Mudei de endereço

Postar um comentário

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Ataque de angústia fulminante: ignorância, modo quantitativo

A última vez que me senti assim foi na véspera do meu primeiro atendimento supostamente psicanalítico - supostamente porque me disseram que agora sim eu era, aham, uma psicanalista em formação; não que eu tenha acreditado nisso, mas a pessoa que mo disse realmente parecia acreditar, e isso sempre tem um peso -: onze horas da noite, estou me preparando para uma feliz noite de sono a prenunciar um feliz dia psicanalítico, quando pimba! A cruel constatação:

"Mas como é que eu vou fazer um atendimento psicanalítico se ainda não li as Obras Completas de Freud?"

Minha sorte foi ter percebido a tempo, por mais que quisessem me convencer do contrário, que minha tarefa era nada mais - e nada menos - que atender um paciente, e não recitar aos ventos os versículos da Gesammelte Werke.

Corta para a noite de hoje.

Fuçando os arquivos deste tão estimado blog, deparo-me com um post sobre uma lista dos 100 melhores romances em língua espanhola dos últimos 25 anos. Ele, pra início de conversa, leu aproximadamente 80% do que está lá, e comenta a seleção com autoridade e bom-senso - sem perder de vista, felizmente, que uma lista é-uma-lista-é-uma-lista.

Abstenho-me de comentar os fatos de que - valha-me Deus! - gostei bastante de A Festa do Bode e que O Amor Nos Tempos do Cólera é um dos livros da minha vida. Porque isso implicaria adentrar a esfera qualitativa da ignorância, e a fulminância do ataque não me permite tamanha estripulia. Ater-me-ei - com a esperança de que a mesóclise um dia me redima - à angústia da ignorância, modo quantitativo.

Eu tive a pachorra de verificar qual era a minha porcentagem de leitura daquela lista.

Pra quê.

Aqui entra a importância da melhor amiga, que não só entende perfeitamente a natureza da sua angústia como lhe oferece o conforto mais fofo e honesto, advindo do fundo, do raso e de todos os lados de seu bem-aventurado coração:

- Béééééééu, tem-uma-lista-etc.-etc.-e-o-Idelber-80%-etc.etc.-e-eu-não-conheço-nada!!!

- Calma, Cami: quanto foi que você leu?

- (4. E em português.)

- Nossa, QUANTO! Parabéns!!!

Eu adoraria que vocês ouvissem a voz da minha amiga para compreender o que é a inocência, a bondade e a compaixão humanas. Hoje eu presenciei uma coisa rara - uma epifania a cuja descrição nem Clarice se atreveria: o momento, sutil e fugaz, em que a pureza de uma alma se desvela em toda a sua inteireza.

Mas nem a pureza desta alma foi capaz de sanar a minha angústia.

Porque se há cinco anos, mais do que ler este ou aquele livro, minha tarefa era atender um paciente, desta vez não há pacientes a atender: somos eu e os livros. Nada entre eu e eles.

No que me pergunto se nesta empreitada new-orleaniana terei capacidade para algo além de 1) comer cookies; 2) seduzir um trompetista. O Alex, aliás, não duvida de que esta seja a real motivação por trás do meu doutorado: conquistar o instrumentista que falta para a minha banda-amorosa particular. (Mal sabe ele que minha prioridade continua sendo um contrabaixista; aqui no Brasil, como se sabe, esta é uma raça em extinção. E fora que o Kermit Ruffins, né, tem dó.)

Moving on.

Cookies, trompetistas e contrabaixistas à parte - será que dá?

Será que minha inhorância tem cura?

Por um lado, interrompi uma sensacional leitura justamente para escrever este post. Que não contribui em nada para o fim da minha inhô, mas pelo menos aplaca um pouquinho a angústia.

Por outro, o homem dos 80% apostou em mim.

E, nem de um lado nem de outro - é capaz que, até New Orleans chegar, eu mesma chegue nos 5%.

Marcadores:

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial