e isso Ben não diz, digo eu - é que a ilha (ou parte dela, ou o monstro, não sei ao certo) tem o poder de concretizar os objetos internos inconscientes de seus habitantes. Ra! Sem entrar muito nos meandros psicanalíticos da questão, coloquemos o problema nos seguintes termos: objetos internos são representações inconscientes que em algum momento foram calcadas numa realidade externa - mas que, uma vez constituídos, são dotados de uma dinâmica e lógica de funcionamento próprias, independentes dos objetos externos que lhes são correlatos. Assim, o cavalo de Kate que apareceu na ilha é amigável porque, para Kate, o cavalo que ela carrega
em si é amigável, pois que lhe ajudou a fugir. Sabe-se lá se o cavalo era manso ou não: para Kate, ele é assim, e é assim que ele lhe aparece na ilha. O mesmo se dá, por exemplo, com Yemi, o irmão de Mr. Eko, que aparece na ilha para julgá-lo e condená-lo. Vai saber se o Yemi estava tão preocupado assim com os destinos da alma de seu irmão - esse julgamento todo, penso, é muito mais uma expectativa / pré-concepção de Mr. Eko em relação ao irmão do que algo que venha do próprio Yemi. E assim por diante. É claro que alguns exemplos são mais difíceis de explicar do que outros - a aparição de Christian Shephard, por exemplo, não confirma esta teoria (mas também não a desmente).
Continuando. Quando Hurley conversa com Lenny no Santa Rosa Mental Institute e este lhe revela desconcertado que a "caixa" havia sido aberta ("you've opened the box!") - minha teoria é que, com a utilização dos números, Hurley fez com que esta propriedade da ilha (ou do monstro apenas, não sei) fosse transferida para o nosso mundo - o mundo em que ele vivia. E qual era a grande questão existencial da vida de Hurley? Em primeiro lugar, é possível supor que, em algum nível, ele se sentisse responsável pelo pai tê-lo abandonado quando criança. Mas mesmo que isso seja considerado "forçação de barra", não podemos nos esquecer de seu terrível sentimento de culpa ao participar do acidente que culminou na morte de (16? não lembro ao certo) pessoas num acidente de barco. Ou seja, é possível supor que a grande "pré-concepção existencial" da vida de Hurley é que ele estraga tudo, detona tudo, acaba com tudo. E é exatamente isso o que começa de fato a acontecer uma vez que ele ganha na loteria... Uma vez na ilha, essa sua pré-concepção (em grande medida inconsciente) assume a forma muito concreta de seu amigo David - forma que, aliás, já havia assumido durante a sua internação.
E os Outros? Bem, parece que a cerca protetora os livra deste enlouquecedor "contato com a ilha" (e, conseqüentemente, com si próprios). Mas com Ben é diferente; mesmo com a cerca, ele consegue ver a sua mãe na Vila dos Outros. Daí Richard Alpert ter ficado tão impressionado com sua capacidade de comunhão com a ilha...
Em suma, acho que a "caixa" a que Lenny se refere é a mesma mencionada por Ben: ambos usaram a mesma metáfora para se referir ao mesmo fenômeno.
Bel? Lu? Marco? Curiosíssima para saber o que vocês acham!
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Palavras e expressões que abomino
I. Da série relações afetivas
Esposa - Quando eu crescer, não quero ser esposa de ninguém. O que não significa que eu não queira me casar; muito pelo contrário. Mas, no dia em que me casar com um homem, dele serei sua mulher. Pois a esposa carrega em seu próprio nome uma ameaça perene: a amante. O termo "esposa" é o decote que esconde ao mesmo tempo em que insinua a possibilidade da outra. Já a mulher, não tem nada a temer. Por fim - vocês conseguem lembrar algum poema ou letra de Vinícius que fale em esposa? Ele, que foi casado sete vezes, sempre preferiu mulher (com ou sem trocadilho). I rest my case.
Fazer amor - Quem faz amor é o Alexandre Pires ou a Paula Toller, seja com outra pessoa ou de madrugada. Eu não faço essas coisas: eu transo, eu faço sexo. E não por concordar com Rita Lee ou Arnaldo Jabor, mas por uma questão estética mesmo: poucas coisas me são mais repugnantes do que a apologia do sexo meloso. "Fazer um amorzinho gostoso", desculpem-me, é coisa de analfabeto. Das letras e da alma.
