Aprendam aqui o que é o Outro
Desde meados do segundo ano da graduação em Psicologia, venho ouvindo as mais diversas definições deste conceito tão caro à psicanálise lacaniana:
- o Outro é o inconsciente;
- o Outro é a estrutura;
- o Outro é a linguagem.
Três definições, aliás, perfeitamente intercambiáveis, já que o inconsciente é estruturado como linguagem. Prosseguindo:
- o Outro é o sistema;
- o Outro é o Nome-do-Pai;
- o Outro é a cadeia de significantes;
até chegar à mais recente delas:
- o Outro é o tesouro de significantes (piratas, atacar!).
Então, já que era assim, é claro que eu adorava formular as minhas próprias definições para o esotérico conceito:
- o Outro é o panóptico do Foucault;
- o Outro é a CIA;
- o Outro é o Pedro Bial.
Mas, até anteontem, a única coisa que eu me sentia suficientemente segura para afirmar sobre o Outro sem medo de errar é que se deve escrevê-lo com O maiúsculo e pronunciá-lo "grande outro".
Até anteontem. Porque finalmente, sete anos depois, alguém conseguiu me explicar este conceito que eu já havia desistido de conseguir apreender nesta vida e mesmo numa próxima. Eis o alguém e sua obra:
A forma como o autor vai aos poucos delineando o conceito é ao mesmo tempo lógica e despretensiosa, pois começa por considerações sobre o estruturalismo e culmina numa nota de rodapé (!). As três primeiras definições que listei parecem-me agora de fato verdadeiras - mas sem a contextualização sobre o estruturalismo de que agora disponho, elas davam ensejo apenas a elucubrações como as três definições por mim propostas.
É que nenhum lacaniano ferrenho (que eu saiba, ao menos) acompanha este blog, mas é fácil imaginar um torcer de narizes frente à superficialidade do meu contentamento com a apreensão de um conceito: que coisa mais rasa e ralé, entender um conceito! Aliás, quanta superficialidade em restringir o Outro a um mero conceito a ser compreendido! Bom mesmo é transitar pelas sombras da dúvida e da ignorância!
Tudo isso é verdade e eu mesma dou pouca importância a conceitos bem delimitados e definições precisas. Só que, vamos combinar, algum sentido há que se fazer - de um lugar provido de algum sentido é preciso partir. Se não a gente estudaria Lacan em tcheco (o puro significante, não é mesmo?*) e dava tudo na mesma. E ouso dizer que não dá: é bom, é MUITO bom, encontrar um livro cujo autor tem a pachorra de explicar o que é o Outro sem pressupor que o leitor já sabe do que se trata - e sem pressupor, o que é ainda melhor, que o leitor de fato não sabe do que se trata, mas isso não importa.
Acompanhemos, portanto, o raciocínio do autor em trechinhos por mim selecionados:
"Grosso modo, podemos dizer que o fundamento do estruturalismo consiste em mostrar como o verdadeiro objeto das ciências humanas não é o homem enquanto centro intencional da ação e produtor do sentido, mas as estruturas sociais que o determinam." (p. 42)
"A fim de melhor compreender esse ponto, lembremos o que significa 'estrutura social' nesse contexto. O estruturalismo trouxe uma teoria da sociedade que transformava a linguagem no fato social central. Processos como trocas matrimoniais, modos de determinação do valor de mercadorias, organização do núcleo familiar, articulação de mitos socialmente partilhados seriam todos estruturados como uma linguagem, até porque a linguagem é, antes de mais nada, um modo de organização, de construção de relações, de identidades e de diferenças. Neste sentido, ela fornece a condição de possibilidade para a estruturação de toda e qualquer experiência social." (p. 42)
"Tudo se passa como se as relações com o outro, nossas ações ordinárias, escondessem as mediações das estruturas sociolingüísticas que determinam a conduta e os processos de produção de sentido.Tal ilusão nos faria esquecercomo temos relações com a estrutura antse de termos relações com outros indivíduos. Como se a verdadeira relação intersubjetiva fosse entre o sujeito e a estrutura, e não entre o sujeito e os outros." (pp. 42-43)
"(...) mesmo as modalidades de apreensão subjetiva da ação da estrutura são determinadas pela própria estrutura. O sujeito pode objetivar a estrutura que determina seu pensamento e falar dela em um discurso da terceira pessoa, como se fosse um Outro. Mas não pode objetivá-la a partir de uma perspectiva que não seja determinada por este próprio Outro." (p. 43)
No que chegamos à nota de rodapé salvadora:
"Aqui já podemos compreender a diferença lacaniana crucial entre 'outro' e 'Outro'. Os 'outros' são fundamentalmente outros empíricos, que vejo diante de mim em todo processo de interação social. Já o 'Outro' é o sistema estrutural de leis que organizam previamente a maneira como o 'outro' pode aparecer para mim. O primeiro diz respeito aos fenômenos, o segundo, à estrutura." (p. 43, grifo meu)
A nota continua, mas foi a frase grifada que me permitiu, enfim, pensar o Outro a partir de um lugar semanticamente viável. E, por isso, sou grata ao Rafa**.
