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terça-feira, 5 de agosto de 2008

Vovó, os sustos e os homens

Então chegou o momento que todos esperavam: o momento do sermão pré-viagem da minha avó.

A despeito de sua quase total ausência neste blog - possivelmente pela incompatibilidade do formato blog com o formato vó -, ela é das pessoas mais presentes na minha vida. Me liga todo dia entre dez e onze, e nunca deixa de protestar no dia seguinte quando não me encontra: "filhinha, por onde você andou?". Freqüentemente eu lhe peço para adivinhar onde eu estava. Ela, é claro, quase sempre acerta: "estava jantando na casa da Bel" ou "saiu com o namoradinho" (faz tempo que ela não aposta na segunda alternativa).

Costumo abrir bem os ouvidos para ouvir o que minha avó tem a dizer, pois ela é uma pessoa inteligente e de opiniões fortes, mas que não hesita em relativizar suas idéias quando confrontada com um argumento convincente, bastando este argumento ser de genuína importância para o interlocutor. Foi assim na semana em que quase morri, quando levei o já histórico e ridículo fora: ela me viu daquele jeito e dizia, filhinha, mas você não pode ficar assim, você mal conhecia o moço!, se você tivesse namorado 3, 4 anos, tudo bem, mas assim não pode!... E ficou repetindo essa idéia, enquanto me embalava, até o embalo surtir o efeito desejado. O ritmo cadenciado do balançar do colo de minha avó fez com que eu me organizasse um pouco - o suficiente para lhe dizer que o tempo cronológico de um relacionamento nada tem a ver com o envolvimento, a intensidade e o investimento que se depositam e se vivem nele.

Quando eu disse isso ela parou o embalo, espantada. Que coisa, disse ela. Bem se via que o que eu acabara de dizer não se adequava à sua experiência (e nem tampouco à experiência que ela tinha de mim - ela nunca presenciara nada semelhante nos 3, 4 anos de namoros passados que ela conhecera tão bem); mas compreendeu, e não duvidou mais, da minha experiência.

Então ontem minha avó me olhou muito séria e disse para eu ser uma boa companhia para as pessoas com quem eu conviver, pois não há nada pior do que gente que reclama de tudo; disse para eu lavar minhas roupas e louças, pois até hoje não se tem notícia de roupas e louças que se tenham lavado sozinhas; disse para eu tomar cuidado naquela terra estranha e cuidar bem das minhas coisas, além de pedir para que eu telefonasse na primeira dor de barriga.

(Minha outra avó, em compensação, nada disse - minhas duas avós têm em comum, além do apreço cá por esta neta, apenas o talento culinário -: minha outra avó apenas chorou. Eu nunca a tinha visto chorar antes.)

O tópico mais relevante do sermão, porém, ainda não fora abordado.

Minha avó o introduziu solenemente, dizendo que viera pensando muito sobre um certo assunto, e que precisava conversar comigo a respeito antes da minha partida.

Então minha avó me disse, basicamente,

1) que eu assusto os homens;

2) que devo cuidar para não assustá-los tanto (os pobres).

Antes de passar ao conteúdo dos conselhos, gostaria de lembrar que, em geral, os jovens e adultos costumam escutar os velhos de maneiras bastante díspares, mas no fundo bem parecidas. Ou desconsideram tudo o que eles têm a dizer, aqueles velhos gagás completamente desconectados da realidade da nossa época - ou agem como se estivessem diante de uma esfinge sagrada e empalhada de sabedoria milenar e inalienável. Sim, as escutas são parecidas: o velho gagá e o velho sábio são duas facetas do mesmo objeto interno esquizo-paranóide, depreciado e super-valorizado - e, sobretudo, desvinculado do objeto-externo que um dia lhe serviu de suporte.

Não que eu tente buscar um inexistente meio-termo quando converso com pessoas idosas em geral ou com minha avó em particular, pois certamente existem velhos gagás e velhos sábios no mundo - e, além disso, não é porque minha avó me oferece muitos conselhos sábios que ela também não me dê de lambuja alguns outros que prefiro ponderar e depois esquecer.

Ao conteúdo, portanto:

1) Infelizmente, não se trata de um conselho, mas de um fato que não tenho como negar. Infelizmente mesmo, pois não gosto de provocar susto ou medo em ninguém, ainda mais se considerarmos que eu mesma sou a maior patife que conheço: não consigo nem ir tomar vacina sozinha com medo de desmaiar, morro de aflição ao pensar na escassez de manicures e depiladoras em New Orleans, acordo de madrugada assustada com um pesadelo com o Onorato.

E, ainda assim, tem quem se assuste. Com uma mulher que tem medo de seringas, da própria coordenação motora com alicates e de músicos de jazz caras-de-pau.

2) Taí um típico conselho da minha avó que espero poder esquecer por toda a vida.

Taí um ótimo exemplo de situação sobre a qual penso não ser eu aquela que deve se adaptar ao mundo, mas o mundo (uma pequeníssima parte dele) é que precisa se adaptar a mim.

Porque, se um homem se assusta comigo, é porque ele não entendeu NADA.

E Deus me livre de cuidar para não assustar alguém que não entendeu nada.

Meus próprios sustos já são suficientes para me manter ocupada.

Meus sustos, e minhas saudades antecipadas.

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