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segunda-feira, 9 de julho de 2007

Flip #1

E foram-se as férias. Muitos discos, livros e DVDs, como vocês podem conferir nas listinhas ao lado; muito peixe, camarão, cocada e caipirinha; alguns autores novos para explorar; e, o mais importante de tudo, muitas horas de conversa com a Bel.

Ela mesma dizia outro dia que, às vezes, quando estamos juntas, parece se criar um terceiro sujeito. Este terceiro sujeitoou sujeita, seria mais preciso dizer, pois se trata certamente de uma mulher – é ao mesmo tempo um campo transubjetivo criado e constituído pelas (porém não equivalente às) subjetividades individuais de Isabel e Camila. Esse terceiro sujeito da amizade (outerceira amiga”, para simplificar) é vivenciado pelas subjetividades individuais de Isabel e Camila de formas diferentes, pois elas possuem sistemas de personalidade distintos; ao mesmo tempo, porém, quando surge uma nova idéia ou sentimento nesse campo, o problema da autoria desaparece: não se pode atribuir a idéia ou sentimento em questão a nenhuma das duas, mas a ambas e a nenhuma delas em particular.

Mas vamos parar por aqui antes que o leitor não-psi desista deste blog definitivamente e o leitor psi me atire um tomate pela recaída no Ogden. Eu teria muito o que dizer a respeito das concordâncias que Bel e eu compartilhamos em relação a temas gerais da vida, e também sobre o saco sem fundo de assuntos que volta a ser enchido até a borda a cada nova conversa. Mas acho que o mais interessante da nossa amizade não é nada disso, e sim os nossos famigerados sistemas de personalidade distintos.

Talvez a Bel seja a pessoa mais diferente de mim que conheço. E vice-versa, e tanto na saúde como na loucura. Em assuntos que nos são muito caros, não há de forma alguma aquela sensação que se traduz por umeu sei exatamente o que você está sentindo”. Muito ao contrário, existe um estranhamento extremo e a sensação de quenão sei absolutamente do que ela está falando”. A graça está em que esse estranhamento é temperado por uma compaixão enorme de ambas as partes – e assim, enquanto ela me falava sobre sua loucura envolvendo maçãs durante o nosso delicioso almoço que envolvia uma fantástica moqueca de camarão (momento coluna social: almoço este que contou com a presença de Jim Dodge, um dos autores da Flip, na mesa ao lado), precisei me haver com minha própria loucura quando o infeliz do violonista do restaurante (bom músico, o coitado) desata a tocar uma música que me leva diretamente ao inferno. Eu não sei o que é a maçã; ela não sabe o que é a música. E é nesse campo transubjetivo cheio de não-saberes que vamos caminhando. Felizes como deve ser.

P.S.: Uma ou outra foto da viagem deve aparecer por aqui esta semana, bem como comentários sobre as recentes audições e leituras por mim realizadas.

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2 Comentários:

Às 10 de julho de 2007 às 13:48 , Blogger Bel disse...

Puxa, Cami, fiquei emocionada ao ler o texto!!

Obrigada por dizer tão bem o que é um pouco da nossa relação. Um pouco porque, sem dúvida, a maior e mais importante parte dela não se deixa apreender pelas palavras. Daí o agradecimento, pois com instrumentos pobres para este fim vc chega, sempre, bem perto da emoção da experiência, de tanta riqueza!!

Já te disse inúmeras vezes o quanto vc é importante, amada, querida e etc... por mim. Já te disse o quanto me faz bem a sua presença, e cada conversa e lágrimas compartilhadas. Não vou me repetir.

Com base no que vc apontou como sendo o mais interessante em nossa amizade, vou dizer somente aquilo no que discordo de vc. O estranhamento extremo é extremo justamente porque existem, ao mesmo tempo, as duas sensações: "eu sei exatamente o que vc está sentindo" e "não sei absolutamente do que ela está falando". Para mim, é aí que reside a magia e a graça da coisa. O velho e bom unheimliche... O paradoxo difícil de se aceitar no mundo cartesiano em que vivemos... É que o homem, a não ser o próprio Descartes, de fato não é cartesiano.

Os dias passados com vc foram ótimos, obrigada! Beijos!

 
Às 12 de julho de 2007 às 20:16 , Blogger Camila disse...

Sim, concordo inteiramente com sua discordância. Existe uma tensão dialética - cuja síntese talvez esteja representada na moqueca de camarão - entre o saber e o não-saber. É que, nesse texto, eu quis enfatizar a dimensão do estranho e do desconhecido, que infelizmente anda bem pouco em voga nos dias de hoje (concorda?).

E, prosseguindo nas discordâncias - desconfio de que nem mesmo Descartes era cartesiano, viu?

 

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