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domingo, 2 de dezembro de 2007

Outra experiência antropológica: o salão de beleza

Dez anos de observação participante semanal em salões de beleza os mais variados constituem a principal fonte de informações para o estudo etnográfico que apresentamos a seguir, visando a descrição minuciosa dos tipos complexos que compõem a população prestadora de serviços destes estabelecimentos. Foge ao escopo do presente trabalho investigar a população consumidora destes serviços - qual seja, a clientela -, questão que pretendemos abordar no doutorado.

(Ou, se preferir, leia este texto como se fosse um teste de personalidade: que tipo de profissional da beleza você é?)

***

O cabeleireiro gay que se faz de hetero. De maneiras exageradamente contidas e sempre dando um jeito de encaixar a palavra "esposa" em qualquer assunto que se apresente, este cabeleireiro entrega a real natureza de seus sentimentos luxuriosos ao não reparar no decote da gostosa que acaba de adentrar o salão.

O cabeleireiro hetero que se faz de gay, isto é, fala alto, mexe bastante os braços e usa os adjetivos "fofa" e "bonita" como substantivos. Para ele, isso é o que basta para ser considerado homossexual pela maioria das clientes - e, portanto, dotado de um senso fashion superior ao restante da humanidade.

O cabeleireiro que se faz de cantor sertanejo. De preferências sexuais abstrusas, este cabeleireiro vê a profissão apenas como a plataforma que o alçará ao estrelato. Sendo assim, passa o dia ensaiando a performance que o levará ao Big Brother ou praticando o falsete que o levará à dupla sertaneja cujo segundo integrante acaba de falecer, que Deus o tenha.

O ajudante adolescente que se faz de moderno. Seus cabelos são uma instalação de arte pós-moderna; seu rosto, uma profusão de perfurações causadas pela acne ou por brincos e pinos diversos. A observadora-participante a princípio não dá nada por ele - até que ele lhe conduz ao lavatório e começa a massagear a sua cabeça. A experiência é tão, hmm, participante que depois de dez minutos a observadora começa a cogitar pedi-lo em namoro - momento no qual a massagem acaba, o adolescente sai de trás do lavatório e a observadora volta à dura realidade da sua pesquisa antropológica.

A manicure que se faz de safada. Vestindo sempre dois números a menos do que lhe seria cabível, a manicure que se faz de safada dispara uma média de dois comentários por minuto com referências sexuais tão sutis quanto os comerciais das Casas Bahia. "Você viu o tamanho do pé do (nome do cliente)?" e "Hoje eu estou necessitada!" estão entre as mais comuns.

A manicure que se faz de santa. Mãe e avó, faz frango com macarronada para a família aos domingos e é a única em todo o salão que responde aos comentários da manicure safada. Para tal, geralmente recorre aos clássicos "pára, Fulana!" e "ai, não sei do que você está falando!".

A manicure que se faz de superior. Mantém-se alheia às conversinhas fúteis entre as manicures safada e santa, buscando, ao invés disso, discutir literatura espírita com as clientes. Acha a injustiça social um absurdo e é eleitora fiel do Maluf.

A recepcionista desinformada que se faz de informada. A recepcionista desinformada invariavelmente anota o nome da observadora, cliente de meia década da manicure Maria, na agenda da cabeleireira Mara. Não contente, lá de vez em quando tenta convencer a observadora de que seu sobrenome na verdade se escreve com um L só, pois é óbvio que ela jamais o anotaria de maneira incorreta.

A cabeleireira que se faz de psicóloga, isto é, ouve três frases a respeito da vida da observadora e faz questão de compartilhar sua grande experiência de vida e vasta sabedoria com conselhos e lições que vão desde a flutuação do mercado financeiro à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Freqüentemente entende também de astrologia. Com tantos conhecimentos, sempre tem muito a dizer; costuma ser bem menos requisitada do que o ajudante adolescente.

A cabeleireira (que se faz de?) grávida. Todo salão de beleza possui : a) uma cabeleireira grávida; ou b) uma cabeleireira que está de licença porque está grávida; ou c) uma cabeleireira que acabou de voltar da licença por ter estado grávida; ou d) uma cabeleireira que está morrendo de medo de descobrir que está grávida. Qualquer que seja o caso, todo o salão se mobiliza em função da gravidez do trimestre - sim, pois a cada trimestre a grávida do salão precisa ser renovada.

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