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sexta-feira, 12 de outubro de 2007

A Emília de Itajubá

Dia das Crianças estranho, este.

Quando soube do meu admirador secreto do blog, meu maior admirador não se conformou em não ter sido o primeiro a me presentear com coisinhas listadas aquientão, num rompante consumista, comprou-me obras completas de Mr Goldberg. Os três CDs chegaram hoje, botando um fim definitivo numa série de timings ruins que vinham me acometendo até ontem e inaugurando um período de confiança que confio estar mais para um realismo contido que para um entusiasmo desenfreado.

Mas a boneca de pano da Emília que me esperava numa caixa de papelão na portaria do prédio hoje cedo, algo me diz que não foi nem o Tato nem o meu pai que me deram-na.

O engraçado é que sempre tive sentimentos ambivalentes em relação a possuir uma boneca da Emília. É claro que eu queria uma boneca da Emília, eu adorava a Emília. Mas como possuir uma boneca da Emília se a própria Emília me havia ensinado que a Emília-de-faz-de-conta era muito mais verdadeira e importante que uma simples Emília-de-pano? Além do que, Narizinho sempre foi minha melhor amiga e Pedrinho meu namorado; deles, eu podia ser uma igual. Mas Emília? Nunca houve uma boneca como Emília. Particularmente impressionante para mim foi o modo como ela seduziu Hércules. E também o modo como ela se safava das crueldades mais chocantesalguém se lembra do tanto que ela xingava Tia Nastácia, condensando em duas ou três frases séculos de preconceitos de raça e de classe? – com algum feito bonitinho ou tirada espirituosa.

Sim, hoje posso admitir: a verdade é que sempre invejei Emília, pois ela sempre teve tudo o que quis; sempre deu vazão a todo o seu amor e a todo o seu ódio, sem limitações. Com ela exercitei algo que na época deve ter sido muito difícil de exercitar em relação à minha mãe: a convivência e a convergência do amor e do ódio (o meu amor e o meu ódio) direcionados a uma mesma pessoa. Pois está claro que sempre amei Emília também: tudo que de interessante acontecia no sítio ou fora dele passava por ela, de uma forma ou de outra. Sem ela, dificilmente o Sítio do Pica-Pau Amarelo teria sido a Ilha de LOST da minha infância.

Emília sempre conseguiu tudo o que quis, exceto uma coisa: tornar-se humana. Era esse meu triunfo maníaco sobre ela, e possivelmente sobre minha mãe tambémvocês , que conquistam os Hércules do mundo, vocês ao menos não existem. São impossíveis bonequinhas insignificantes.

Infelizmente, porém, coube a mim identificar-me a elas. Ser igual à minha mãe e à Emília, desafiando os limites impostos pelos autores do mundo. Emília porta-voz de Monteiro Lobato, Camila porta-voz de seu inconsciente. Esta Camila por muito tempo dedicou-se com convicção ao papel de bonequinha dos Hércules e Jacobs, conseguindo de fato tudo o que quis, pagando por isso o preço de sua humanidade, convertendo-se com isso numa impossível bonequinha insignificante. Virei pano, um pano que se foi encardindo e gastando, até ser deixado de lado, objeto transicional que perdeu a função. Sem de pirlimpimpim que me pudesse reabilitar.

E agora uma Emília de pano, fabricada em Itajubá e presenteada por não sei quem, senta-se sorridente no sofá da minha sala.

Cuido para que eu e ela tenhamos agora uma vida feliz.

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