A gente vai se falando - Dica para os leitores-amigos deste blog: se algum dia eu lhe disser que "a gente vai se falando", é porque estou de saco cheio de e/ou extremamente brava com você, pois esta é a expressão-símbolo de uma das características mais desprezíveis do homem-cordial: os combinados que não se concretizam, o "passa lá em casa" carioca. A menos que você seja a Bel - a única pessoa com quem realmente "vou falando", constante e regularmente -, esta é uma daquelas expressões que não querem dizer absolutamente nada: afinal, não possuo a mais remota idéia de quando falarei com você de novo. Querendo me acessar, seja específico: diga quando e onde. O porquê freqüentemente não importa.
II. Da série estado-unidenses
Deletar e inicializar (com gerúndio a gosto) - "Senhora, nós vamos estar deletando o arquivo e reinicializando o sistema para que a senhora esteja estando satisfeita com o nosso programa de satisfação garantida ao cliente." Depois me perguntam por que eu faço tradução de textos. Nada mais simples: é para salvar o mundo, ora bolas. Quando evito uma construção recheada de estar-estandos, enche-me o peito uma sensação que imagino semelhante à das freiras que alimentam crianças subnutridas na África.
Delivery, X% off, coffee-break, sale, fashion - adoro usar palavras em inglês nos textos que escrevo. Só não insiro palavras de outros idiomas por pura ignorância. Para mim, trata-se de um recurso expressivo que ajuda a imprimir dramaticidade, comicidade ou ironia ao texto. Incomoda-me quando palavras estrangeiras são utilizadas, de forma mais ou menos explícita, para demarcar uma superioridade de classe que é apenas econômica, de forma alguma cultural.
III. Da série show de horror
Cueca - algumas pessoas exigem que se tirem os sapatos ao entrar em sua casa. Eu faço diferente (calma, não é que eu exija que, ao entrar em minha casa, os homens logo tirem suas - argh! - cuecas): exijo que este vocábulo seja extirpado da língua e substituído por outro, muito mais apropriado ao objeto em questão. Afinal, pensem por um segundo na estrutura da palavra: trata-se da junção do substantivo "cu" com a onomatopéia (?) "eca". Mais uma vez, I rest my case, propondo a substituição de tão medonho termo pelo nome próprio Voldemort - sim, aquele-cujo-nome-não-pode-ser-dito, na saga de Harry Potter. Pois aqui em casa, até o nome de Voldemort tem lugar; c**ca, porém, jamais!
Idéias, teorias, sentimentos, emoções, piadas, spoilers... LOST em revista, parte 1
Há pouco tive uma tarde repleta de Seinfeld; então, só para não perder o costume, falemos agora sobre LOST. Há tempos que eu vinha querendo escrever um post assim, em tópicos, para ver se organizo melhor as idéias agora que o
rewatch da terceira temporada acabou. Portanto, se você não assistiu à terceira temporada - e, principalmente, se não quer
spoilers da quarta - AFASTE-SE AGORA!!!
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Para os que não se afastaram (oi Bel, oi Lu!) - namastê!
- Talvez um assunto tão bom quanto qualquer outro para inaugurar esta série de tópicos seja a sensação cuja lembrança irá me acompanhar até a morte, se até a morte eu viver: o assombro - a tal da cambalhota anímica! - ao ver Kate saindo do carro, naquela cena que vocês sabem.
- Sobre esta cena, algumas considerações:
- quando Jack fala em voltar, creio que se trata de uma volta tanto no espaço quanto no tempo;
- outra sugestão interessante, feita pela Bel, é que a tal volta pode se referir tanto à ilha (o que manifestamente é dito) quanto ao relacionamento dele com Kate. Ou seja, a volta seria no espaço e no tempo, e nas esferas individual e coletiva;
- será que a Kate agora só anda maquilada e de cabelo escovado? Este é um dos verdadeiros mistérios do final da terceira temporada, que não vi ser discutido tanto quanto deveria;
- não acho que o homem a que ela se refere - que está esperando por ela - seja necessariamente Sawyer, como todos foram rápidos em concluir. E se for o filho dela com Sawyer? Hmm...;
- com relação ao triângulo, não sou tanto uma Skater quanto uma anti-Jater. Pensem: Jack e Kate juntos, fora da ilha, durante o jantar. O que eles têm em comum? O que teriam para conversar?? Com Sawyer, pelo menos, haveria um assunto: "olá, querido, como foi seu dia hoje? Aplicou muitos golpes?" "Oh, sim, e os seus golpes, como foram?". Algo nessa linha.
