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quarta-feira, 23 de julho de 2008

O de sempre

De novo, o assunto dos tchaus, despedidas, mortes, abandonos e renascimentos. Que é o assunto mais difícil de todos e por isso foi o tema central da minha análise e do meu mestrado. Porque eu precisava - eu preciso - ficar um pouco menos aflita com essas coisas.

Toda a minha análise se resume à desconstrução da cena mais terrível da minha filmografia particular. Quarta temporada de Alias: Sydney e Nadia descobrem que sua mãe, por todos dada como morta, estava viva. Capturada pelos inimigos. Então elas vão lá e resgatam a mãe. Entendam bem o que estou dizendo: elas descobrem que a mãe não estava morta, estava viva. No meu universo psíquico, não pode haver maravilha maior do que esta. Acreditei nisso a minha vida toda: a única diferença de Agar para Irina é que esta era mantida num esconderijo subterrâneo, enquanto minha mãe mofava num fundo de armário. De resto, vi materializado na tela tudo em que acreditei a minha adolescência inteira, embora não o soubesse.

Precisei da análise para dar início a um processo que não tem a menor possibilidade de acabar, mas tem todas as possibilidades de se desenvolver muito bem: viver sem a expectativa de que a qualquer momento minha mãe saltará do fundo do armário. Ou melhor: não precisar desta expectativa para poder viver. Perceber que minha mãe não precisa estar num armário. Porque ela já está em mim, e sou muito mais preciosa que qualquer item de mobília.

Todo meu mestrado consistiu em estudar este processo, só que aplicado a outro objeto - em vez da mãe, teorias que nos são caras. Fui estudar a dificuldade que os analistas temos de nos desapegarmos de teorias que não existem mais, mas que amamos tanto; estudei os entraves gerados por esta dificuldade na clínica e as vantagens de tirar uma teoria do armário e armazená-la dentro de si próprio. Escrevi sobre tudo isso, mas a riqueza do trabalho consiste justamente em eu ter vivido esta experiência com alguns textos teóricos específicos: o processo de luto e internalização da teoria foi vivido ao longo do mestrado, transparecendo, assim, em meu próprio texto. Com isso, minha dissertação não é uma escrita-sobre (alguma coisa), é uma escrita-que-é (a própria coisa). Tenho muito orgulho disso, e nenhuma modéstia. E não é nem porque só Deus sabe o quanto trabalhei (até porque não é verdade - meu ex-namorado e a Bel também sabem), mas porque minha vida melhorou muito com e após o mestrado e a análise. Orgulho-me de ter querido - e conseguido - viver melhor; orgulho-me de ter percebido que minha vida poderia ser melhor do que era. Eu estava certa.

Essas conquistas são permanentes e preciosas, o que não implica que sejam estáticas. Vez ou outra bate o medo da recaída no diálogo com os mortos.

Domingo à noite, eu queria tentar um diálogo com alguém que, morto, dera sinais inequívocos de vida, confundindo-me bastante. Quem sabe não é um coma?, pensei.

De um lado, o medo da recaída - de agir como se determinadas coisas e pessoas estivessem vivas quando há muito já se foram.

De outro, a dúvida do coma. Porque eu gostava desta pessoa que se matou para mim. Gostava mesmo. E quando a gente gosta - e a pessoa em questão não é uma imbecil - sempre vale a pena acreditar.

Felizmente, a dúvida prevaleceu. Por um minuto e meio, dei voz a ela.

No fim, a pessoa gostada tinha morrido mesmo. E ainda estou bem triste com isso.

Mas a tristeza, querendo ou não, passa.

O que não passa, e que me deixou feliz da vida, foi constatar que eu posso ter dúvidas. Eu posso insistir. Eu posso olhar uma última vez para dentro do armário.

E, então, seguir vivendo.

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