Ah, os outros
Um amigo me disse que gosta de mulher complicada. No sexo.
Complicada não quer dizer que ela se interesse por práticas sexuais que exijam longos e exaustivos planejamentos, e cenários, e props diversos. Tampouco quer dizer que a mulher seja difícil, que leve um tempo para se permitir incursões sexuais mais ousadas.
Não: mulher complicada é mulher travada.
Ou seja: se o sexo é ruim, mas ruim mesmo, aí é que meu amigo gosta. Não do sexo. Mas da mulher.
Agora vamos todos pensar juntos, antes de chamar o meu amigo de louco.
Primeiro, que se diga que o desejo dele tem o grande mérito de fazer por cair por terra uma das maiores falácias de um psicologismo ingênuo: se uma experiência é boa e Fulano gosta, vai querer repeti-la; se for ruim e desgostosa, tenderá a evitá-la.
Depois, que se diga que meu amigo tem um grande problema. Pois de sexo bom ele parece gostar - um gostar que, neste caso específico, quer ser repetido.
Finalmente, reconheça-se que talvez - talvez - este meu amigo não seja o excêntrico que estamos supondo. Talvez a maioria dos homens seja assim e nem se dê conta. Talvez a única diferença do meu amigo para os demais seja que ele se aperceba do próprio desejo.
Porque mulher safada, mulher desejosa, mulher arreganhada ou qualquer que seja o nome que se queira dar - não preciso nem supor que isso povoa a imaginação das pessoas; há toda uma indústria dedicada a preencher esta fantasia.
Agora vamos considerar por um instante as moças que posam peladas (não vamos falar das que atuam, para não complicar ainda mais a discussão - de complicados já bastam os amores do meu amigo):
Quantas delas são capazes de dizer que gostaram e gostam de fazer o que fizeram.
Quantas são capazes de gostar?
Não estou nem dizendo publicamente, que já são folclóricas as declarações de que só fiz o trabalho porque era um nu artístico etc. e zzz... Mas quantas são capazes de senti-lo e afirmá-lo para seus maridos, namorados, casos, parceiros.
Não sei, não sei quantas.
Mas desconfio de que homens capazes de ouvir e gostar disso sejam pouquíssimos.
***
Agora deixemos de lado as que posam nas revistas e saites e consideremos aquelas que posam apenas (ou com maior freqüência) para seus maridos, namorados, casos e parceiros.
Quantos serão os maridos, namorados, casos e parceiros que agüentam - mais, que apreciam - saber que sua mulher gosta de sexo?
***
(Atenção: considerações psicanalíticas de orelhada a seguir. Para considerações psicanalíticas rigorosas, favor consultar Calligaris. Um dia chego lá.)
Porque vejamos. Se uma mulher diz que gosta de sexo, é o mesmo que dizer que gosta de comer. Gostar de comer é relativamente independente das comidas que se come (sim, a maleabilidade do vínculo da pulsão com os objetos). Posso até dizer "amor, seu macarrão está uma delícia". Mas meu gosto não veio do macarrão: é anterior a ele. E mais: meu gosto por massas não exclui vinhos, bolos e carnes da minha imaginação.
Claro está que os objetos despertam a pulsão - daí a relativa independência entre um e outro. Mas, uma vez desperta, a pulsão traça caminhos imprevisíveis. E o objeto que a despertou vira apenas um entre vários.
(Vale notar: a pulsão é despertada e redespertada o tempo todo. Graças a Deus.)
Então, se mostro a um homem que gosto de sexo, que estou dizendo, no fundo?
Que, meu amor, te-amo-te-adoro-te-quero. Mas*. Meu gosto por sexo é anterior a e independente de você.
Ou seja: se você não existisse na minha vida, seria outro. A fazer precisamente tudo o que você faz agora. Ou até mais. E melhor.
Convenhamos: assusta.
Uma mulher que gosta de sexo - que gosta de comer - é uma mulher que não se pode controlar.
(Nem por si mesma, nem por ninguém.)
É compreensível que seja mais fácil não gostar. Não dizer. Não assumir. Não mostrar.
É compreensível que para um homem seja mais fácil gostar de uma mulher que não goste, ou que tenha dificuldade de gostar.
E tudo bem: porque sempre haverá as outras.
Principalmente, sempre haverá os outros.
* Esta micro-palavrinha resume o problemão - e este post - inteiro. Toda a dificuldade está em poder utilizar, no lugar de uma conjunção adversativa, uma aditiva - isto é, conciliar estas duas informações: 1) que uma mulher possa amar um homem específico; 2) que uma mulher possa amar o sexo em geral.