- LOST usa exatamente a mesma fórmula de Alias, e fui ludibriada exatamente do mesmo jeito. Sinto-me como o zagueiro que sabia que Garrincha driblaria para a direita, e caía no drible mesmo assim. O drible, no caso, é que em Alias éramos levados a crer que o seriado acabaria com o fim da organização terrorista SD-6 - o que esperaríamos ocorrer no último episódio da série. Mas SD-6 acaba muito antes disso, e descobrimos que o terrorismo vai muito além de uma organização fundo-de-quintal de Los Angeles. O mesmo se dá em LOST: por mais que os produtores dissessem que o programa não é um Survivor, que o termo "lost" deve ser compreendido num sentido mais amplo, pois refere-se a como os personagens estão perdidos em suas vidas
and all that crap (desculpem, influência de Seinfeld) - ainda assim, eu achava que no último episódio veríamos o resgate dos sobreviventes e sua saída da ilha. Mas a ilha - ou melhor, a saída dela - é equivalente à destruição do SD-6, isto é, trata-se de um problema marginal. Acho até bem possível que uma das próximas temporadas se passe inteiramente fora da ilha, o que não quer dizer que esta em algum momento deixará de representar a principal personagem da série.
- Ainda sobre Alias. Para o meu gosto, a explicação que o final desta série mais deixou a desejar foi aquela referente às profecias de Rambaldi - por que Sidney estava nelas etc. O discurso de que "algumas coisas permanecerão um mistério porque a vida também é assim, não há resposta para tudo" não me convence. Meu medo em relação a LOST é duplo: estou cética com relação às explicações que eles poderão oferecer sobre os cruzamentos entre os personagens e também sobre a presença dos números em suas vidas. Com relação a estes, meu medo é menor; acho que eles ainda têm espaço para desenvolver uma resposta que me satisfaça - até porque a Lost Experience já nos revelou que 4 8 15 16 23 42 são fatores da Equação Valenzetti, que prevê exatamente a data da extinção da humanidade - mas, com relação aos cruzamentos, uma saída convincente fica cada vez mais inverossímil. O final da segunda temporada apontava para a possibilidade de que a queda do avião tivesse sido causada pela falha de Desmond em inserir o código a tempo; isso não apenas veio a ser confirmado na terceira temporada, como também ficamos sabendo que os Outros de forma alguma estavam esperando pela queda. Portanto, fica afastada a hipótese de um recrutamento dos viajantes para aquele vôo específico que estava destinado a cair. A não ser que a mão de Jacob esteja por trás de tudo isso... Mas esta é uma teoria da conspiração por demais ambiciosa para que eu me sinta confortável em abraçá-la - até porque nem fazemos idéia precisa sobre a natureza de Jacob. Descartada a influência de Jacob, assim, sobra o meu receio de que a teoria dos seis graus de separação explique tudo.
- Momento mais seinfeldiano da terceira temporada: a discussão de Charlie e Hurley sobre os poderes de Superman e The Flash.
- Os Outros devem fazer um estrago danado quando vão a uma papelaria. Não deve sobrar nada na loja, tamanha a necessidade deles de pastinhas, papel sulfite, grampos, clipes e tinta de impressora para elaborar todos aqueles relatórios (esta foi uma perspicaz observação da Lu).
- O Rodrigo Santoro fica até bem comunzinho se comparado ao Josh Holloway, mais impressionantemente bonito a cada episódio.
- As primeiras participações de Rodrigo Santoro na série evocavam-me uma única emoção, adequadamente traduzida pelo grito "volta pra novela!"; a esta emoção, porém, adicionaram-se muitas e mais complexas outras, por ocasião do episódio Exposé, um dos melhores da temporada.
- Não entendo nada de teatro, cinema ou atuação, mas digo sem medo de errar: Michael Emerson e Elizabeth Mitchell são gênios. Só o olhar de despeito estampado em Ben quando ele percebe que Jacob realmente comunicou-se com Locke vale por todas as atuações da vida do, hmm, sei lá, Cigano Ígor. Já a personagem de Mitchell é construída com tamanha sutileza e profundidade ao longo desta temporada que cada um de seus olhares convida a uma ressignificação quando tomados
a posteriori. Ben e Juliet, os dois grandes personagens desta temporada, certamente.
(Mais devaneios amanhã, ou depois...)