Flip #1
E foram-se as férias. Muitos discos, livros e DVDs, como vocês podem conferir nas listinhas aí ao lado; muito peixe, camarão, cocada e caipirinha; alguns autores novos para explorar; e, o mais importante de tudo, muitas horas de conversa com a Bel.
Ela mesma dizia outro dia que, às vezes, quando estamos juntas, parece se criar um terceiro sujeito. Este terceiro sujeito – ou sujeita, seria mais preciso dizer, pois se trata certamente de uma mulher – é ao mesmo tempo um campo transubjetivo criado e constituído pelas (porém não equivalente às) subjetividades individuais de Isabel e Camila. Esse terceiro sujeito da amizade (ou “terceira amiga”, para simplificar) é vivenciado pelas subjetividades individuais de Isabel e Camila de formas diferentes, pois elas possuem sistemas de personalidade distintos; ao mesmo tempo, porém, quando surge uma nova idéia ou sentimento nesse campo, o problema da autoria desaparece: não se pode atribuir a idéia ou sentimento em questão a nenhuma das duas, mas a ambas e a nenhuma delas em particular.
Mas vamos parar por aqui antes que o leitor não-psi desista deste blog definitivamente e o leitor psi me atire um tomate pela recaída no Ogden. Eu teria muito o que dizer a respeito das concordâncias que Bel e eu compartilhamos em relação a temas gerais da vida, e também sobre o saco sem fundo de assuntos que volta a ser enchido até a borda a cada nova conversa. Mas acho que o mais interessante da nossa amizade não é nada disso, e sim os nossos famigerados sistemas de personalidade distintos.
Talvez a Bel seja a pessoa mais diferente de mim que conheço. E vice-versa, e tanto na saúde como na loucura. Em assuntos que nos são muito caros, não há de forma alguma aquela sensação que se traduz por um “eu sei exatamente o que você está sentindo”. Muito ao contrário, existe um estranhamento extremo e a sensação de que “não sei absolutamente do que ela está falando”. A graça está em que esse estranhamento é temperado por uma compaixão enorme de ambas as partes – e assim, enquanto ela me falava sobre sua loucura envolvendo maçãs durante o nosso delicioso almoço que envolvia uma fantástica moqueca de camarão (momento coluna social: almoço este que contou com a presença de Jim Dodge, um dos autores da Flip, na mesa ao lado), precisei me haver com minha própria loucura quando o infeliz do violonista do restaurante (bom músico, o coitado) desata a tocar uma música que me leva diretamente ao inferno. Eu não sei o que é a maçã; ela não sabe o que é a música. E é nesse campo transubjetivo cheio de não-saberes que vamos caminhando. Felizes como deve ser.
P.S.: Uma ou outra foto da viagem deve aparecer por aqui esta semana, bem como comentários sobre as recentes audições e leituras por mim realizadas.
Marcadores: elaborar, recordar
2 Comentários:
Puxa, Cami, fiquei emocionada ao ler o texto!!
Obrigada por dizer tão bem o que é um pouco da nossa relação. Um pouco porque, sem dúvida, a maior e mais importante parte dela não se deixa apreender pelas palavras. Daí o agradecimento, pois com instrumentos pobres para este fim vc chega, sempre, bem perto da emoção da experiência, de tanta riqueza!!
Já te disse inúmeras vezes o quanto vc é importante, amada, querida e etc... por mim. Já te disse o quanto me faz bem a sua presença, e cada conversa e lágrimas compartilhadas. Não vou me repetir.
Com base no que vc apontou como sendo o mais interessante em nossa amizade, vou dizer somente aquilo no que discordo de vc. O estranhamento extremo é extremo justamente porque existem, ao mesmo tempo, as duas sensações: "eu sei exatamente o que vc está sentindo" e "não sei absolutamente do que ela está falando". Para mim, é aí que reside a magia e a graça da coisa. O velho e bom unheimliche... O paradoxo difícil de se aceitar no mundo cartesiano em que vivemos... É que o homem, a não ser o próprio Descartes, de fato não é cartesiano.
Os dias passados com vc foram ótimos, obrigada! Beijos!
Sim, concordo inteiramente com sua discordância. Existe uma tensão dialética - cuja síntese talvez esteja representada na moqueca de camarão - entre o saber e o não-saber. É que, nesse texto, eu quis enfatizar a dimensão do estranho e do desconhecido, que infelizmente anda bem pouco em voga nos dias de hoje (concorda?).
E, prosseguindo nas discordâncias - desconfio de que nem mesmo Descartes era cartesiano, viu?
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