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Letra, música e canção
Ontem, o Daniel Piza inaugurou uma curiosa enquete em seu blog: trata-se de eleger o pior verso da MPB. As opções vão de Djavan a Chitãozinho & Xororó, passando pelo inevitável coqueiro que dá coco de Ary Barroso. O post é, sem dúvida, engraçado. Mas ele contém uma idéia tão difundida quanto enganosa: a possibilidade de se isolar a letra de uma canção de sua melodia, tomando-a como poema – como se a canção consistisse na mera justaposição de duas partes distintas, letra e música. Esta é uma idéia bastante fácil de se refutar. Consideremos, por exemplo, os seguintes versos:
“Só danço samba
Só danço samba
Vai, vai, vai, vai, vai”
Passemos, agora, a estes outros:
“Segura o tchan
Amarra o tchan
Segura o tchan, tchan, tchan, tchan, tchan”
Vamos supor, agora, um professor de crítica literária do Moçambique, que jamais tenha ouvido um compasso sequer de música popular brasileira. Se apresentássemos a ele os dois trechos acima como trechos de poemas, creio ser bastante razoável supor que o professor em questão (ou, a bem da verdade, qualquer ser falante e pensante em língua portuguesa) consideraria-os ambos medíocres.
Mas o problema é que, ao apresentá-los como poemas, estaríamos enganando nosso hipotético professor, simplesmente porque os versos acima não são poemas: não foram feitos para serem lidos, e sim ouvidos e cantados. Eles fazem pouco ou nenhum sentido quando artificialmente apartados da música que também os constitui. Letras de música são versos constituídos em igual medida por palavras e notas musicais. E é isso o que faz com que os primeiros versos sejam bons e, os segundos, lamentáveis.
É claro que, muitas vezes, uma letra pode sobreviver à música e seguir carreira solo, digamos assim. É o caso, para ficarmos no exemplo mais óbvio, das letras de Chico Buarque. Os exemplos são tantos que nem vale a pena citar, até porque cada um tem a sua letra-preferida-do-Chico particular.
Mas nem sempre isso acontece. Vejamos estes versos, por exemplo:
“Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor”
Como poema, absolutamente banal. Como letra de música, genial.
De qualquer forma, o post do Piza botou minha cabeça para funcionar. Qual seria, afinal, o pior verso da MPB – letra e música?
Para mim, a resposta é obvia:
“
Tira a
calça jeans,
bota o
fio dental
Morena você é
tão sensual”
É tão ruim, que quase chega a ser bom. Uma anti-obra-prima das melhores.
E vocês, lembram-se de alguma outra anti-obra-prima? Deixem sua resposta aí nos comentários. Também está valendo citar a sua letra-preferida-do-Chico particular, ou qualquer outra coisa. Bom fim de semana a todos!
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Suíte Elaborações
Namoro
Dia desses, em pleno desespero pós-término de namoro, ouço os seguintes conselhos de uma pessoa que, embora pouco me conheça, gosta de mim o suficiente para se deixar tocar por meu sofrimento:
“Não fica assim, não vale a pena. Ele não merece o seu choro. Você vai arrumar outro muito melhor.”
Este é apenas o segundo namoro em minha vida que chega ao fim. Mas, após ouvir as três declarações acima, tive um insight: se dez vezes eu namorar e dez vezes o namoro acabar, dez vezes ouvirei a tríade: não vale a pena; ele não merece; outro melhor virá.
E por quê? Porque – é incrível – funciona. Imediatamente me acalmei. “É isso mesmo!”, pensei. “Ele não merece!”, resmunguei comigo mesma, indignada!
***
PÁRA TUDO.
Assustaram-me a rapidez e a indignação com as quais, mentalmente, acatei os conselhos. De repente, transformei-me na mulher despeitada e desrespeitada, vítima de grande ofensa, calúnia ou difamação.
Mas, um instantinho só. Terminar o namoro foi uma decisão minha, tanto quanto dele. E o André é tão cafajeste quanto eu sou uma bailarina. Que mal fez ele, então, para eu me sentir tão ofendida?
Foi aí que me dei conta. Não dele, mas de mim: da parte de mim que se sentiu ultrajada. Ainda não a conheço muito bem. Sofro intensamente, porém, os efeitos de seus desvarios.
Estamos falando da parte de mim que quer ser a deusa do universo. (Qualquer universo.) E, para essa deusa em potencial, qualquer coisa menor do que a divindade é cafajestagem das baixas.
E, com o fim de um relacionamento (ou seria essa a causa do fim? But I digress.), inevitavelmente sobrevém a sua abjuração.
Sim, meus caros. Passar de namorada a ex é passar de fina camisa de linho costurada sob medida a camiseta da C&A. É passar, de mesa talhada em madeira maciça, a escrivaninha de compensado da Tok Stok. É ver-se transformada, de filme cambojano que ninguém viu na Mostra Internacional de 97, a mais um episódio de Friends.
