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segunda-feira, 7 de julho de 2008

Vagabunda, como não?

Das coisas mais interessantes de se notar em pessoas que querem se mostrar interessantes é a progressiva redução e centramento de seu discurso em si próprios. Ao contrário de uma partida de xadrez, cuja jogada inicial determina movimentos subseqüentes, na conversa das pessoas que precisam ser interessantes é o fim que determina toda a conversa anterior: o assunto pode ser o aquecimento global, a performance da Seleção, a mecânica das bigas romanas, não importa - a conclusão invariavelmente recairá sobre o reluzente caráter do interessante intelocutor, assunto freqüentemente tão distante do original quanto eu de homens fantásticos como esses daqui (um beijinho para os dois).

Pois assim começava uma discussão potencialmente fecunda sobre a virgindade da Virgem Maria. Dizia o interlocutor ser este fato altamente questionável, pois mesmo que Maria fosse virgem à entrada (a saber, do Cristo em seu útero), certamente não mais o seria à saída (idem, ibidem)*.

A discussão seguiu impávida rumo ao conceito de virgindade na Idade Média, até chegar ao ápice do problema:

"Porque veja bem, eu tenho um amigo, o Zezinho, que pensa assim até hoje: ele quer casar com uma moça virgem, mas fica comendo um monte de vagabunda por aí."

Com isso, o interlocutor estava certo de demonstrar cabalmente sua sensibilidade frente à questão da sexualidade feminina. Ele, rapaz moderno e sem preconceitos, achava a atitude do amigo absolutamente condenável: que absurdo deixar-se guiar por essas idéias retrógradas hoje em dia!

No que respondo sem hesitar:

"Diga então a seu amigo que eu, na condição de vagabunda, desejo a ele boa sorte em sua empreitada, mas já adianto que eu e as companheiras vagabundas achamos bem difícil ele ser bem-sucedido em seus intentos."

Durou bem menos que um segundo, mas foi perceptível um brilho em seus olhos revelador de movimentos mais profundos em seu cérebro, que se retorcia e revirava à percepção de que ele mesmo - ele, rapaz moderno e sem preconceitos - acabara de dividir as mulheres do mundo em virgens e vagabundas.

Infelizmente, o tempo que durou o brilho foi menor do que o levado para ele se recompor:

"Não, não foi isso que eu quis dizer, tá vendo como são as mulheres, você entendeu tudo errado..."

E assim vou vivendo, vagabundeando por aí e entendendo tudo errado.


* A semelhança com "preto que não caga na entrada caga na saída" não deve ser mera coincidência.

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