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terça-feira, 29 de abril de 2008

16/8

Pessoas as mais diversas têm me perguntado como estou. Não o olá-como-vai-eu-vou-indo-e-você-tudo-bem - mas aquele "como você está?" acompanhado de um olho no olho e às vezes um leve toque no meu braço.

Eu sempre me surpreendo com as tentativas alheias de transformar um dos greatest hits do falatório universal em fala autêntica. E sempre sinto que minha resposta não fica à altura do que o entrevistador pretendia. A resposta que acaba saindo oscila entre "é, um dia após o outro" e "sim, tudo bem, estudando bastante...".

A verdade é que meu espanto com essas perguntas de pessoas que se importam comigo tem me lembrado bastante o espanto que eu sentia quando me perguntavam a mesma coisa logo que minha mãe morreu. A diferença é que, naquela época, as pessoas não se contentavam com um leve roçar de braços - elas preferiam segurar-me firmemente pelos ombros. E minha reação nada tinha do atual reconhecimento de que a vida pode - a vida tem que - estar muito melhor: eu simplesmente exibia uma incompreensão total. "Como assim, está tudo bem? Claro que está - por que, não era pra estar?"

Aos dez anos de idade tomei uma decisão da qual luto para me livrar até hoje: decidi que eu não tinha direito e nem motivos para sofrer. Minha mãe morreu? E daí - tem gente que perde os dois pais, ué, muito pior. Tem gente que passa fome. Tem gente que fica surdo. Estas gentes sim, poderiam legitimamente ter acesso a algum sofrimento. Eu, não. Eu era tão sortuda! Podia ter acontecido coisa tão pior... E se fosse o meu pai, já pensou??

Poucos raciocínios são tão potencialmente destrutivos na vida de uma pessoa quanto o do podia ser pior. Ele funciona exatamente pela mesma lógica da compra a prazo: em vez de sofrer à vista, você escolhe fechar-se para todo e qualquer sofrimento agora, para sofrer a prazo depois. Só que com juros muito superiores aos do Banco Central.

Minha desilusão amorosa atual vem se constituindo como minha primeira experiência de sofrimento à vista. Paguei uma grana tão violenta para ela, que agora me encontro no seguinte ponto:

Estou bem. Passo os dias feliz. Estudo o que amo, ouço o que amo e abraço aqueles a quem amo. Dentre os quais certamente não se encontra mais meu ex-namorado. O amor por ele passou.

E é aí que começa a parte verdadeiramente chata: o fim do amor dá vazão a uma enxurrada de mágoa e ressentimento.

Não durante o dia - os dias vêm sendo deliciosos. No Rio, então, nem se fale - não há como não ser feliz na praia e com o Gabriel.

Mas à noite...

À mágoa e ao ressentimento de hoje soma-se o sofrimento a prazo de outrora.

Venho tendo pesadelos. Não quaisquer pesadelos - ah, se eu pudesse pesadelar com bicho-papão ou nudez pública! - mas os meus fort-da particulares. Dos quais o principal é - alguém arrisca um palpite? - ta-da, com minha mãe.

O enredo é sempre o mesmo (claro - pois se o sonho não é um sonho, e sim uma repetição):

Minha mãe na verdade não morreu. Ela se mudou para algum lugar distante (esse lugar já foi China, Rússia e até a Lua; no último pesadelo, não foi especificado), porque encheu o saco da sua vida aqui - bem-entendido, encheu o saco de mim - e foi viver uma vida mais interessante num lugar exótico.

Aí ela volta, para me visitar (às vezes por algumas horas, outras por alguns dias; o máximo a que chegou foi uma semana). De início, mostra-se gentil, calorosa e demonstra sincero interesse em mim e meus afazeres.

É esse o pior momento do pesadelo. Porque me é simplesmente inconcebível uma alegria maior do que ver MINHA MÃE RESSUSCITADA. E a emoção é tanta que, nessa parte do enredo, eu choro e choro, e a abraço e beijo - e, quando consigo começar a esboçar alguma fala...

Ela avisa que vai embora.

(Começa o desespero.)

Eu grito com ela.

Sacudo, chacoalho, bato.

Na verdade, nunca consegui bater pra valer - porque, nessa hora, o choro se intensifica, e me tira completamente o tônus muscular.

No menos pior dos pesadelos, ela fica simplesmente fria. (Morta.)

No mais pior, ri de mim com escárnio. (Morta-viva.)

Anteontem foi assim.

Têm sido assim todas as noites. Geralmente não lembro o conteúdo do pesadelo - mas acordo sempre com a mesma sensação.

Que tem um só nome: abandono.

O não valer nada e ser trocada por coisa melhor.

Mas então me recupero, e passo o dia com meus amores.

Em dezesseis horas das vinte e quatro que a Terra nos concede, portanto, vou indo muito bem, obrigada.

As outras oito têm sido de puro pavor.

Torço por uma mistura e uma diluição das 8 nas 16.

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