É mudar o tipo de artigo que me acompanha. Não sou mais a namorada. Sou uma ex-namorada, dentre outras.
Naturalmente, tais mudanças não são, em si, ruins. Afinal, promoções da C&A são sempre bem-vindas, meu consultório conta com a presença de uma linda escrivaninha Tok Stok e prefiro Friends a 90% da programação atualmente em cartaz no Espaço Unibanco.
Todavia, passar de artigo de luxo a artigo de consumo de massa é sempre um golpe no próprio narcisismo. Tipo: primeiro o homem descobriu que a Terra é só mais um planetinha marreta girando em torno do Sol. Depois, que ele próprio é uma criatura nem mais nem menos animalesca do que um macaco. Em seguida, que ele não sabe por que faz boa parte do que faz (isto é, o inconsciente existe). E, finalmente, o homem descobriu que ele pode virar um reles ex a qualquer instante.
Mas, sabem do que mais? Aquela parte de mim da qual lhes falei, a da deusa em potencial – ela é importante, viu. Ela é importante e sempre precisará ser respeitada, em qualquer relacionamento em que eu estiver.
Mas ela não é a mais importante. Definitivamente, não me deixo dominar por ela.
Então, queridos conselheiros que tanto me querem bem... Desculpem aí, mas sofrer vale a pena, sim. Vale a pena porque o meu ex-namorado (olha só, é possível juntar artigo definido com o prefixo ex!) é lindo, querido e fabuloso. E terminar um relacionamento com ele merece todo o sofrimento do mundo.
Agora, com uma coisa eu concordo. É a terceira declaração-conselho-profecia. Mais uma vez:
“Você vai arrumar outro muito melhor.”
Com um retoquezinho aqui, outro ali, isso vira:
“Coisas melhores virão."
Agora, sim. Coisas – quais, não faço idéia – melhores virão. Disso, amigos, não tenho nenhuma dúvida.
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Singelo comunicado
Caros amigos, familiares, colegas e afins,
Tenho um comunicado a fazer. Talvez nem todos vocês saibam, mas minha vida vem passando por modificações significativas nos últimos tempos. Vejamos:
Primeiro, foi o mestrado. Acabou (ou quase: só falta a defesa. Perdoem-me pelo excesso de confiança).
Depois, a terceira temporada de LOST. Acabou. E só volta em fevereiro.
Depois, a minha análise. Acaba esta semana.
O meu namoro. Acabou esta semana também.
Por fim, nominimo.com.br, o sítio de notícias que acesso diariamente, acaba semana que vem.
Frente a tudo isso, pensei – que fazer? Todos esses términos, reparem bem, chegam em boa hora: foram fruto de decisões minhas (excetuando-se o fim do namoro, claro, que sempre resulta de uma decisão conjunta) e/ou fazem parte do ciclo da vida (aquele que a gente aprende no Rei Leão) – e isso também com uma exceção, a do nominimo, cuja morte só pode ser caracterizada como violenta e prematura.
Só estas duas exceções já justificariam o que estou para fazer, e lhes dizer. Mas voltemos ao raciocínio que se pauta pela regra, pelo comum, pelo ciclo da vida.
Todos sabemos que, depois do mestrado, vem o doutorado. Depois da terceira temporada de LOST, vem a quarta. Depois de uma análise, vem outra. Depois de um namoro... Bem, não estou bem certa de que o que vem depois do namoro é melhor do que o namoro em si, mas tudo bem. E, salvo o aparecimento de um patrocínio milagroso aos 45 do segundo tempo, o nominimo morrerá – mas não morrerão os colunistas que o trouxeram à vida.
Muito bem. Mudanças positivas, quase todas elas, certamente.
Mas isso não implica que tais mudanças não acarretem um sofrimento muito grande – para não dizer o medo da loucura iminente. Pior: a loucura solitária. Ou será que a solidão, em seu grau mais extremo, já não é loucura?
Na dúvida, melhor fazer o seguinte. Enlouquecer sozinha? Nem pensar. Melhor enlouquecer... com vocês.
É isso mesmo. Em vez de continuar enviando-lhes enquetes periódicos a respeito de Ramote-Gileade e que-tais, resolvi criar um espaço próprio. Assim, deixo de incomodar vocês por e-mail, e só participa de minhas pequenas loucuras quem quiser.
Criei um blog que se pretende a antítese do conceito de fala autêntica de Heidegger. Afinal, quem tem o que dizer escreve um livro; quem está se sentindo só e perdida, preenche o vazio com suas bobagens num blog. Música, memórias, desejos, realizações de desejo, desejos frustrados, psicanálise, LOST, sexo e até política: por que não contribuir ainda mais para o acúmulo de informações inúteis com que nos defrontamos todos os dias?
Então é isso, you all everybody. Venham aqui e, por favor, comentem. O endereço é http://recordarrepetirelaborar.blogspot.com. Pretendo atualizá-lo pelo menos uma vez por semana.
Beijos,
Camila
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