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sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

O lugar mais deprimente de São Paulo nas semanas que antecedem o Natal

Os números não mentem, por qualquer lado que se os olhe: a Rua 25 de Março ganhou a emérita premiação concedida por este blog, com a ampla vantagem de um voto sobre os demais concorrentes - o que, se parece pouco, é só porque vocês não estão levando em conta que os votantes foram seis.

Ficam registrados, então, os parabéns a este lugar que prima pelo excesso de coisas e pessoas, justamente pela escassez de dinheiro da nossa gente.

Mas eleitores em potencial reclamaram da natureza da enquete, alegando que:

a-) todos os lugares concorrentes são deprimentes durante a totalidade do ano, não só nas semanas pré-natalinas;

b-) todos os lugares concorrentes são tão deprimentes, que o eleitor se confunde e prefere se abster;

c-) faltou a Rua Normandia entre as opções.

Sobre essas críticas, só me resta dizer: sim, sim e sim. Tudo isso é verdade. Tenho apenas dois adendos a fazer às críticas a e b:

a-) todos os lugares concorrentes são deprimentes durante a totalidade do ano, não só nas semanas pré-natalinas. É verdade; porém, assim como sabemos que a pobreza, além de constituir um sofrimento em si, reforça e realça, acentua e potencializa todos os demais sofrimentos (lição aprendida com o mestre que aniversaria hoje - parabéns, Paulino!!!) - também sabemos, por inferência, que o Natal reforça, realça etc. o PD (Potencial Depressor) de alguns lugares especiais.

b-) todos os lugares concorrentes são tão deprimentes, que o eleitor se confunde e prefere se abster. Sim, eleitores, mas vejam: a enquete pretendia apelar não apenas ao intelecto, mas às emoções mais profundas de vocês. Qual dos concorrentes, assim poderia ser lida a questão, é o lugar que mais náusea lhe imprime ao estômago? (O estômago nunca mente, lição aprendida com a Bel.)

O meu estômago, por exemplo, tinha resposta certa à pergunta. E já que não acredito na racionalização das escolhas, mas sim na justificativa intelectual a posteriori de uma escolha visceral e estomacal, passemos agora a uma análise ontológica dos lugares-candidatos divididos em duas categorias. São elas:

a-) Filiais do Inferno. É a luta pela sobrevivência em seu nível mais básico: a disputa pelo espaço. Pessoas competem por um lugar ao sol, à loja de celular, à fila do camelô, à fila das carnes, à fila para entrar na fila. Claramente, pertencem a este grupo a 25 de Março, o Shopping Center Norte, o Supermercado Bergamini e qualquer rua ou avenida da cidade no período das seis da manhã até as três da manhã do dia seguinte.

b-) Passeios Natalinos. Impera aqui não mais a luta pela sobrevivência, e sim a luta de classes. Poucas coisas parecem-me mais deprimentes do que morar em uma cidade cujas grandes opções de divertimento para os pobres no Natal seja tirar foto da Árvore do Ibirapuera (de resto, não muito mais bonita do que as árvores que eu mesma desenhava aos cinco anos de idade) - ou da decoração natalina do Shopping Iguatemi. A Árvore do Ibirapuera ganha pontos extras no PD por ser efetivamente feia; o Iguatemi ganha pontos por realçar ainda mais nitidamente a luta de classes.

*E antes que me digam que NY tem o Rockefeller Center e que se lá eu estivesse estaria tirando fotos da árvore toda pimpona, como pobre brasileira que sou - respondo que é verdade, mas que pelo menos em NY há uma cidade inteira bonita e bem cuidada à disposição das máquinas fotográficas dos pobres. Aqui os nossos pobres só têm o Shopping Iguatemi para fotografar.

** Na categoria conceitual deveria ter entrado também a Rua Normandia, cujas luzinhas não se acenderam em minha memória a tempo.

Feita essa exposição, resta a pergunta: qual o único lugar-candidato ainda não mencionado aqui?

A resposta revela o meu personal favorite: o Saldão das Casas Bahia, claro.

E ele não pertence a nenhuma das duas categorias em particular porque, como nenhum outro lugar em São Paulo às vésperas do Natal, o Saldão das Casas Bahia consegue conjugar em um só espaço a luta pela sobrevivência e a luta de classes - e, seguindo esse raciocínio, seria o lugar merecedor do prêmio.

O Saldão das Casas Bahia é a única Filial do Inferno considerada também um excelente Passeio Natalino - isto é, trata-se do único lugar insuportavelmente apinhado de gente que é ao mesmo tempo, e a despeito disso, tido como bom para se visitar e tirar fotos. As milhares de pessoas que se acotovelam na fila do crediário evidenciam a luta de classes à medida que ilustram o abismo existente entre a classe rica e o resto da população deste país: os pobres e a classe média disputam para ver quem vai pagar quanto, e em quantas vezes, enquanto os ricos passam o Natal bem longe dali.

***

Agora, antes que eu faça outra enquete tendenciosa, aproveito para dizer sem mais delongas que o comercial de TV mais deprimente destas vésperas de Natal sem dúvida alguma é o do Shopping Morumbi. E esta foi uma constatação triste para mim, pois o Shopping Morumbi é o único da cidade com o qual tenho alguma conexão afetiva. (A explicação oficial para isso é que eles têm uma super praça de alimentação; a verdadeira é que eu ia lá com o meu pai todo fim de semana quando pequena.)

Para quem ainda não teve o desprazer, o comercial, no melhor estilo lugar-de-gente-feliz (aliás, o Pão de Açúcar é a empresa que transpôs o conceito natalino de comercial para as propagandas do ano todo, mas isso é assunto para outro post), mostra grandes artistas da nossa música - Ed Motta, Paula Toller, Nando Reis, uma Ivete Sangalo genérica e provavelmente algum outro artista cujas artes agora me escapam - cantando em pungentes vibratos, strumming o violão com toda a energia, rindo e chorando ao mesmo tempo, nem ao menos sabendo como extravasar tanta emoção - a emoção de fazer compras no Shopping Morumbi. Com isso, o comercial também contribui para a explicitação da luta de classes: eu não sabia que as pessoas estavam tão pobres a ponto de não comprarem mais CDs - deixando, com isso, os já mencionados artistas igualmente pobres, tão pobres a ponto de precisarem ficar tão felizes num comercial, tudo para ganhar uns troquinhos de décimo-terceiro.

É nessas horas que tenho vontade de me mudar para alguma potência da ex-Iugoslávia (aqueles países que rendem ótimos jogadores de vôlei) e viver num chalé no topo de uma montanha plantando figos e pastoreando ovelhas. (Naturalmente, eu precisaria de um laptop com acesso à internet nessa montanha, até para eventualmente baixar alguma música do Ed Motta. É, o pior é isso: eu gosto um pouquinho do Ed Motta.)

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