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quinta-feira, 12 de junho de 2008

Ah, os outros

Um amigo me disse que gosta de mulher complicada. No sexo.

Complicada não quer dizer que ela se interesse por práticas sexuais que exijam longos e exaustivos planejamentos, e cenários, e props diversos. Tampouco quer dizer que a mulher seja difícil, que leve um tempo para se permitir incursões sexuais mais ousadas.

Não: mulher complicada é mulher travada.

Ou seja: se o sexo é ruim, mas ruim mesmo, aí é que meu amigo gosta. Não do sexo. Mas da mulher.

Agora vamos todos pensar juntos, antes de chamar o meu amigo de louco.

Primeiro, que se diga que o desejo dele tem o grande mérito de fazer por cair por terra uma das maiores falácias de um psicologismo ingênuo: se uma experiência é boa e Fulano gosta, vai querer repeti-la; se for ruim e desgostosa, tenderá a evitá-la.

Depois, que se diga que meu amigo tem um grande problema. Pois de sexo bom ele parece gostar - um gostar que, neste caso específico, quer ser repetido.

Finalmente, reconheça-se que talvez - talvez - este meu amigo não seja o excêntrico que estamos supondo. Talvez a maioria dos homens seja assim e nem se dê conta. Talvez a única diferença do meu amigo para os demais seja que ele se aperceba do próprio desejo.

Porque mulher safada, mulher desejosa, mulher arreganhada ou qualquer que seja o nome que se queira dar - não preciso nem supor que isso povoa a imaginação das pessoas; há toda uma indústria dedicada a preencher esta fantasia.

Agora vamos considerar por um instante as moças que posam peladas (não vamos falar das que atuam, para não complicar ainda mais a discussão - de complicados já bastam os amores do meu amigo):

Quantas delas são capazes de dizer que gostaram e gostam de fazer o que fizeram.

Quantas são capazes de gostar?

Não estou nem dizendo publicamente, que já são folclóricas as declarações de que só fiz o trabalho porque era um nu artístico etc. e zzz... Mas quantas são capazes de senti-lo e afirmá-lo para seus maridos, namorados, casos, parceiros.

Não sei, não sei quantas.

Mas desconfio de que homens capazes de ouvir e gostar disso sejam pouquíssimos.

***

Agora deixemos de lado as que posam nas revistas e saites e consideremos aquelas que posam apenas (ou com maior freqüência) para seus maridos, namorados, casos e parceiros.

Quantos serão os maridos, namorados, casos e parceiros que agüentam - mais, que apreciam - saber que sua mulher gosta de sexo?

***

(Atenção: considerações psicanalíticas de orelhada a seguir. Para considerações psicanalíticas rigorosas, favor consultar Calligaris. Um dia chego lá.)

Porque vejamos. Se uma mulher diz que gosta de sexo, é o mesmo que dizer que gosta de comer. Gostar de comer é relativamente independente das comidas que se come (sim, a maleabilidade do vínculo da pulsão com os objetos). Posso até dizer "amor, seu macarrão está uma delícia". Mas meu gosto não veio do macarrão: é anterior a ele. E mais: meu gosto por massas não exclui vinhos, bolos e carnes da minha imaginação.

Claro está que os objetos despertam a pulsão - daí a relativa independência entre um e outro. Mas, uma vez desperta, a pulsão traça caminhos imprevisíveis. E o objeto que a despertou vira apenas um entre vários.

(Vale notar: a pulsão é despertada e redespertada o tempo todo. Graças a Deus.)

Então, se mostro a um homem que gosto de sexo, que estou dizendo, no fundo?

Que, meu amor, te-amo-te-adoro-te-quero. Mas*. Meu gosto por sexo é anterior a e independente de você.

Ou seja: se você não existisse na minha vida, seria outro. A fazer precisamente tudo o que você faz agora. Ou até mais. E melhor.

Convenhamos: assusta.

Uma mulher que gosta de sexo - que gosta de comer - é uma mulher que não se pode controlar.

(Nem por si mesma, nem por ninguém.)

É compreensível que seja mais fácil não gostar. Não dizer. Não assumir. Não mostrar.

É compreensível que para um homem seja mais fácil gostar de uma mulher que não goste, ou que tenha dificuldade de gostar.

E tudo bem: porque sempre haverá as outras.

Principalmente, sempre haverá os outros.


* Esta micro-palavrinha resume o problemão - e este post - inteiro. Toda a dificuldade está em poder utilizar, no lugar de uma conjunção adversativa, uma aditiva - isto é, conciliar estas duas informações: 1) que uma mulher possa amar um homem específico; 2) que uma mulher possa amar o sexo em geral.

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