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sábado, 24 de novembro de 2007

CRISE

Tenho vestibular amanhã, e já não sei mais se quero prestar.

Eis a historinha que contei para todo mundo, e principalmente para mim mesma: estudando Letras, talvez eu descubra um meio de trabalhar com a escrita; talvez eu fique mais aparelhada para descobrir quais são minhas aptidões e meus limites no lidar com as palavras; talvez eu possa, enfim, aprender a escrever bem. Tem também o estudo do inglês, e do francês. Principalmente do inglês: tenho ganas de estudar inglês de verdade, estudar gramática a sério. Falo bem, porém tendo por base apenas as aulas particulares na escolinha do bairro e minhas antigas vivências de mocinha apaixonada – uma dupla formação que, na verdade, é o que de melhor eu poderia ter tido para aprender a falar com fluência e convicção. Mas chega uma hora em que é preciso mais do que isso: a hora em que nasce o desejo de conhecer a fundo a sintaxe da língua inglesa, o que fica especialmente difícil quando mal se conhece a sintaxe da língua portuguesa.

E por que tudo isso? Porque recentemente reparei que preciso escrever.

Vamos recapitular um pouco: meu masterplan - meu endgame, como se dizia dos vilões de Alias - mais mesquinho, conforme explicitado no canto superior direito desta página, é “ser feliz ainda nesta vida”. E, para conseguir isso, são necessários alguns questionamentos periódicos. Por exemplo: do que eu mais gosto nesta vida, mais que tudo?

Fácil: eu gosto de algumas pessoas. Eu gosto de estar profundamente ligada a algumas pessoas. Não foi à toa que acabei escolhendo fazer duas coisas que exigem, cada qual a seu modo, uma intimidade absolutamente peculiar e desconcertante para que se tenha alguma chance de sucesso: analisar e ensinar pessoas. O que ambas as atividades possuem em comum é um tipo de contato humano em que você se disponibiliza para o crescimento do outro. Ver e participar do crescimento do outro, seja emocional ou intelectual (ai, fico parecendo uma professorinha boazinha falando assim tão cartesianamente – momento no qual me dou conta de que sou precisamente isso: professorinha, além de psicologuinha): é esta a minha maior piração.

E depois, do que mais eu gosto? Fácil, também: música. Muito mais do que qualquer outra coisa – qualquer outra coisa mesmo. Psicanálise, literatura, LOST – tudo isso só aparece lá na rabeira da lista, se uma lista de paixões houvesse e fosse passível de ordenação. Vamos pegar, por exemplo, um livro que me marcou bastante. A Crônica da Casa Assassinada. Um dos livros mais importantes da minha vida. Pois bem: existem pelo menos uns 428 discos ridiculamente mais significativos, emocionantes e vivos dentro de mim do que a Crônica – que, aliás, fui ler por quê? Porque o Tom Jobim compôs a trilha para uma série de TV baseada no livro.

Então como é possível que eu goste tão mais de música, e queira fazer coisa pela qual sinto paixão tão menor?

Consigo conceber duas respostas para isso: uma causal, do tipo psicanalítica-selvagem, e outra fenomenológica. A psicanalítica-fajuta – talvez mais próxima da realidade do que eu gostaria de reconhecer – é simples: o superego me impede. Gosto tanto de música, que não consigo ouvir rádio – e também não consigo tocar nada, pois minha auto-censura não me deixa. Já das palavras, como não gosto tanto assim, meu superego não se incomoda tanto se o que escrevo está ruinzinho.

E agora vem a realidade fenomenológica. O fato é que nunca me senti tomada pelo chamado “estado de graça” que os músicos afirmam experienciar quando imbuídos da música que eles próprios estão tocando. Costumo fazer piada da minha suposta deficiência de endorfinas, pois nunca experimentei aquele estado de placidez que as pessoas dizem atingir depois de terem se empenhado em um grande esforço físico; talvez esteja na hora de admitir que minha deficiência se estende também ao neurotransmissor específico do músico. Minha graça é alcançada via audição da música alheia; nunca por algo que eu mesma tenha produzido. Cada vez mais, estudar música foi se consolidando como a possibilidade de conhecer e compreender um pouco melhor a música que me tocava. E só.

Chegamos assim à parte realmente instigante da resposta fenomenológica: acontece que todas as endorfinas e neurotransmissores artísticos que me faltam ali – sobram, fluem, esbaldam-se aqui, na escrita. Esse barato eu sei o que é. Ele nada tem de confortável ou gostoso (bem, correr uma maratona também não deve ser das experiências mais agradáveis): agora mesmo, para escrever este texto bobo, estou com um vazio no estômago, mas não consigo simplesmente fechar o Word e ir até a cozinha pegar uma banana. Pior: às vezes, não consigo sair da cozinha e fico andando em círculos segurando uma banana, sendo capaz de voltar ao computador somente horas depois para concluir o que preciso.

Esta é a palavra-chave, aqui: preciso. Eu achava que esse sentimento de urgência, essa necessidade, tivesse a ver com a pesquisa de mestrado. Em parte, tem mesmo. O problema é justamente a parte que não tem. Acabou o mestrado, precisei criar este blog. Precisei continuar vivendo continuamente sob a ameaça deste estado mental que às vezes me toma de surpresa e só me liberta muitos toddynhos, bananas e unhas ruídas depois.

O ano de 2006 marcou-me pela descoberta de que eu não queria – eu não podia – passar 8 horas por dia atendendo pacientes graves. Em 2005, eu já havia descoberto que muito menos tempo do que isso dando aula de inglês também me entediava pacas. Uma coisa me enlouquecia, a outra me dava sono.

Ótimo, pois tais descobertas negativas (não posso, não quero) serviram de base para outras que só puderam aparecer em 2007: precisei desses dois anos para chegar a conceber que talvez, se eu fizesse um pouco das duas coisas, eu estaria dando um passo importante no sentido da felicidade terrena.

Não é que concebi certo? Essa conclusão, a despeito de sua previsibilidade retrospectiva, foi revolucionária para mim. Principalmente a constatação de que eu teria de achar o meu jeito de ser analista; e que esse jeito decididamente não passa por uma dedicação total e exclusiva a essa profissão.

Mas o ano de 2007 me trouxe também, com o fim do mestrado, esta outra descoberta revolucionária: a necessidade de encaixar a escrita no meu dia-a-dia, sem a qual será impossível fazer desta vida uma que seja feliz.

O blog é fruto disso, mas é apenas um começo: ocorre-me aqui o verso “tantos homens me amaram bem mais e melhor que você”. Pois sim: tantos outros textos precisarão ser escritos bem mais e melhor do que os contidos neste blog.

Só tem um probleminha: escrever o quê, mesmo?...

É aí que entra a Faculdade de Letras: como fonte de inspiração.

Até que, ontem à noite, surgiu um outro probleminha: pirei.

Pirei pensando: é possível, é justo, é cabível, que diabo é, ter esse faniquito com a escrita tão maior do que o faniquito sentido pela experiência de leitura?

Morro de vergonha disso. Sério. Sinto-me a própria adolescente que quer ser atriz porque um dia fez uma ponta em Malhação e achou legal.

Entendam, não é que eu não goste de ler, ou que leia pouco. Dã: qualquer um que me conhece sabe que não. Certamente li muito mais literatura do que a média do público de nível universitário deste país. Tão certamente quanto li muito menos literatura do que qualquer escritor brasileiro da minha geração, que nasceu para isso, respira isso e tem as letras como grande paixão da sua vida. E esta, amigos, é a minha grande questão.

A verdade é que raramente consigo ler se tenho compromissos a cumprir. É diferente de ouvir música ou assistir a LOST, por exemplo: quando estou fazendo isso, estou descansando, e todo mundo precisa de descanso, pensa meu superego. Mas como assim, vou ler o livro do Amós Oz quando tenho aulas a preparar e textos a traduzir?

Não, não faz o menor sentido, eu sei. Mas é o que cada vez mais vem acontecendo comigo. Eu diria que 90% da leitura que fiz este ano concentrou-se em duas cidades: Parati e Ouro Preto, nas minhas duas meias-semanas de férias. Como vocês podem imaginar, permitir-se ler literatura desvencilhada do sentimento de culpa protestante-capitalista apenas uma semana por ano, além de ser um sintoma que terá de ser trabalhado na próxima análise, é extremamente limitante (como, aliás, todo sintoma).

Sendo assim, o que pensei em fazer? Bom, ano que vem continuarei dando um pouco de aula e atendendo um pouco de gente. Um pouco somado com outro pouco dá médio: terei mais ou menos metade do meu tempo ocupado – da outra metade, incumbir-se-ia a Faculdade de Letras.

(Ah, tem também o projeto de doutorado que quero escrever.)

E aí, o que vai acontecer? O óbvio: mais uma vez, ficarei sem tempo. E, mais uma vez, não vou me permitir fazer a única coisa que pode ser de alguma utilidade para alguém que se pretenda escritor: ler.

Então, o que eu faço? Será que presto vestibular e volto a fazer análise para dar cabo desse sintoma?

Ou será que o sintoma maior de todos é a minha tendência de sempre estufar minha agenda como a um peru de Natal?

Porque de repente me veio uma ânsia muito grande de não superlotar a minha vida e reservar algum tempo, todos os dias, para estar desobrigada de tudo; para que eu me sinta suficientemente à vontade para ler um pouco do que eu quero. (E esse pouco não é pouca coisa, como deixa entrever a minha lista de presentes.)

Mas será que consigo fazer isso? Será que não vou preencher todo o tempo de desobrigação com mais e mais obrigações – pacientes, alunos, traduções, grupos de estudo, leituras psicanalíticas?...

É de uma segurança fantástica fazer um curso, numa faculdade que é praticamente a minha casa, e ler a bibliografia recomendada, elaborar trabalhos bem-escritinhos, estudar para provas, tirar 10 nas matérias de que gosto e 5 nas que julgo inúteis, ganhar um diploma ao fim de quatro anos.

E, ao fim de quatro anos, descobrir que ainda não li nem um décimo da minha atual lista de presentes.

Ou será que estou nessa dúvida toda só porque não estudei nada para o vestibular e no fundo estou morrendo de medo de não passar?

Não é melhor eu ir lá amanhã, fazer a prova, já que estou inscrita, e depois decidir se quero mesmo fazer Letras ou não?

Silenzio. No hay banda.

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