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domingo, 17 de fevereiro de 2008

Da felicidade. Sozinha.

Em alguns dos primeiros e-mails interessados que Rafa e eu vínhamos trocando, dei para reparar nos links patrocinados do Google exibidos ao lado das mensagens abertas (tanto eu quanto ele usamos Gmail). Dentre eles, "João Bosco E Vinicius Acabou" (assim mesmo), "Obras Completas de Nietzsche" (quem vê pensa) e, para o meu mais profundo horror, "Namoro Evangélico". Naturalmente, compartilhei meu horror com ele - que nunca havia sequer reparado na existência de tais links - e juntos bolamos um plano para eliminar o namoro evangélico de nosso pouco cristão diálogo. O plano consistiu basicamente em 1) reforçar o envio de beijos de lado a lado; 2) planejar a materialização dos beijos num encontro próximo. Funcionou que foi uma beleza, e desde então vimo-nos livres dos anúncios evangelizadores.

Mas os anúncios foram só a ponta do iceberg cristão. Imaginem uma igreja submersa da qual só se consegue vislumbrar a torre acima da linha do mar. A cruz fincada na torre é o link patrocinado do Google. O resto - o altar, o púlpito, o padre, os santos e, com sorte, até um lindo órgão - constituem algo que não sei se chamo de filosofia de vida, sintoma, pré-concepção ou ser-no-mundo. E desde a fatídica quinta-feira (não confundir com a quinta-feira da Eva nem com a do passaporte), tudo isso vem sendo corroído numa velocidade muito superior à das reações químicas que aprendemos na escola.


A igreja que carrego em minhas costas (dentro, não por sobre elas) ensina-me que sem sofrimento não há felicidade. Que o sofrimento suportado neste mundo há de ser recompensado com a felicidade no além. E se meus professores do colégio me consideravam boa aluna, é porque nunca tiveram acesso à menininha carola que de fato sou e agora estou em vias de declarar que era. Pois desta igreja sou a aluna mais aplicada. Uma aplicação que se nota até em meu já antigo perfil aqui do blog - minha vida amorosa caracterizada como "um desastre, mas também uma delícia". A conjunção adversativa mal consegue disfarçar a filosofia de vida, o sintoma, a pré-concepção e o ser-no-mundo nos quais desastre-e-delícia são como pinga-com-limão e Lennon & McCartney, um amálgama muito mais poderoso do que a soma de suas partes. A delícia que depende do desastre: nada mais cristão - o prazer proveniente da dor bem-suportada -; nada mais conservador - o conservadorismo da pulsão, que patina (goza? Rafa, ajuda!) num sofrimento intocado. Gosto desta imagem nada rigorosa: o sofrimento uma pista de gelo onde a pulsão patina quase sem deixar marcas, culminando num assassinato. O assassinato deixa marcas vermelhas visíveis. Não mais mortíferas que o roçar invisível da lâmina sobre o gelo.


Antes do atual namoro, é claro que já tive meu quinhão de júbilo romântico e erótico nesta vida. O júbilo de agora, por si só, não constitui novidade. A novidade é ele vir sozinho. É não precisar de sofrimento nenhum para me consumir e me acompanhar. E isso sim faz dele uma grande novidade. Por favor, não tentem resolver o paradoxo (não é novidade porque já estive apaixonada antes, é novidade porque nunca estive apaixonada assim antes). Não precisa. O que é preciso é saber que é possível ser feliz sem sofrer. Peço desculpas pela platitude desta observação, mas foram necessários anos de análise e dias de Rafa para que eu chegasse a ela.


Argumentará algum leitor: mas o que seria dos mocinhos sem os vilões? O que seria do azul se todos gostassem do amarelo? Respondo que há lugar no mundo para todos os vilões amarelos que se queiram - eles só não precisam invadir o meu namoro para me fazer feliz. Que venha o sentimento de desastre, nos momentos desastrados. Não estou negando o sofrimento; não estou em mania (OK, só um pouco). Estou apenas (apenas?) experimentando, pela primeira vez na vida, que o prazer amoroso não precisa trazer nenhuma dor embutida para poder ser vivido em sua totalidade.

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