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domingo, 6 de julho de 2008

O melhor filme que nunca vi

Tinha uns homens fortes de rabo de cavalo e umas mulheres de saia, todos eles vestidos de gente-de-outra-época. Tinha uma cozinha, e uma mesa ao centro, mas dado que ninguém disse que algum book estava na table, fiquei completamente ao Jacob-dará, sem entender palavra alguma daquele inglês estranhíssimo, sabe-se lá de que povo e de que século. Tinha também arcos e flechas e talvez um princípio de guerra. Tinha uma mocinha que claramente queria dar para o índio gostosão, mas devia lealdade ao marido branco e aquela pataquada toda.

Principalmente, tinha um Chardonnay californiano de doze dólares na minha taça, e homus com pimenta no meu pão sírio.

E o melhor de tudo: o melhor amigo ao meu lado*.

***

Não sei situar esta noite no tempo: se foi antes ou depois da Brasa, antes ou depois da festa no Idelber, antes ou depois do e-mail que delineava uma vaquinha marchando confiante em direção ao brejo.

Sei situar esta noite no espaço: ela se insere na esquina do meu cérebro reservada às pessoas que fazem bem, olhando para quem.

Porque primeiro Alex me olhou: começando dos pés, como é de praxe, até chegar à minha cara toda amarrotada após a leitura do dito e-mail da vaquinha.

Depois disso ele não precisou fazer muita coisa, porque ele é das poucas pessoas que entendem que o melhor que se pode fazer por uma pessoa, em situações-vaca, é escutá-la, senti-la, ouvi-la. Olhar para alguém já é fazer o bem.

E não resisto ao clichê de dizer que nunca me esquecerei do seu olhar de desespero ao ver o desespero se apoderando de mim. Porque ele sofre muito, ao ver alguém sofrer.

Mas quando começamos enfim a assistir ao filme, a vaquinha já ia longe, pastando em outras paragens.

Alguns meses depois, tento entender a combinação de fatores disparadora da melhor noite de sono da viagem inteira:

O chardonnay estalando na língua. Uma língua estranha e vagamente familiar bem próxima dos ouvidos. Um edredom desses que só americano sabe fazer.

Foi gostoso ter preservado a consciência de que eu estava caindo no sono. Foi gostoso, pouco a pouco, ouvir as vozes da tela transformando-se em outras, minhas. Foi surpreendente e encorajador perceber que num lugar estranho, repleto de pessoas estranhas, eu ainda assim fui capaz de encontrar acolhimento, e me entregar tão completamente a algo tão desprotegido como um sono largado.

Ele fez algum comentário insinuando que eu não estava vendo o filme, ao que retruquei qualquer coisa entre o engraçado (porque ele riu) e o indignado (porque ele deixou o filme ali até eu adormecer).

***

Outro dia um amigo perguntou: "ei, você pegou o Alex Castro?".

Lembrei-me imediatamente da política de boatos do LLL - confirmar tudo, sempre -, passando então a discorrer sobre nossas noites de sexo ardente e depravado; mas, talvez pelo riso que não pude conter, meu amigo parece não ter acreditado muito na confirmação pela qual sua curiosidade ansiava.

Agora, refletindo melhor, concluo que o curioso amigo de fato se enganou.

Eu não peguei o Alex Castro. Ele é que me pegou. Com todo o cuidado, e me pôs para dormir.


* Funciona assim: eu tenho alguns melhores amigos, algumas melhores amigas, e a Bel.

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