Mulher fácil
Não sei se pela ausência da mãe concreta ou se por deficiências internas minhas, o fato é que (para) sempre fui um pouco alheia a algumas questões básicas da feminilidade.
Acho que nunca terei suficiente confiança na mulher em mim mesma para deixá-la decidir, por sua própria conta e risco, o hidratante a que submeterei meu rosto. A janela em que as meninas aprendem a escolher o próprio hidratante – dos 12 aos 14 anos, provavelmente – já se fechou, assim como estão fechadas e emperradas as janelas da depilação e da maquilagem. Naturalmente que me maquilo, hidrato e depilo – mas com muito pouca convicção interna de que estou fazendo tudo isso direito.
Para tais coisas, porém, é possível tomar emprestadas as mães alheias – tias e amigas e mães de amigas – para que eu possa me conduzir com alguma segurança pelos caminhos hidratantes, depilatórios e maquiladores da humanidade. Mas para outras, nem o mastercard salva. Coisas tais que suas janelas parecem nem ter chegado a existir.
Ninguém me ensinou a ser difícil. A ler as intenções subjacentes aos olhares e gestos, a refrear o desejo, a fingir-se desinteressada, a mostrar-se superior e misteriosa, a adiar a gratificação – própria e alheia. Sou um fracasso de dama. Sou uma mulher fácil. Já que as janelas não existiram, fiquei chegada em abrir uma porta. Assim: oi, quer ser minha amiga? Quer ser meu orientador? Quer ser meu bachelor?
Vem dando certo, o pior é isso. Se continuar assim, é capaz de eu nunca aprender a me relacionar como adulta-civilizada, dessas que vê e espalha sentidos por todas as partes, principalmente nas palavras alheias. Minhas palavras são superficiais: está tudo ali, na cara delas. Atrás, é claro que sempre tem mais. Mas só o mais que não controlo: não consigo empurrar sentidos por detrás das palavras, forçar o filho de volta ao útero.
Faltei nas aulas de Recorta & Cola e nas aulas de Técnicas de Sedução Feminina. O resultado disso é que prefiro os homens que faltaram às aulas de Técnicas de Sedução Masculina também – embora, naturalmente, habilidades manuais como recortar, colar e cozinhar sejam sempre bem-vindas. Enquanto as demais crianças aprendiam o significado implícito ao número de horas que o pretendente leva para telefonar após o primeiro encontro – se uma hora, é desesperado, se vinte e quatro, adequado, se quarenta e oito, lesado – enquanto as crianças se dedicavam a tais complexos cálculos afetivo-matemáticos, eu girava com um menininho-talvez-namorado no gira-gira. Desta lição, por exemplo, só consegui fixar a última parte: quem demora quarenta e oito horas para ligar demorará quarenta e oito encontros para se emocionar.
Eu gosto dos que gostam de girar comigo no gira-gira até ficarem tontos, sem nenhuma pretensão de sair do lugar.
Eu gosto também dos que tomam a iniciativa de parar o movimento do gira-gira e me levar diretamente ao trepa-trepa.
Sobretudo, eu gosto dos que conseguem sair do parquinho sem nunca esquecer que o gira-gira e o trepa-trepa são coisas muito sérias.
Eu gosto dos que não gostam das regras de conduta que limitam o amor. Meu lado Emília, pois.
Mas como me hidrato, maquilo e depilo – nessas matérias fiquei de recuperação, mas afinal passei –, espera-se de mim que eu nem vá para o parquinho; que fique comportadinha e limpinha dentro da sala de aula, repassando lições de sedução que na verdade nunca aprendi.
Não consigo. Sou sempre a primeira a dar de ombros para as lições que deveria ter estudado; sempre a primeira a correr para o parquinho.
É claro que, dessas corridas, freqüentemente saio esborrachada. Quando vejo, o gira-gira está numa velocidade que não posso mais controlar, e o trepa-trepa não tem mais barras onde eu possa subir e me contorcer. A maquilagem começa a borrar e os pêlos mais escondidos começam a aparecer.
Vem dando certo. Só não sei se ser uma mulher fácil é mais fácil que ser uma mulher difícil.
Marcadores: elaborar
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