* Piada interna.
** O livro foi o primeiro presente dele para mim. Nerd. Total. Adoro.
- o Outro é o inconsciente;
- o Outro é a estrutura;
- o Outro é a linguagem.
Três definições, aliás, perfeitamente intercambiáveis, já que o inconsciente é estruturado como linguagem. Prosseguindo:
- o Outro é o sistema;
- o Outro é o Nome-do-Pai;
- o Outro é a cadeia de significantes;
até chegar à mais recente delas:
- o Outro é o tesouro de significantes (piratas, atacar!).
Então, já que era assim, é claro que eu adorava formular as minhas próprias definições para o esotérico conceito:
- o Outro é o panóptico do Foucault;
- o Outro é a CIA;
- o Outro é o Pedro Bial.
Mas, até anteontem, a única coisa que eu me sentia suficientemente segura para afirmar sobre o Outro sem medo de errar é que se deve escrevê-lo com O maiúsculo e pronunciá-lo "grande outro".
Até anteontem. Porque finalmente, sete anos depois, alguém conseguiu me explicar este conceito que eu já havia desistido de conseguir apreender nesta vida e mesmo numa próxima. Eis o alguém e sua obra:
A forma como o autor vai aos poucos delineando o conceito é ao mesmo tempo lógica e despretensiosa, pois começa por considerações sobre o estruturalismo e culmina numa nota de rodapé (!). As três primeiras definições que listei parecem-me agora de fato verdadeiras - mas sem a contextualização sobre o estruturalismo de que agora disponho, elas davam ensejo apenas a elucubrações como as três definições por mim propostas.
É que nenhum lacaniano ferrenho (que eu saiba, ao menos) acompanha este blog, mas é fácil imaginar um torcer de narizes frente à superficialidade do meu contentamento com a apreensão de um conceito: que coisa mais rasa e ralé, entender um conceito! Aliás, quanta superficialidade em restringir o Outro a um mero conceito a ser compreendido! Bom mesmo é transitar pelas sombras da dúvida e da ignorância!
Tudo isso é verdade e eu mesma dou pouca importância a conceitos bem delimitados e definições precisas. Só que, vamos combinar, algum sentido há que se fazer - de um lugar provido de algum sentido é preciso partir. Se não a gente estudaria Lacan em tcheco (o puro significante, não é mesmo?*) e dava tudo na mesma. E ouso dizer que não dá: é bom, é MUITO bom, encontrar um livro cujo autor tem a pachorra de explicar o que é o Outro sem pressupor que o leitor já sabe do que se trata - e sem pressupor, o que é ainda melhor, que o leitor de fato não sabe do que se trata, mas isso não importa.
Acompanhemos, portanto, o raciocínio do autor em trechinhos por mim selecionados:
"Grosso modo, podemos dizer que o fundamento do estruturalismo consiste em mostrar como o verdadeiro objeto das ciências humanas não é o homem enquanto centro intencional da ação e produtor do sentido, mas as estruturas sociais que o determinam." (p. 42)
"A fim de melhor compreender esse ponto, lembremos o que significa 'estrutura social' nesse contexto. O estruturalismo trouxe uma teoria da sociedade que transformava a linguagem no fato social central. Processos como trocas matrimoniais, modos de determinação do valor de mercadorias, organização do núcleo familiar, articulação de mitos socialmente partilhados seriam todos estruturados como uma linguagem, até porque a linguagem é, antes de mais nada, um modo de organização, de construção de relações, de identidades e de diferenças. Neste sentido, ela fornece a condição de possibilidade para a estruturação de toda e qualquer experiência social." (p. 42)
"Tudo se passa como se as relações com o outro, nossas ações ordinárias, escondessem as mediações das estruturas sociolingüísticas que determinam a conduta e os processos de produção de sentido.Tal ilusão nos faria esquecercomo temos relações com a estrutura antse de termos relações com outros indivíduos. Como se a verdadeira relação intersubjetiva fosse entre o sujeito e a estrutura, e não entre o sujeito e os outros." (pp. 42-43)
"(...) mesmo as modalidades de apreensão subjetiva da ação da estrutura são determinadas pela própria estrutura. O sujeito pode objetivar a estrutura que determina seu pensamento e falar dela em um discurso da terceira pessoa, como se fosse um Outro. Mas não pode objetivá-la a partir de uma perspectiva que não seja determinada por este próprio Outro." (p. 43)
No que chegamos à nota de rodapé salvadora:
"Aqui já podemos compreender a diferença lacaniana crucial entre 'outro' e 'Outro'. Os 'outros' são fundamentalmente outros empíricos, que vejo diante de mim em todo processo de interação social. Já o 'Outro' é o sistema estrutural de leis que organizam previamente a maneira como o 'outro' pode aparecer para mim. O primeiro diz respeito aos fenômenos, o segundo, à estrutura." (p. 43, grifo meu)
A nota continua, mas foi a frase grifada que me permitiu, enfim, pensar o Outro a partir de um lugar semanticamente viável. E, por isso, sou grata ao Rafa**.
* Piada interna.
** O livro foi o primeiro presente dele para mim. Nerd. Total. Adoro.
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