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domingo, 21 de outubro de 2007

Da lava que cobre tudo

Tenho uma amiga que acha que o meu namoro acabou por causa da rotina.

Ela não entendeu nada.

Fico com a grata sensação de que Deus teve a generosidade de me dar uma pequena prévia do meu futuro com o namoro quepouco acabou e que para sempre me deixará de coração entusiasmado – o coração entusiasmado não é aquele que bate acelerado; o coração entusiasmado é o que a gente sente bater – ao lembrar que tal namoro um dia começou. Um dia existiu. Esmagamento relaxante de manhã, o dia posto em revista à noite, SNL aos sábados, macarrão com legume aos domingos, carinho a toda hora.

E ainda querem que eu acredite que o namoro acabou por causa dessas coisas.

Tenho também uma amiga que prontamente interpreta como um sintoma inequívoco da depressão meus planos de passar algum período do dia sozinha.

Ela também não entendeu nada.

Com ou sem namoro, há coisas boas na vida que demandam a participação de uma pessoa apenas. Escrever no blog de manhã, fazer macarrão com toucinho à noite, minhas amigas aos sábados, a New Yorker e a Piauí em revista aos domingos, música a toda hora.

Solidão não é isso.

Solidão é mistura de falta com irrealidade; é o ponto em que as psicopatologias de Lacan e Winnicott se tocam.

É o ponto em que a falta de alguém ou alguma coisa é tão doída, que a realidade cessa de operar.

(ou)

É o ponto em que a realidade é tão doída, que a presença de alguém ou alguma coisa cessa de operar.

Recentemente ganhei um telefone celular novo, em substituição ao roubado. O novo possui três espaços a mais que o antigo na agenda de discagem rápida.

Que fazer com esses três espaços? Que fazer quando a gente tem o espaço, mas não tem a pessoa?

(Quer dizer, médio: um deles eu preenchi. Uma amiga querida com quem venho trabalhando bastante.)

Ainda assim, sobram dois.

Pensei inicialmente em preenchê-los com outras pessoas queridas e conhecidas.

E lembrei-me dos CDs que levo no carro.

Tenho uma disqueteira com espaço para 24 CDs. E CD é a coisa que mais sobra na minha vida. Ouço um, aparecem dez outros ainda por ouvir. “Não vence”, como diria minha avó.

Por isso mesmo, nunca tenho 24 CDs no carro. São sempre 23, ou menos. Porque nunca se sabe quando minha alma vai dar aquela cambalhota de vontade de ouvir de novo uma paixão antiga; quando vou conseguir baixar aquela raridade independente; quando vou passar na Pop’s e sucumbir a uma ou duas promoções ou lançamentos.

Nãopara preencher a disqueteira. Não dá. A vida precisa de espaço para o inesperado e o surpreendente.

Portanto, no que tange ao meu celular, urge deixar um espaço vazio.

o outro...

Sei , alguém se habilita?

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