Complicada não quer dizer que ela se interesse por práticas sexuais que exijam longos e exaustivos planejamentos, e cenários, e props diversos. Tampouco quer dizer que a mulher seja difícil, que leve um tempo para se permitir incursões sexuais mais ousadas.
Não: mulher complicada é mulher travada.
Ou seja: se o sexo é ruim, mas ruim mesmo, aí é que meu amigo gosta. Não do sexo. Mas da mulher.
Agora vamos todos pensar juntos, antes de chamar o meu amigo de louco.
Primeiro, que se diga que o desejo dele tem o grande mérito de fazer por cair por terra uma das maiores falácias de um psicologismo ingênuo: se uma experiência é boa e Fulano gosta, vai querer repeti-la; se for ruim e desgostosa, tenderá a evitá-la.
Depois, que se diga que meu amigo tem um grande problema. Pois de sexo bom ele parece gostar - um gostar que, neste caso específico, quer ser repetido.
Finalmente, reconheça-se que talvez - talvez - este meu amigo não seja o excêntrico que estamos supondo. Talvez a maioria dos homens seja assim e nem se dê conta. Talvez a única diferença do meu amigo para os demais seja que ele se aperceba do próprio desejo.
Porque mulher safada, mulher desejosa, mulher arreganhada ou qualquer que seja o nome que se queira dar - não preciso nem supor que isso povoa a imaginação das pessoas; há toda uma indústria dedicada a preencher esta fantasia.
Agora vamos considerar por um instante as moças que posam peladas (não vamos falar das que atuam, para não complicar ainda mais a discussão - de complicados já bastam os amores do meu amigo):
Quantas delas são capazes de dizer que gostaram e gostam de fazer o que fizeram.
Quantas são capazes de gostar?
Não estou nem dizendo publicamente, que já são folclóricas as declarações de que só fiz o trabalho porque era um nu artístico etc. e zzz... Mas quantas são capazes de senti-lo e afirmá-lo para seus maridos, namorados, casos, parceiros.
Não sei, não sei quantas.
Mas desconfio de que homens capazes de ouvir e gostar disso sejam pouquíssimos.
***
Agora deixemos de lado as que posam nas revistas e saites e consideremos aquelas que posam apenas (ou com maior freqüência) para seus maridos, namorados, casos e parceiros.
Quantos serão os maridos, namorados, casos e parceiros que agüentam - mais, que apreciam - saber que sua mulher gosta de sexo?
***
(Atenção: considerações psicanalíticas de orelhada a seguir. Para considerações psicanalíticas rigorosas, favor consultar Calligaris. Um dia chego lá.)
Porque vejamos. Se uma mulher diz que gosta de sexo, é o mesmo que dizer que gosta de comer. Gostar de comer é relativamente independente das comidas que se come (sim, a maleabilidade do vínculo da pulsão com os objetos). Posso até dizer "amor, seu macarrão está uma delícia". Mas meu gosto não veio do macarrão: é anterior a ele. E mais: meu gosto por massas não exclui vinhos, bolos e carnes da minha imaginação.
Claro está que os objetos despertam a pulsão - daí a relativa independência entre um e outro. Mas, uma vez desperta, a pulsão traça caminhos imprevisíveis. E o objeto que a despertou vira apenas um entre vários.
(Vale notar: a pulsão é despertada e redespertada o tempo todo. Graças a Deus.)
Então, se mostro a um homem que gosto de sexo, que estou dizendo, no fundo?
Que, meu amor, te-amo-te-adoro-te-quero. Mas*. Meu gosto por sexo é anterior a e independente de você.
Ou seja: se você não existisse na minha vida, seria outro. A fazer precisamente tudo o que você faz agora. Ou até mais. E melhor.
Convenhamos: assusta.
Uma mulher que gosta de sexo - que gosta de comer - é uma mulher que não se pode controlar.
(Nem por si mesma, nem por ninguém.)
É compreensível que seja mais fácil não gostar. Não dizer. Não assumir. Não mostrar.
É compreensível que para um homem seja mais fácil gostar de uma mulher que não goste, ou que tenha dificuldade de gostar.
E tudo bem: porque sempre haverá as outras.
Principalmente, sempre haverá os outros.
* Esta micro-palavrinha resume o problemão - e este post - inteiro. Toda a dificuldade está em poder utilizar, no lugar de uma conjunção adversativa, uma aditiva - isto é, conciliar estas duas informações: 1) que uma mulher possa amar um homem específico; 2) que uma mulher possa amar o sexo em geral.
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